Destinados escrita por Tsuki Dias


Capítulo 22
21 - A Ilha da Morte


Notas iniciais do capítulo

Não tem desculpas pelo atraso de tanto tempo, mas mesmo assim peço perdão e espero que não desistam de mim ;~;



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O sol queimava seu rosto, a areia quente grudava em sua pele enquanto a água fria batia em si num ritmo nauseante. Moveu os braços devagar e levantou o corpo pesadamente, tirando o rosto da maré que a banhava e queimava por dentro. Abriu os olhos ressecados e forçou-se a ver mais que o reflexo brilhante do sol na areia. Seu cabelo grudava no rosto molhado, e sua língua parecia grossa de tão seca. Uma faixa arenosa se seguia antes de uma manta verde tremulante substituir a visão. Correu o olhar até onde podia e avistou algumas pedras com formato estranho, macabras se olhasse de relance, e os totens se ossos formando um marco para a trilha.

Seu corpo todo tremeu enquanto via os totens feitos de ossos e pedras. Flashes de uma de suas vidas lampejaram em sua cabeça, pontuando o motivo do medo que sentia naquele tipo de ambiente. O desespero se transformou em pânico quando constatou que estava indefesa: sem arma, sem armadura e sem seus cristais para pedir ajuda e constatar que os companheiros estavam bem. Estava sozinha na ilha de seus pesadelos.

E ela gritou.

—-**--

— Lissa, Lissa, acorda. — Lys ouviu ao seu lado, enquanto era sacudida por mãos pequenas. — Por favor, por favor, acorda!

Lysvrill abriu os olhos assustada, sendo cegada pelo reflexo do sol entre as folhas verdes. Sentou-se de supetão e arrependeu-se no mesmo momento, a cabeça girou e uma náusea subiu por sua garganta, obstruindo até mesmo sua respiração. Virou para o lado e vomitou, sentindo o gosto do mar salgado enjoá-la ainda mais.

— Você tá bem? — Phay perguntou preocupada.

— O que houve? Onde estamos? — Lissa questionou confusa.

— Não sei... Acordei com você ao meu lado e isso. — Ela mostrou um colar prateado, como o de todos, formado por um par de cristais amarelos e um vermelho. — Não encontrei ninguém por perto, nem o Leo, ou o Mikki ou a Kira. Eu estou com medo, Lys...

— Vai... Vai ficar tudo bem, Phay. — Lissa puxou a menina para os braços e a apertou, tentando ocultar na mente seu temor. — Vamos achar os outros.

— Antes de você acordar, eu ouvi um grito. E se...

— Não pensa nisso! — Lissa a repreendeu, ficando de pé. — Vou te proteger.

— Como?

— Me deixe recarregar as energias. Gastei muita quando conjurei aquele feitiço das bolhas... — Lissa comentou cansada, lembrando-se da dificuldade que tivera ao conjurar o feitiço.

Quando viu o tentáculo baixando sobre o barco, atingindo o meio exato do transporte sem que os outros pudessem fazer algo, Lissa juntou Phay nos braços e conjurou uma bolha em torno delas, confinando oxigênio suficiente para ambas. Estendeu seu poder para os companheiros e sentiu-se enfraquecer a medida que as bolhas afundavam e eram jogadas de um lado a outro. Se eles tivessem se juntado, teria sido muito mais fácil salvá-los. Kira fora perdida na correnteza, assim como os meninos, que se afastaram demais para seus poderes alcançarem.

E desmaiou com Phay nos braços quando conseguiu que a maré as levasse para terra.

— Vamos encontrar os outros. Vou poder fazer um portal para nos tirar daqui, em algumas horas. Vamos procurar e tentar sobreviver nesse meio tempo.

