Impressões Enganam, as escrita por MyKanon


Capítulo 4
Ela não dorme direito




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/58303/chapter/4

_ Bom dia, Veri. - cumprimentei passando rapidamente pela mesa de minha colega.

_ Bom dia, Vitor!

Ela o fez com tanto vigor que me chamou a atenção. Parecia diferente. Eu não era muito bom com essas coisas de aparência, então demorei a perceber que ela estava com os cabelos amarelados soltos. Seu rosto também parecia diferente, e achei que talvez fosse alguma maquiagem.

Sorri sem-graça e tomei meu lugar.

Quatro novas mensagens de alguns minutos atrás me chamaram atenção. Uma do peculiar Barasal e três de desconhecidos.

 

De: Roberto Sanches

Para: Carlos Barasal

Cópia: Marissol B. Correa

 

Prezados,

 

O projeto 10.003 está atrasado, não estavam prestes a receber um estagiário para agilizar o serviço?

 

Att,

Roberto Sanches

 

Quem era Roberto Sanches? Significava que eu estava ferrado?

 

De: Carlos Barasal

Para: Roberto Sanches

Cópia: Marissol B. Correa; Vitor Ferreira

 

O estagiário já está a postos.

 

Att,

Barasal

 

“Só não está trabalhando...” Pensei desolado.

 

De: Roberto Sanches

Para: Carlos Barasal

Cópia: Marissol B. Correa; Vitor Ferreira

 

E por quê não vejo progresso?

 

Att,

Roberto Sanches

 

“Porque o Barasal me mandou fazer outra coisa!” Pensei irritado. Mas isso não era uma postura muito pró-ativa.

 

De: Marissol B. Correa

Para: Roberto Sanches; Carlos Barasal; Vitor Ferreira

 

Barasal, oriente seu funcionário. Sanches, não vejo nenhum atraso no cronograma.

 

Att.

Marissol B. Correa

 

E depois não tinha mais nada. É, salvo pelo gongo! Ou melhor, pela Marissol, que parecia ter muita influência sobre os outros dois.

Mas e então? Deveria falar com o meu chefe? A Marissol mandou ele falar comigo... Seria melhor aguardar?

_ Bom dia, Vitor.

_ Bom dia. - respondi firmemente.

_ Pode me acompanhar, um minuto?

Levantei-me tentando não mostrar muito nervosismo, e segui meu chefe para sua sala.

Chegando lá ele simplesmente me pediu para sentar e me orientou a respeito do novo projeto, não mencionando nada além disso. Deixei a sala mais aliviado que quando entrei, apesar do maior volume de trabalho.

 

*

 

_ E aí? Vamos lá? - chamou Robinson na hora do almoço.

_ Claro. Só um instante.

Terminei de digitar algumas linhas de código e bloqueei o computador. Qual não foi minha surpresa ao encontrar com o semblante risonho da Veridiana me encarando de sua mesa.

“Putz, o almoço!”

Ficamos alguns segundos imóveis.

_ Vamos? - o Robinson teve de chamar de novo.

_ Ahn... Sim, vamos.

Desfiz o contato visual e acompanhei meu colega para o restaurante. Talvez assim, ela ficasse chateada e me deixasse em paz.

_ Meu, você nem acredita... - comecei desolado enquanto esperava a comida ser servida.

_ Qual foi?

_ Essa Veridiana. Ela não me dá sossego...

_ Olha, garanhão! - brincou ele me dando um soco no ombro.

_ Não zoa não que ela tá quase vindo almoçar com a gente.

_ Ow, aí não...

_ Aí não, é? Humpf.

Bufei irritado. Se ela não desgrudasse, teria de começar a ser indelicado.

Quando voltei para o meu lugar, ela não estava. Devia ter ido almoçar. Acabei experimentando uma culpa inesperada quando a vi passando pela porta, mas não me importei muito. Eu só não a chamei para almoçar, não era tão ruim assim!

Procurei não falar com ela, o que não foi difícil, já que eu normalmente não falava, e ela também não falou comigo, o que era estranho.

Ela tinha o serviço dela, talvez só estivesse ocupada.

De certa forma, era tudo que eu queria.

Quando cheguei no dia seguinte, depare-me com a mesma Veridiana de sempre. Pálida e com os cabelos amarelos presos num rabo de cavalo.

_ Bom dia, Veri. - cumprimentei cuidadosamente.

_ Bom dia, Vitor! - incrivelmente ela respondeu de forma empolgada.

Fui para o meu lugar tentar agilizar meu serviço e me livrar daquele olhar insistente. Concentrei-me completamente ao serviço, parando apenas algumas horas mais tarde por causa da sede.

