Bitolar escrita por Morango do Nordeste


Capítulo 5
Capítulo 5 - Hospital, ciúmes e desconfiança.


Notas iniciais do capítulo

A partir desse capítulo a investigação do crime começa a se desenrolar mais rapidamente. Prestem atenção nos detalhes porque cada pista é essencial. Boa leitura =)



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Capítulo 5 - Hospital, ciúmes e desconfiança.

– Finalmente, mocinha. Vamos tirar esse gesso.

Ayla poderia gritar de tanta felicidade quando o médico pegou a serrinha e começou a cortar o gesso.

– Achei que foi meio rápido esse período com o gesso.

Com um sorriso meio lunático, Ayla disse:

– Mas é claro que não, irmão.

Fingiam que ela era irmã do Conrado naquela cidade, que ficava à meia hora de distância e nada poderia ser mais constrangedor para Ayla que uma irmã gorda com um irmão gato. Conrado poderia ter rido. Aquela peruca loira não ficava nada bem na garota.

– Só disse isso, irmãzona, porque quando quebrei meu braço, foi um mês com o gesso. Você ficou só quinze dias.

Houve uma ênfase desnecessária no irmãzona, mas Ayla entendeu. Ela também tinha rido das ridículas roupas de gorda estufadas com enchimentos que usou no caminho. O disfarce era tão exagerado que ela tinha certeza de que alguém prestaria atenção nela e a reconheceria. Mas Hamilton tinha explicado algo sobre a mente não processar corretamente coisas muito excêntricas. Daí vinha o conjunto laranja de flores azuis.

Ayla sentia sua pele sufocando por baixo de toda maquiagem que usava numa tentativa de esconder seus traços e sua cicatriz. Mal podia esperar para tirar a peruca tenebrosa da sua cabeça. O dia dela só estava sendo válido por tirar o incômodo gesso.

– Ela só ficou quinze dias, menino, porque não teve fratura. O osso apenas saiu do local. Doí como uma fratura mas o período de imobilização é menor. Vai ter que usar uma botinha ortopédica e fazer fisioterapia duas vezes por semana mas vai poder voltar a sua vida normal daqui a uns três meses.

O médico já tinha passado dos seus sessenta anos e parecia olhar tudo alegre demais. Conrado lembrou-se de dr. House e seu vício em Vicodin. Mas preferiu não falar nada. Ele estava tomando conta de Ayla como favor para o pai e não ia deixar nada dar errado, mesmo sabendo que havia um policial à paisana para qualquer emergência.

– Vou ligar pro pai e avisar.

Conrado saiu do consultório e rapidamente discou o número que atendeu ao primeiro toque:

– Algum problema, filho?

– Não, pai. Só que ela vai ter que fazer fisioterapia duas vezes na semana.

– Ah... Você pode levar ela quais dias?

– Segunda e quinta.

– Tenta marcar pra esses dias. Se não tiver como, marca pros dias que der e eu resolvo depois.

– Ok, pai. Tchau.

– Tchau.

Conrado desligou e foi até a secretária, onde sem esforço nenhum conseguiu marcar as sessões dos próximos três meses de fisioterapia. A secretária era loura e tinha unhas rosa-choque e sorria de um jeito que o deixava meio desconsertado. Mas ele sorriu de volta também e virou-se para ir embora. Inesperadamente Conrado percebeu que tinha trombado com alguém.

– Qual foi, cara?

– Você.

Isaac estava ali. Fora da cidade e em um hospital. Conrado teve vontade de socá-lo só por estar onde não devia mais uma vez.

– Ou sai da minha frente ou me dá um beijo.

– O quê? Ficou maluco?

– Só sai da minha frente, estou com pressa.

– O que você veio fazer aqui?

– Não é da sua conta. E caso não se lembre você arrebentou minha cara e desde então não sou mais seu amigo.

Conrado poderia ter entrado em pânico com a situação em que se encontrava. Ayla poderia sair a qualquer momento do consultório que ficava a duas portas de distância. E se houvesse alguém capaz de reconhecê-la mesmo com enchimentos e perucas era o principal suspeito do crime.