Phay concordou de cabeça baixa e deu a mão para a maga, começando a andar pela praia. Iriam patrulhar um pedaço da costa e tentariam achar o ponto mais alto, onde poderiam se localizar e confirmar o que a voz interior da maga dizia com temor. Quando chegaram a uma pedra estranha, depois do que pareciam horas sob o sol quente, na areia, marcas de fuga apontavam uma entrada sinistra que se mostrou a elas, revelando uma trilha na mata marcada por ossos.

— Kira estava aqui... — Phay relatou atenta, baixando-se sobre os sulcos na areia. — chegou à praia com o mar, acordou e se arrastou por um pedaço antes de levantar e correr pra lá. Não há mais nada.

— Kira fugiu ou foi pega? — Lissa pensou um momento, contendo um arrepio. — pode achá-la?

— Vou tentar.

Phay se apoiou nos quatro membros e invocou seu poder. Uma loba cor de terra com chifres curvados apareceu no lugar da menina e começou a farejar a área em que estavam e liderou a caminhada pela mata. Lissa conjurou um feitiço protetor ao redor delas e acompanhou a menina. As plantas que roçavam na barreira deixavam-na com cores distintas, indicando o alto grau de toxidade que continham. Se Kira foi exposta a elas, provavelmente estaria sofrendo agora, envenenada ou alucinada.

Será que conseguiria curá-la? Ou melhor: queria ser capaz de curá-la?

Se esconda! — Phay pediu, empurrando-a com o corpo para o mato venenoso.

Esconderam-se entre o mato e esperaram. Um grupo de passos morenos e pés descalços, adornados de trançados rústicos e tinta ritual, passou correndo pela trilha, portando armas feitas de paus, pedras e ossos. Eram nativos em caça, pessoas que não deveriam ter tido contato com o mundo fora da ilha antes. Não seriam problema... Que dizer, esperava que não... Não queria lidar com canibais a essa altura da aventura.

Eles cheiram a sangue... — Phay comentou quando sumiram de vista.

— Canibais... — Lissa gemeu em pensamento, tocando a cabeça da loba. — vamos achar os outros e sair logo daqui.

Lys, os meninos não estão aqui. Só a Kira. — Phay revelou preocupada. — E se...

— Não pense nisso! Eles podem ter parado em outra ilha... Sim, deve haver outra ilha... Farei um feitiço de localização. Vamos voltar são e salvos.

Phay não disse nada, roçou-se na maga e voltou a farejar a trilha. O acre cheiro do medo de Kira impregnava aquela parte da mata. E tinha certeza de que era ela o alvo da caçada. Como sempre.

Ali... — Phay apontou, preocupada, para o topo de uma árvore, depois de algum tempo farejando o cheiro de Kira. — a trilha acaba aqui.

Lissa observou o topo da árvore e tentou entender como Kira foi parar lá. Distinguiu dentre as folhas o despontar de uma base de toras e cipós. Usando uma simples magia de visão, percebeu algumas gotas de sangue e areia na borda. Kira devia estar ferida, ou seus pés haviam piorado.

Phay não esperou que dissesse algo para transformar-se em uma espécie de macaco e começar a subir pela árvore. Conjurou um feitiço de levitação e seguiu cuidadosamente a fadinha. Quando chegaram à plataforma de madeira, depararam-se com uma pequena cabana de folhas, onde dentro dela podiam ver uma figura encolhida do chão, depois de uma trilha de sangue e pus. Kira.

Kira? — Phay chamou preocupada, correndo para encontrá-la. — acorda!

Lissa se aproximou rápido para ver a prima e se assustou com o que viu, quando a menina a virou. O olhar desvairado que estampava o rosto de Kira era aterrorizante, sua boca se movia desconexa e suja, sua respiração estava rasa e rápida, indicando que seria hiperventilada logo. Seu medo estava palpável em uma aura densa ao redor de seu corpo, e sua doença visível na pele. Como imaginara, Kira fora ferida e envenenada na floresta, o que explicaria aquele estado tão deplorável... E precisava ajudá-la se quisessem sair dali...

— Abra espaço, Phay. — pediu baixo e se aproximou da prima.

