— Então, o que acham? O preço é bom, dadas as condições atuais. — a voz do barqueiro a tirou de seus devaneios. Lissa olhou assustada para o irmão, constatando que ele estava bem, e avistou Mikhil vir ao encontro do grupo com uma Phay saltitante.

O homem olhou confuso para o rapaz, que deu de ombros, e tocou os da moça que tremia. O barqueiro repetiu a proposta, mais perto do médico e da menina, tentando ser mais convincente, e Lissa finalmente recobrou a sanidade.

— Não… Não vamos… Obrigada pela proposta, mas… Não. — sem dizer mais nada, ela saiu correndo de volta para a casa na praia, sendo seguida pelos outros.

— Rany! Espera! — Leo chamava ao ir atrás dela, se desesperando quando viu a garota, antes bem e saudável, diminuir a velocidade e cair desfalecida sobre os ladrilhos de pedra da orla, parecendo não respirar. — Rany!

— Me dê espaço, D. — Mikhil pediu ao se ajoelhar ao lado dela, a virando e testando seus sinais vitais, constatando sua palidez e a falta de reação. Com um temor, começou a massagem cardíaca na moça, não entendendo como chegara naquele ponto. — D, faça respiração! Anda!

— Vamos, Rany, reaja! — Leo pedia quando se separava dela, dando espaços entre uma e outra de acordo com a orientação do médico.

—**—

Kira estava atônita com a cena que presenciou ao chegar na casa, após Phay a chamar na praia. Tinha sentido algo estranho ao falar com as sereias, inclusive, elas pareceram bem confusas e agitadas para quem era um ser fluído. Nunca ia imaginar que, ao atravessar a porta com a fadinha, ia se deparar com Mikki tentando manter Lissa viva.

— Mas… Nenhuma ideia do que houve? — perguntou perdida, vendo Mikhil se empenhar em deixar a moça viva. — isso… Não pode acontecer do nada!

— Não… Ela estava bem num minuto e no seguinte… — Leo engoliu em seco, olhando a prima. — Ela estava planejando ver os corais conosco… Estava negociando, animada, com um pescador local que ofereceu o serviço…

— Espera… Barco... Nessa época do ano? Não… Não! Não é possível! Essas águas são extremamente perigosas nessa época do ano! Todos os marinheiros sabem disso!

— Quão perigosas? — o médico perguntou sem vacilar em seu trabalho.

— As… Sereias disseram que nesses três dias surge uma ilha fantasma... Onde canibais devoradores de almas moram… ninguém volta do mar quando se aventura… — ela parou e olhou para a ruiva em coma, logo voltando o olhar para o primo. — Leo… conte exatamente o que aconteceu com ela.

— Estávamos na orla, esperando Mikhil e Phay… Conversando sobre navegar quando ele chegou… No começo ela se animou e queria mesmo ir… Mas ao ver a Phay voltando… Ela perdeu a cor e começou a agir estranho e dispensou o cara, logo saindo correndo… Até desmaiar…

— Kira… Quais os efeitos… De um feitiço do tempo? — Mikhil perguntou sério.

— É uma prática proibida… Só a Destino poderia fazer… Mas só uma vez… — olhou para a prima e prensou os lábios. — se… Ela fez o feitiço que eu acho que ela fez… E se… ela ficou presa na ilha-fantasma…

— Isso... Explicaria muito… — Mikhil balbuciou entendido, ficando ainda mais tenso e preocupado. — eu... não sei como ajudar nesse caso...

— Mas… Não tem como fazer algo? Nada mesmo? — Leo perguntou alarmado.

— Eu farei meu melhor. Prometo para vocês. — Mikki prometeu sério, logo voltando sua atenção para a ruiva e a envolvendo em uma vita spherum. — precisamos voltar para a outa casa... Não vou conseguir trabalhar aqui...

— Phay... Por favor... Ajude a arrumar nossas coisas... E Leo... Me mostre o Homem.

—-**--

Leopold nunca tinha visto a prima tão assustadora antes. Se surpreendeu quando ela o chamou, com aquele semblante sério, para procurarem o homem e, pior ainda, quando ela abordou o pescador e não perdeu tempo em começar a tortura. Precisou desviar o olhar daquela loucura, principalmente quando ele se recusou ao primeiro momento. Mas sua raiva se apresentou quando ele começou a falar. A própria raiva do guerreiro se revelando... E a vontade de matá-lo se pronunciou.

— Onde fica a ilha? — Kira esbravejou já em seu limite. — onde é? FALE!

— Eu... Não sei... Ela... Mesma captura as vítimas... Eu só as levo aos redemoinhos...

— Então sua participação acaba aqui. — Leo se adiantou e puxou sua garra mais mortífera, a arremessando em direção ao homem e destruindo seu peito.

Kira viu o primo sucumbir à raiva e depois cair de joelhos, desolado e ofegante. Se ajoelhou ao lado dele e o abraçou, enterrando o rosto em seu ombro,  tão desamparada quanto ele.

— Kira... O que faremos? — perguntou ofegante, um pouco desesperado ao retribuir o abraço.

Ela o abraçou mais forte, tentando não desabar ali com ele. Era a primeira vez que não sabia o que fazer, pois nada daquilo estava nos planos originais. A partir dali, tudo podia ser diferente.

— Eu... Vou dar um jeito... Juro para você... Que vou dar um jeito…

—-**--

Erischen estava montando o novo acampamento quando sentiu aquela energia densa e detestável rondar os limites de suas áreas conquistadas. Aquela anomalia repulsiva estava o desafiando e aquilo o irritava. Pegou sua espada e seguiu para a fronteira de sua conquista e aguardou a beira do lago da região, já esperando o duelo final.