– Sobre isso, não gostaria de conversar? Não quer ir lá fora e...

– Eu tentei, dois anos atrás. Agora sai pra lá que isso tudo tá estranho demais.

Isaac se retirou apressadamente sem olhar para trás e Conrado sentiu um alívio enorme. Mas o alívio durou pouco quando percebeu que ele tinha agido do pior jeito possível. Ele prendeu o suspeito no mesmo ambiente que a vítima. O garoto bateu na própria testa e pensou em como tinha escolhido certo ao optar por trabalhar com números e não pessoas.

– Conrado?

– Já terminaram?

– Sim. Conseguiu marcar a fisioterapia?

– Tudo certo. Já consegue andar sem a muleta?

– Não. O médico pediu para não forçar até ver o fisioterapeuta.

– Então senta aí, que vou ver um negócio rapidinho e já volto.

Conrado pôde ouvir ao longe os chamados de Ayla, mas não parou até chegar na secretária estranhamente simpática.

– Eh... Oi Gisele... Sabe, eu percebi que você é muito simpática e eu queria te perguntar uma coisa meio indiscreta...

– Pode perguntar, gatinho.

– Então... Sabe um rapaz moreno, mal encarado, de olhos claros que passou por aqui agora?

Gisele estava visivelmente desapontada e incrédula.

– Ah não! Não acredito! Mais um gay! Isso é um desperdício, sabia?

– Não, é claro que não! Ele é ex-namorado de uma amiga minha... Só queria saber se ele está com algum familiar doente pra contar pra ela.

– Olha, eu não posso ficar espalhando essas informações não, garoto...

– Eu sei... Mas sabe... Eu te achei tão simpática... Eu sei que vai me contar...

Usava um tom persuasivo e encarava fixamente Gisele ao ponto de perceber leves sardas por baixo da maquiagem.

– Ele não tá com nenhum familiar doente não. Ele está fazendo serviço comunitário, sabe? Vestindo de palhaço para animar as crianças internadas. É parte da pena dele por causa de alguma briga...

– Ah sim, Gi.

Ele deu um sorriso imenso e beijou de leve a fronte da mulher, que não deveria ser mais velha do que ele três anos. Era uma mulher bonita e consciente disso.

– Agora me dê seu telefone, gatinho. Você me deve um café.

Conrado quase riu de sua sorte. Mas pelo canto do olho viu uma roupa laranja de flores azuis. E pior que isso, uma mulher muito irritada que era sua responsabilidade.
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– Chefe, me ligaram falando que o notebook fica pronto hoje. O Zé falou que tivemos uma sorte desgraçada, as senhas de todas as redes sociais estão salvas.

– Ótimo.

Hamilton mal podia acreditar na sorte que estava tendo. Finalmente pistas mais concretas apareceriam. Pessoas sempre falam demais na internet. Resolveu tomar um café, e assim que colocava sua única colherinha de açúcar, seu assistente entrou furiosamente animado:

– Chefe, acharam o corpo de Ônix Dumont.

O café ficou lá, adoçado e pronto para consumo até que se esfriou e a faxineira jogou fora reclamando do desperdício. Enquanto isso, Hamilton corria em direção ao mais novo caso extraordinário que a cidade veria.

Quando encontrou o corpo esfaqueado e nu na cama do chalé cinco, Hamilton sentiu vontade de vomitar. O cheiro desagradável incendiava o outrora refinado ambiente. Ele mesmo havia passado sua lua de mel no chalé três, que ficava próximo dali.

– No mínimo à duas semanas morto.

– E como ninguém descobriu isso antes?

– Você pode perguntar ao zelador.

Hamilton observou o homem de quase sessenta anos nervoso esperando no lado de fora. Com certeza a chocante cena do cadáver de olhos muito azuis abertos, com sangue seco e marrom cobrindo desde a cabeça até as partes íntimas não era uma cena das melhores.

– Bom dia... Senhor?

– Meu nome é Alfredo. Bom dia senhor policial.

– O meu nome é Hamilton. Se importa de responder algumas perguntas agora, ou prefere falar na delegacia?