Com uma rápida avaliação, buscou na mente a conjuração certa e esfregou as mãos ritmicamente, murmurando palavras de poder até vê-las brilhar. Pousou uma mão sobre seus aflitos olhos amarelos e a outra pairando sobre seu corpo trêmulo. Invocou o poder dentro de si, e mandou para ela, reparando o que estava errado em seu corpo o máximo que podia e rezou para, pelo menos, o envenenamento fosse detido. Ainda estava fraca, mas daria seu melhor.

— Kira? — chama preocupada, vendo-a despertar aos poucos. — está ouvindo?

Ela confirmou, respirando sôfrega.

— Nós vamos te tirar daqui e te levar para o Mikki o mais rápido...

— Eles estão perto... — Phay anunciou preocupada. — nos acharam...

A respiração de Kira se acelerou mais com aquela notícia. Lys praguejou ruidosa e começou a conjurar feitiços, se sentindo mais fraca a cada uma. Os nativos cercaram a árvore, começando sua dança de caça e conquista. Podiam sentir os primeiros tentando subir e caindo ruidosos ao atingirem a área dos feitiços de Lissa. Era uma situação que não poderiam sustentar por muito tempo, pois a própria ilha se alimentava de magia.

— Eu vou afastá-los! — Phay anunciou num rugido, soltando a mão de Kira e se lançando para fora, antes mesmo que qualquer uma das duas pudesse pará-la. E quando saltou, transformou-se no maior animal que conhecia: o urso.

— Phay! — Lissa chamou alarmada, vendo a menina se lançar no vazio verde e começar a arrancar gritos desconexos nos canibais. — fique aqui, Kira.

Antes que a moça pudesse voltar a se mexer, Lissa se jogou no ar e mergulhou até o chão, protegendo a menina e incapacitando os nativos que as ameaçavam com suas armas afiadas. Eram até pequenos, com a pele avermelhada, pintados com tinta rústica e adornados com as mais simples peças que a natureza oferecia. Urravam em sua própria língua, tentando alcançá-las.

Não queria matar ninguém, mas pela situação em que estavam, não teria escolha.

A casa da árvore caiu do alto e dispersou parte dos caçadores. Kira saiu de sabe-se-lá-de-onde e começou a lutar com os nativos, movendo-se sôfrega, mas com garra, conseguiu abater parte do grupo, antes de virar para as duas e gritar:

— Corram! — Ela ordenou e Phay, por mais que doesse, fez Lissa subir em seu dorso peludo para saírem correndo dali, com a visão de Kira cercada.

—-**--

Leo observou Mikhil tentar falar com Kira novamente, enquanto ele próprio buscava o contato com a irmã de criação. Estavam parados num ponto aleatório da mata tropical, tentando pela milésima vez fazer a magia acessar as outras pedras. Conseguia falar com o amigo, tentara quando acordara e foi um alívio momentâneo saber que o médico sobrevivera. Mas as meninas... Por céus, onde elas estavam?! O rapaz fervia em preocupação, pois já procuraram na ilha toda e nada de achá-las, nem mesmo uma pista...

— Nada... — Mikhil praguejou ao guardar cuidadosamente suas pedras. — É como se não estivessem mais neste reino...

— A magia não chega a elas, ou...? — insinuou temeroso, pensando no pior.

— Kira está viva. Lys e Phay também estão. Tenho certeza. — Mikhil cortou-o sério, voltando o olhar para frente. — Tem algo ali.

Leo se colocou em guarda e seguiu sorrateiro pelo lugar que ele indicara. Tomando cuidado, se esgueiraram pelas folhagens e observaram o local com descrença. Era um pequeno píer montado perto de uma formação rochosa, onde uma lancha era preparada por um homem, que carregava um cesto com mantimentos. E não era alguém qualquer, era o capitão do barco em que estavam.

Mikhil não esperou para atacar. Em poucos segundos, quando percebeu a traição do outro, lançou suas linhas sobre o homem e o imobilizou, pouco se importando com os gritos de agonia ou os membros cortados. Aliás, aquilo para ele era um espetáculo.