Bloqueei o computador e fui até a copa. Era uma cozinha minúscula, com apenas um bebedouro e uma pia, onde ficavam duas garrafas térmicas, uma de café e uma de água quente para os chás.

“Essa garota está me trazendo muita má sorte...” Foi o que me veio à mente imediatamente após adentrar o recinto.

Ela estava preparando alguma das bebidas, de costas para mim. Estava usando uma saia florida na altura das canelas, revelando as pernas brancas e finas.

“Para duas velas só faltam os pavios...” Imaginei, mas sacudi a cabeça na tentativa de afastar os pensamentos desnecessários e tratar de sair de mansinho dali antes que ela me notasse.

_ Também quer chá?

Abaixei-me mexendo no sapato como pretexto para a minha posição de fuga.

_ Não, obrigado. Só vim tomar uma água.

_ Hum-hum. - ela murmurou arregalando os olhos.

Desviou sua atenção para o pote de açúcar e iniciou a despejar algumas colheradas no copo. Contornei-a para pegar um copo descartável e fui para o filtro de água.

Podia sentir o peso do olhar dela na minha nuca. Lancei-lhe um sorriso sem graça enquanto enchia o copo.

_ Chá mate? - perguntei.

_ Não... Camomila.

_ Cuidado para não dormir. - desliguei a torneira do filtro.

_ Eu não durmo há 52 horas... - ela disse com o olhar perdido em algum lugar além de mim.

Cinquenta e duas horas? Era um pouco mais que dois dias...

_ Problemas de insônia? - perguntei.

_ É... De certa forma.

_ Que ruim.

_ Não faz mal... Tem dias que durmo por 24 horas seguidas...

Tomei o copo d'água em grandes goles e joguei o copo numa lixeira próxima a ela para não levar a conversa mais adiante. Qualquer papo com ela era muito bizarro para que eu pudesse acompanhar.

_ Por que você fez isso? - ela perguntou parecendo muito chateada.

Meu coração deu um salto nessa hora. Do que ela estaria falando? Do almoço? De evitá-la? De falar mal dela?

_ Isso... O quê? - perguntei inseguro.

_ Jogar o copo fora... - apontou para a lixeira.

_ Ah... Bem... Porque o copo era descartável... E jogamos fora tudo que é descartável...

_ Você sabia que o plástico pode levar até 450 anos para se decompor?

E o que eu podia fazer? Guardá-lo comigo todo esse tempo?

_ Uau... Mas... O que posso fazer?

Ela tomou o chá sem pressa. Virou-se e lavou o pequeno copo de plástico.

_ Você pode  utilizar seu copo durante todo o dia. E depois jogá-lo numa lixeira de coleta seletiva. Tem uma bem perto da estação...

Hein?

_ Claro. Vou tomar mais cuidado da próxima vez.

Não faltava mais nada. No meu conceito, a Veridiana era totalmente e irremediavelmente doida.

 

*

 

_ E aí, grande? Vamos? - chamou o Robinson.

_ Opa.

_ Aí, essa é a Dani, e vai almoçar com a gente.

_ Oi Dani.

_ Dani, esse mané aí é o Vítor.

_ Aprendi com o mestre. - me defendi.

Cumprimentei a moça que ele apresentou. Parecia uma mestiça, realmente muito bonita. Uma pena não podermos falar dela durante o almoço.

Assim que levantei, mais uma vez me deparei com o sentimento de culpa ao encontrar com a Veridiana nos encarando curiosamente. Quando percebeu que eu a encarava, voltou-se para seu monitor. Como se eu não a tivesse visto...

_ Bora? - meu colega tornou a me chamar.

Se ele estava levando uma garota que eu não conhecia, qual o problema em levar uma que ele não conhecia? Tá certo que seria covardia compará-las... A Dani era uma morena vistosa, cheia de curvas, longos cabelos negros e lisos, enquanto a Veridiana... Enfim.

_ E aí Veri? Vamos com a gente?

Instantaneamente me tornei o centro das atenções. O Robinson me encarou surpreso, enquanto a Dani me encarava contrariada. A Veridiana me olhava meio avoada como sempre.

_ Eu? Almoçar com vocês? - repetiu.

Deu uma olhada para os meus outros dois colegas e começou:

_ Ah, melhor não... Não é?

_ Que nada. Vamos aí. Hoje é sexta. Dia de confraternizar. Não é, Robinson?

_ Isso aí. Vamos, Veri. - ele confirmou ainda incerto.

_ Ah... Então tá.

Então ela sorriu satisfeita e bloqueou seu computador.

Definitivamente não era uma boa ideia... Mas como meu dia já não tinha começado muito bom, então, não ia mudar muita coisa.

 

Continua


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Oi?