– Deus me livre, quero acabar com isso logo!

– Tudo bem, então. O senhor pode me explicar a situação e como encontrou o corpo?

– O menino chegou aqui tem quatro semanas em um carrão. Pediu para não ser incomodado e pagou por um mês. Durante as duas primeiras semanas eu o vi saindo e voltando com uma mulher, bonita demais. Mas ele insistia na descrição e dispensava a arrumadeira quando estava lá. E quando pedia serviço de quarto com a mulher lá, ele não deixava o garçom entrar.

Hamilton sentia que sua mente estava totalmente ligada às palavras do homem. Ônix estava muito estranho. E essa mulher... Alguma coisa o incomodava a respeito disso.

– Todos os funcionários estavam comentado que ali era um caso, por causa da descrição e tudo. A menina até evitava mostrar o rosto quando vinha, usava sempre uns óculos enormes. Vimos os dois entrarem juntos pela última vez tem duas semanas, no dia treze, pediram pene ao molho branco com vinho para o jantar e não saíram mais.

– Agora, me diga, nenhum funcionário da limpeza foi lá esse tempo todo?

– As arrumadeiras não tem passado por lá já que ele avisou que só era para realizar a limpeza nos momentos em que estivesse fora. Achei estranho ele não pedir mais nenhum serviço de quarto, mas aqui presamos a escolha dos clientes na descrição. Já vimos muitos amantes utilizarem nossos chalés como refúgio romântico. Mas o contrato dele vencia amanhã, então vim para acertar a situação. O carro estava na garagem mas ninguém atendia. Então tomei a decisão de abrir a porta com a chave mestra e encontrei o coitado naquela situação.

– Obrigado senhor Alfredo, vocês tem algum sistema de segurança aqui? Algo que possa ter captado essa mulher?

– Temos um sistema de segurança, mas é monitorado por uma empresa. Vou dar o telefone para o senhor.

– Ótimo. O senhor terá de passar na delegacia amanhã para assinar seu depoimento.

Num impulso, Hamilton puxou seu celular e com alguns toques disse:

– Alfredo... Por um acaso, essa não seria a tal mulher?

Alfredo se inclinou e apertando os olhos desgastados pela idade, disse:

– Mas... Como? Como adivinhou?

Ela quase podia sentir o gosto daquela carne maravilhosa na boca. Flora estaria tentando igualmente um leão e ela somente com o cheiro que impregnava a cozinha.

– No que posso ajudar?

– Em nada querida. Estou adiantada.

– Eu insisto. Quer que eu pique alguma coisa.

– Se quiser pode picar os tomates.

Rapidamente a menina se ajeitou com uma tábua e faca e começou a picar cubinhos de tomate.

– Obrigada pela ajuda, querida.

– Fico feliz de finalmente poder ajudar em alguma coisa. Ficar só na cama estava me dando depressão.

– Sei como é. Sempre que estou triste procuro algo para fazer e me distrair. Certos problemas nos obrigam a esperar.

– Como o meu caso.

– Exatamente.

– E você e Conrado? Estão se dando melhor?

– Sim.

Ayla sorriu firmemente, mas internamente lembrou-se da viagem de volta que fez em total silêncio depois de um diálogo nada amigável. Ela tentava convencer-se de que não eram ciúmes a causa de sua raiva, mas à medida que o tempo decorria, ficava cada vez mais difícil negar para si própria. Ciúmes não eram justificáveis no relacionamento dos dois, mas fazê-la esperar num corredor cheio de gente tossindo esquisito para dar em cima da secretária, menos ainda.

– Ayla?

A menina acabou por cortar seu dedo com a faca, no susto de ser chamada.

– Sim, padrinho?

– Vá se preparando. Você pode ser suspeita do assassinato de Ônix Dumont.

Ayla viu seu sangue manchando a tábua branca lentamente. A mesma ouviu uma vasilha ser derrubada por Flora.

– Mas como? Por quê?

– Encontramos o corpo dele nos Chalés. Ele foi assassinado à facadas. Seu celular estava lá, e tudo indica que vocês estavam juntos. O zelador a reconheceu como companhia constante.