— Onde estão as meninas? — perguntou calmo, apertando suas linhas ao redor do mutilado. — Diga.

Antes que o capitão pensasse em responder, tentáculos saíram da baía e os atacaram. A esperança brilhou no olhar do homem, mas se surpreendeu quando Leo se adiantou e, apenas com uma passada de suas lâminas, decepou os tentáculos, provocando um som estridente de dor. O monstro se elevou da água e, mostrando seu meio corpo humanoide, atacou novamente.

— Não! — o homem gritou desolado quando Leo transpassou suas adagas no corpo da criatura, matando-a de vez. — mano...

— Responda à pergunta. — Mikhil ordenou sério. — responda se quiser uma morte rápida.

— Na... na outra ilha... — ele gaguejou, engolindo o choro. — na ilha fantasma depois dos redemoinhos... todas as garotas sempre são levadas para lá...

— Por quê? — insistiu, aliviado por ter a mínima chance das três estarem vivas.

— P-porque... É o sacrifício... Os nativos as sacrificam... Ficam com as almas e devoram o corpo...

— Qual sua participação nisso tudo? — a sombra do olho de Mikhil se pronunciou em sua voz. — há quanto tempo faz isso?

— Há uma eternidade... — o outro sussurrou.

— Só tenho a dizer que: seus serviços não são mais necessários.

A voz de Mikhil já estava alterada quando destroçou o homem, jogando os pedaços na água para serem comidos pelas moreias que viviam no fundo. Aquela alma teria algum tempo de tormento antes de se desprender finalmente da dor do corpo físico.

— O que faremos agora? — Leo perguntou temeroso. — como chegaremos à costa ou às meninas?

— Do mesmo jeito que viemos. — ele olhou para o barco. — Vamos achar as meninas na outra ilha, as traremos aqui e sairemos juntos.

— Certo. — concordou com o objetivo geral, imaginando como fariam tal coisa.

— Vamos achá-las. — ele sussurrou, tocando levemente a adaga presa em seu cinto com a mão enluvada. — Zeela, encontre sua dona.

A arma, que nas mãos de sua dona parecia tão grande, brilhou alguns momentos e impregnou as linhas do médico de energia, ressaltando uma em particular, aquela que enlaçava o pulso de Kira.

— Obrigado. — sussurrou para a arma e acenou para o outro, indicando para irem rápido. Estavam do lado errado da ilha.

—[ ]—

Phay parou de correr quando chegaram à água, logo desfazendo a transformação e chutando alguns montes de areia e conchas, descontando sua frustração na paisagem. Lissa estava ajoelhada de frente para o mar, com a cabeça baixa e se sentindo culpada. Pelos calos de Merlin! Por sua culpa Kira e os meninos...

— O que vamos fazer agora, Lys? — Phay se ajoelhou à sua frente e a encarou desesperada. — precisamos fazer algo!

— Não podemos sozinhas, Phay... — ela sussurrou. — sinto muito...

— Mas... A Kira...

— Eu... — ela interrompeu sua fala quando sentiu um resquício de magia chamá-la do mar, do outro lado do perigo aquático. — estão vivos...

— O que?

— Eles estão vivos! — anunciou indo para perto da água. — Leo...

Levantou as mãos para o ar e se concentrou, buscando o contato com seu irmão. Uma barreira mágica a limitou por alguns momentos, mas não foi suficiente para pará-la. Quebrou-a o bastante e atingiu a outra ponta, onde Leo e Mikhil estavam. Uma outra ilha, mais segura. Vivos. Ainda bem...

— Estão em outra ilha... — falou para a menina. — estamos dentro de uma cúpula. Por isso magia externa não nos acessava...

— O que vamos fazer?