— Vai se esconder por quanto tempo, Aberração? — perguntou desdenhoso, sacando sua espada.

O silêncio foi cortado pelo sussurro do vento.

— Como se eu fosse baixar guarda com você! — ele apertou o cabo da espada, prensando os lábios. — como assim? O que tem ela?

O vento soprou novamente, parecendo melancólico e desesperado, arrancando um arregalar dos olhos gelados do elfo.

— Isso... Não... é possível... Como você deixou isso acontecer? O que... Aquele feitiço?? Sua IMBECIL! Como ousa ensinar esse feitiço pra ela?? .... Não tem desculpa!

Ele firmou a espada na mão e grunhiu possesso, andando de um lado a outro, dando vazão a sua raiva, o que durou longos minutos.

— Ok... — ele respondeu ao respirou fundo, segurando o peito pesado. — eu acho que sei o aonde quer chegar... O que? Isso não é inteligente da sua parte... Se é assim... O que você pretende?

Mais alguns momentos de silêncio, entretanto, o riso do dominador ecoou pelo ar.

— Está louca? Eu já estou ganhando! Matei milhares delas! O que te faz pensar que eu, a essa altura, mudaria meus planos?

O vento soprou mais forte, fazendo-o se reter em pensamentos. Realmente… mesmo que estivesse ganhando, o tempo estava acabando, e não só para Lysvrill, mas para toda aquela operação.

— Muito bem… Eu aceito a proposta.

—-**--

Lissa se sentia estranha, envolta de toda aquela luz cegante e calorosa. Na verdade, não tinha certeza se era luz mesmo, só achava isso por causa da claridade intensa que chegava às suas pálpebras fechadas. Ela tinha a impressão de estar sobre uma grama macia, em algum lugar pacífico perto da água. Como ela foi parar ali? Não tinha ideia.

— Lys… Lys, acorde… Por favor… Você precisa acordar… — aquela voz calma e preocupada a chamava delicadamente, seguido de afagos em seu rosto. — Por favor…

Ela abriu os olhos devagar, se acostumando com a claridade, encarando os olhos tristes e gelidamente brilhantes do Elfo conquistador.

— Erischen…? — ela balbuciou o olhando confusa, tentando se mover.

— Não se mexa, querida. Ainda não está forte para isso. — sorriu afagando levemente seu cabelo. — minha linda flor… você foi muito corajosa, embora esteja orgulhoso… foi muito idiota o que fez! Tem ideia do perigo? Nunca mais repita isso! Nunca! Posso não ser capaz de ajudar na próxima vez…

— Próxima? — ela fechou os olhos, tentando se lembrar. — A… a ilha…

— Destruída e todas as almas libertadas no processo. Não se preocupe com isso mais.

— Tem… certeza? — sussurrou o olhando cansada. — tem… certeza de que ninguém mais… vai sofrer?

Ele sorriu, afagando seu rosto de forma amorosa.

— Gentil e amorosa como sempre… Ainda bem que não perdeu esse lindo lado…

— Você… sempre fala coisas como que… parece que me conhece há… anos…

— Ou décadas… Eu já lhe disse: conheço-a há mais tempo que imagina… — ele sorriu, passando o nó do dedo levemente em sua testa, afastando um pouco a franja avermelhada . — e não sabe o quão feliz eu fico ao saber que é a mesma Lys que conheci…

— Mas… eu não sou ela… — sussurrou cansada, quase esgotada pela conversa. — não… posso ser…

O elfo ficou em silêncio por alguns minutos e suspirou concordando. Realmente… apesar de a essência ser a mesma… não tinha como aquela menina em seus braços ser sua tão amada Lysvrill, aquela que foi brutalmente arrancada do seu lado. Com um pesaroso suspiro, pousou a mão sobre os olhos dela, os fechando delicadamente.

— Nos veremos em breve, minha doce brisa do mar… Até lá… descanse…

Lissa sentiu os olhos pesados com aquele gesto dele, os fechando ao passo que a caridade ia esmaecendo. Ela sentiu o corpo pesar mais ainda e ser sugada para baixo, como se uma forte gravidade sugasse a moça para algum lugar doloroso e frio. Quando menos esperava, uma voz a trouxe de volta, fazendo seus olhos doerem ao se abrirem e encararem o teto de seu quarto.

— Lys… — a voz aliviada de seu irmão soou ao seu lado, enquanto sua mão envolvia a dela. — bem… Vinda de volta, maninha…

— Leo… — sussurrou fraca e sorriu, apertando a mão dele. — estou… de volta…

Ficaram ali por um tempo, os dois sozinhos, aproveitando em silêncio a presença um do outro, até a entrada de Phay, que ficou tão feliz por ver a ruiva bem, que correu pela casa para avisar o médico e a princesa. Mikhil chegou apressado ao quarto, portando seus equipamentos, e sorriu ao vê-la realmente acordada, logo se sentando ao lado e começando com os exames.

Kira parou à porta e sorriu aliviada, vendo todos juntos e se ajudando de um jeito ou de outro… a prima olhar confusa, sem saber direito como reagir a tanta atenção… O primo a cuidando e atrapalhando um pouco o médico com tanta preocupação… E Phay, rodando os três, esperando ter permissão para abraçar a ruiva. Era uma boa visão… E faria de tudo para que permanecesse assim…

Mesmo que não pudesse vê-la.