Ayla sentia-se em um palco com todos a observando e esperando uma reação dela.

– Eu não posso ter feito isso.

– Encontramos uma pegada também. Se não for do próprio Ônix, teremos outra pista.

– Tudo bem... Eu vou deitar um pouco agora.

Flora apressadamente pediu:

– Espere o jantar, querida.

– Obrigada, mas eu perdi a fome.

– Você não deveria ter falado isso com a menina agora.

– Eu não podia esconder isso dela...

Ayla já nem escutava a discussão que se instalara. Em algum lugar no âmago de sua confusão a culpa por desestabilizar uma família tão unida lançou suas sombras. Mas o ponto mais excruciante era olhar a pequena quantidade de sangue em sua mão e imaginá-la toda coberta pelo sangue de outra pessoa. Será que a pessoa que ela era poderia ser tão sem limites ao ponto de matar alguém?

– Agora eu entendo.

– O que foi Conrado?

– Como você conseguia enganar quatro homens ao mesmo tempo. Você vem com esse seu jeitinho, conquistando seu espaço até dominar tudo.

– Eu estou esgotada. Você pode ficar me acusando depois.

– O que você fez com o Ônix? Foi doentio. Eu vi as fotos. Eu estudei com ele. Ele era irmão da sua melhor amiga. Como você teve coragem?

Ayla lentamente escorregou pela parede e se viu no chão, com as pernas cruzadas em frente ao tronco. Era uma tentativa de se proteger de acusações tão afiadas quanto sua própria consciência.

– Eu não consigo acreditar que fiz algo assim.

– Eu consigo. Você não tem sentimentos. É uma psicopata.

– Para. Por favor.

– O Ônix também deve ter te suplicado não? Quando você enfiou uma faca de cozinha nele.

– Para, Conrado.

Ela já se debulhava em lágrimas e soluçava. Seria uma cena cômica se não fosse a seriedade do assunto.

– Torça para que não provem que foi você. Por que se foi, eu vou saber que essa historinha de amnésia era pra acobertar essa merda toda.

Ayla estava aos frangalhos com tantas palavras duras. Conrado era ódio puro. Parecia estranho ver quem sempre tinha controlado as situações tão abaixo de quem sempre se esquivou. Era o destino e suas ironias.

– Eu não vou deixar minha família te proteger se você for culpada. E vou ser o primeiro a entregar sua cabeça em uma bandeja de prata.

Ele se retirou do quarto, que já tinha sido seu, batendo a porta com força. Entretanto, sua presença acusadora permaneceu até muito tempo depois com Ayla.

Trecho do Próximo Capítulo:

Ayla suspirou novamente e encostou sua cabeça no ombro de Conrado. Ela parecia frágil. De algum jeito, Conrado achava-a muito sexy naquele momento. Tinha haver com o fato dela não estar tentando ser sensual, como era o costume. Aquilo o atraía e baixava sua guarda. A mão levemente calejada do mesmo, como que por vontade própria se enroscou nos cabelos castanhos.

A mesma mão, aos poucos, deslizava e tocava o pescoço arrepiando a menina. Tocando e acariciando de leve as orelhas pequenas de um jeito que estava além do carinhoso. Ayla poderia ronronar, como um gato, ou poderia atacá-lo como uma onça.

Pareceu natural, até mesmo instintivo, que ela se virasse e o beijasse com uma urgência sôfrega e intensa. Nada era pensando ou planejado em tal momento, mas os corpos se colaram e foram se inclinando até que Ayla estivesse deitada por cima dele beijando-o o pescoço com vontade e ele a segurasse com força.


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Notas finais do capítulo

Eu realmente espero que ninguém descubra o assassino antes do planejado. kkkkkk
Estou tão animada com o desenrolar da história, sinto que está se desenvolvendo além do que eu tinha planejado. Fiquei muito feliz com cada comentário que recebo e com as pessoas que me dizem estar lendo mesmo com as adversidades da vida.
Espero não ter matado do coração quem shippa Ayla e Conrado com esse trecho do próximo capítulo. kkkkkk
Beijinhos e até semana que vem.



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