— Trazê-los para cá... De alguma forma. — ela convocou um grimório grosso e o pousou no chão, procurando em suas páginas amareladas o feitiço correto, antes que a pequena fenda que abrira fosse fechada. — se eu fizer o feitiço que estou pensando, conseguirei trazê-los para cá em segurança...

— E qual o problema disso?

— É que... podemos não conseguir voltar... — Olhou para a menina com olhos sérios.

— Se é para salvar a Kira... Então não hesite. Ela nunca hesitaria em salvar você. — Phay sorriu e por alguns instantes, Lissa percebeu uma maturidade perturbadora no rosto da menina.

— Às vezes me pergunto quantos anos você tem de verdade. — Lissa riu um momento e se concentrou, começando o encantamento.

O círculo mágico foi traçado ao redor da maga e o fluxo de energia correu por ele em espiral. Lissa conjurou as forças que precisava, entoando alto o cântico do livro, e lançou o feitiço no ar. A espiral de energia passou pela fenda da barreira e se dissipou no ar. Na outra ilha os garotos esperavam por algum contato das outras e se surpreenderam quando o círculo surgiu sob seus pés e os engoliu numa luz brilhante, transportando-os para junto da maga e da menina, reaparecendo com eles sobre a areia molhada da maré.

— Isso foi intenso. — Mikhil comentou e sorriu ao se ajoelhar e abraçar a menina que correra para seus braços. — Onde está Kira?

— Kira... — Lissa começou, observando a expressão dele mudar a cada palavra, assim como o tom do céu. O dia estava acabando.

—[ ]—

A dor a acordou. Kira olhou para os lados enquanto seu corpo protestava pelo despertar precoce. Estava presa numa cabana de barro, com as mãos atadas em cordas espinhosas presas às paredes, onde sulcos escavados eram ocupados por luzes brilhantes. Não estava só ali, mas era a única ainda viva. Observou, horrorizada, as carcaças de cristal jogadas pelos cantos. O pânico a tomou novamente e sua respiração se tornou mais rasa. Seu medo... Aquela era a causa de seu medo...

A entrada foi aberta e o que parecia ser um xamã entrou, fantasiado em roupas cerimoniais feitas de ossos e fibras de plantas. Sua cabeça era coberta por um crânio animal rachado, onde se podia ver sua pintura facial com tintas naturais. Carregava um bastão enrolado por cordames, onde uma ponta brilhava fracamente com um grande cristal vermelho e na outra uma lâmina de osso afiada. Atrás dele, dois guerreiros adentraram o lugar, indo logo para cima dela ao vislumbre do apontar do xamã.

Kira resistiu, tentando se livrar de suas mãos nada gentis e dos grilhões de corda espinhosa que lhe amarravam. Eles a arrastaram pelo chão de terra e a colocaram de joelhos em frente ao xamã, com o rosto virado para cima, sendo segurada com os braços abertos. O pequeno homem a analisou atentamente e logo levantou o cajado, golpeando lhe a testa com a pedra vermelha da ponta. Kira caiu grogue sobre o chão, sem como reagir. Mais uma vez ela foi arrastada pelos guerreiros e seus sentidos confusos revelaram que estava agora do lado de fora, sendo presa com os braços abertos e suspensa em algum tipo de madeira.

Havia uma fogueira grande no centro da aldeia, onde os nativos dançavam ao som dos tambores ritmados. A princesa não via muito mais nada que a cortina rubra de seu sangue escorrendo pelos olhos, mas sabia que faria parte daquele rito infernal. Fechou os olhos e tentou buscar forças para se livrar daquele perigo, mas quanto mais tentava acordar a si mesma, mais sentia suas forças se esvaírem.

O ritual conduzido pelo xamã tinha início com o acelerar dos batuques e cânticos, com as vozes nativas ecoando em meio aos sons e crepitares do fogo e as palavras do xamã entoando o ritual e agitando o pouco do espírito que ainda tinha em seu corpo. Kira olhou para céu ofegante, sentindo o corpo aquecer e brilhar em tons de azul e verde. Estava se perdendo para aquele povo e não sabia se seus amigos estavam a salvo daquela loucura toda.

Se pelo menos eles estivessem a salvo...

Um rugido jovem se fez ouvir em meio à turba cerimonial, e não demorou muito para sangue ser jorrado e gritos de alarde ser ouvidos naquela noite. Kira, embora tonta e fraca, viu em meio ao fogo alto, a dança mortal de linhas prateadas e correntes ensanguentadas. Seus companheiros estavam ali para salvá-la... Não sabia se devia chorar de alívio ou desespero.

Os nativos se mobilizaram para confrontar aquele inimigo, mas ainda podia ver pessoas correndo por suas vidas, embora o grupo não fosse atacar os inocentes. Lissa era protegida por Leo enquanto via Mikhil e Phay correrem para salvar Kira que estava presa a estaca. Um livro grosso e antigo pairava a sua frente, com suas letras antigas brilhando roxas, assim como o circulo mágico em que estava. Os olhos azuis se concentravam em tudo a sua volta, enquanto seus lábios recitavam o ritual pesado que conduzia.

Foi quando ela viu o xamã.

Os olhos negros, emoldurados pela carcaça em sua cabeça, a encararam em meio a turba, ignorando a aproximação da menina e do médico. Eram olhos de quem sabia o que fazia — e o que ela estava fazendo — quando levantou a ponta de osso da lâmina e a atirou em direção ao peito de Kira. Lissa não teve outra reação se não levantar as mãos do livro, interrompendo o cântico, e gritar alto para aquilo parar. No mesmo momento, uma forte onda saiu de si e varreu o lugar, paralisando a cena num perturbador quadro de morte e sangue.

Lissa olhava aquilo horrorizada, registrando na mente cada ação interrompida, cada morte em andamento, cada gota de sangue por cair... Nunca mais queria ver algo assim de novo... nunca mais.

Ela virou o rosto para a lança que estava parada no ar, tocando o lado cardíaco da prima e congelou, sentindo o sangue sair de seu rosto. Precisava terminar o feitiço antes o mais rápido possível, mas precisava de um sacrifício grande o bastante para ativar a magia. E ele estava ali mesmo... Não teria outra chance... Tomando ar nos pulmões, retomou o feitiço e o completou.

—**—

— Então, o que acham? O preço é bom, dadas as condições atuais. — a voz do barqueiro a tirou de seus devaneios. Lissa olhou assustada para o irmão, constatando que ele estava bem, e avistou Mikhil vir ao encontro do grupo com uma Phay saltitante.

O homem olhou confuso para o rapaz, que deu de ombros, e tocou os da moça que tremia. O barqueiro repetiu a proposta, mais perto do médico e da menina, tentando ser mais convincente, e Lissa finalmente recobrou a sanidade.

— Não... Não vamos... Obrigada pela proposta, mas... Não. — sem dizer mais nada, ela saiu correndo de volta para a casa na praia, sendo seguida pelos outros.

— Rany! Espera! — Leo chamava ao ir atrás dela, se desesperando quando viu a garota, antes bem e saudável, diminuir a velocidade e cair desfalecida sobre os ladrilhos de pedra da orla, parecendo não respirar. — Rany!

— Me dê espaço, D. — Mikhil pediu ao se ajoelhar ao lado dela, a virando e testando seus sinais vitais, constatando sua palidez e a falta de reação. Com um temor, começou a massagem cardíaca na moça, não entendendo como chegara naquele ponto. — D, faça respiração! Anda!

— Vamos, Rany, reaja! — Leo pedia quando se separava dela, dando espaços entre uma e outra de acordo com a orientação do médico.


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Notas finais do capítulo

Oi, Gente! Perdão o longo hiato, acho que foram uns dois anos, não é mesmo? Me desculpem. Aconteceram muitas coisas que me afastaram da escrita. Predão de novo. Vou me empenhar mais para compensar esse tempo todo, prometo. Espero que tenham gostado do capítulo!



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