Bitolar escrita por Morango do Nordeste
Notas iniciais do capítulo
Embora eu não ache esse meu melhor capítulo, é muito necessário no desenrolar da história. Espero não estar enchendo de personagens novos. Espero que gostem e boa leitura =D
Capítulo 4 - Onde está a pedra preciosa?
Já era o segundo dia de coleta de depoimentos. E Hamilton acreditava que as coisas se tornariam ainda mais interessantes com as duas novas “conversas” que teria. O primeiro que seria interrogado já entrava na pequena sala de luz amarelada.
– Boa tarde, investigador Hamilton.
– Boa tarde, Enzo.
Hamilton reparou bem no rapaz, em cada centímetro do corpo magro e esguio. Ele tinha manchas de tinta pelos braços. Os cabelos eram bem curtos, passados a máquina, o que acabou sendo uma surpresa para o investigador, que esperava um hippie completo. Ele se vestia com simplicidade, e sua blusa azul tinha pequenos furos que remontavam a desgaste.
– Sabe por que foi chamado, não?
–Sim. Ayla
Enzo tinha olhos azuis muito bonitos, mas que remontavam uma melancolia tocante. Mas Hamilton jamais deixaria levar-se por aparências. Tal melancolia poderia derivar da culpa de um homicídio.
– E então? Como você a conheceu?
– Em uma feira de arte organizada pela prefeitura. Eu estava expondo algumas pinturas quando ela entrou no meu estande e eu percebi que tinha encontrado minha musa.
– Musa? Meio exagerado, não?
– Ora, senhor, todo artista tem uma bela alma que o inspire. Algo que acrescente magia e sentimento a suas obras.
– Entendi. Conte-me mais sobre o relacionamento de vocês.
– Eu conversei com ela e pedi para pintá-la. Ela ficou meio relutante, mas acabou pegando meu telefone. A partir daí nos tornamos amigos. Depois, amantes.
– E você aceitava bem ela ter outro namorado?
– Sou uma mente livre, senhor. Eu também tenho meus envolvimentos... Mas apenas ela era minha musa.
– Soube que o senhor é usuário de drogas. Como isso afeta sua vida?
Enzo revirou os olhos claros e por um momento pareceu que iria rir. Entretanto, tal impressão foi ligeira, e a melancolia voltou a dominar seu semblante.
– Aposto que aquele urubu motociclista lhe contou isso.
– Urubu?
– Isaac. Ele encontrou pílulas brancas na minha casa e desde então anda me difamando por aí.
– E essas pílulas?
– Tenho depressão crônica. Tomo três remédios diferentes prescritos por um psiquiatra.
– Tudo bem, garoto. Você se importaria de fazer um exame toxicológico?
– De maneira nenhuma. Nenhuma substância ilícita será encontrada. Meu apartamento está à disposição, também.
– Ótimo. Quero os contatos de sua psiquiatra também.
–Bom, já que me acusaram, sinto-me no direito de acusar também.
– Você tem algum suspeito?
– Mas é claro. Isaac.
– E por que pensa isso?
Enzo ficou de costas para Hamilton e mostrou uma longa e fina cicatriz rosada que se estendia por toda a cabeça do garoto. O detetive sentiu seu estômago revirar. Lembrava-o claramente do longo corte na face de Ayla e a quantidade de sangue que precisaram para salvá-la.
– Por causa disso, senhor. Cortesia de um homem das cavernas.
– Como isso aconteceu?
– Eu estava pintando Ayla. Uma versão seminua da mesma, inspirada no renascentismo. De alguma forma ele entrou no prédio, subiu até meu andar e quebrou o cavalete na minha cabeça. Eu nem vi como aconteceu. Acordei no outro dia no hospital, sem cabelo e com esse lindo presente, além é claro de dezenas de manchas roxas. A polícia foi chamada, mas Ayla me pediu tanto para não prestar queixa que acabei deixando para lá.
– E os senhores se viram depois disso?
– Não. Acredito que Ayla tenha pedido a ele que se mantivesse longe. Eu não relevaria outra vez.
– Quando foi a última vez que você e Ayla se viram?
– Três dias antes dela morrer. Estava muito estressada e me pediu para descansar um pouco em minha casa. Tivemos uma tarde linda juntos.
– Tem algo mais a acrescentar?
– Não, senhor.
– Pode ir, então.
Enzo saiu da sala e Hamilton tomou dois comprimidos para dor de cabeça em um gole de água. O dia de hoje estava matando-o. Ele pediu cinco minutos de pausa para o assistente e se retirou para fumar um cigarro. Ele sabia que Flora não ia gostar nada daquilo, mas o dia estava sendo infernal. Ele aproveitou para ir no banheiro e lavar o rosto. Finalmente podia sentir-se pronto para a que seria a mais tensa entrevista. Uma coisa era falar com moleques de vinte anos. Outra bem diferente com um homem de quarenta que por qualquer motivo poderia processá-los por assédio e difamação. E o assunto ali seria tenso.
– Boa tarde, senhor Murilo Dias.
– Boa tarde.
– O senhor foi intimado para prestar esclarecimentos sobre Ayla Dornelles.
– Uma aluna muito querida. Uma verdadeira tragédia. Com certeza teria um futuro brilhante.
– Não o chamamos aqui para esse tipo de conversa.
– Não estou entendo.
Mentalmente, Hamilton contou até dez. Mais uma vez as coisas iriam pelo caminho mais difícil. Mas mesmo que fossem, ele estaria firme segurando o rojão.
– Sabemos que vocês tiveram um caso.
Murilo pareceu petrificado por alguns momentos, e lentamente a expressão de espanto passou para pensativa.
– Terminamos a quase um ano. Foi escondido por escolha da própria, e como foi escolha dela, tentei preservar nossa relação, mesmo que findada.
– Ou seria um medo de uma acusação de homicídio?
– Sou professor. Tivemos um relacionamento breve e intenso. Ela era muito bonita. Agora, eu matá-la? Não jogaria minha vida no lixo por ninguém.
– Onde o senhor estava na noite de quarta-feira passada?
– Em casa, vendo o jogo com dois amigos.
– Vou querer falar com eles.
– Tudo bem.
– O senhor está liberado.
Hamilton se levantou e disse olhando firme para o homem:
– Você pode até escapar de uma acusação de homicídio, mas de abuso e coerção de menores? Não mesmo.
Murilo estreitou os olhos, e parecia pronto para atacá-lo, assim como uma jiboia apontaria seu bote. Entretanto, a voz da razão pareceu ter lhe tocado, porque disse:
– O senhor deveria investigar mais a vida dela. Saberia muito bem que ela não é o tipo de menor que é abusada por um professor e depois assassinada. Ela é esperta e maldosa demais para algo assim. Deveria ver o namoradinho dela. Aquele que anda de moto. Já me ameaçou umas três vezes, inclusive na escola.
Poderia ter sido um tapa no rosto de Hamilton, que a indignação seria a mesma.
– Se o senhor estiver preocupado, faça um boletim de ocorrência.
– Lógico que não. Lido com encrenqueiros como aquele todos os dias. Sei lidar com essas situações. Já a Ayla...
– O que quer dizer com isso? Fale abertamente.
– Já o vi sacudindo-a e depois a empurrando ao chão com muita raiva e força. Em um acesso desses, pode ter acontecido o pior.
– Obrigado pela colaboração.
Quando Murilo saiu da sala, Hamilton mais jogou-se em sua cadeira do que sentou. Foi um momento angustiante. Ele pediu licença pro assistente, e chorou. Foi uma atitude que para si, representava mais sufocamento que libertação. As terras que estava explorando eram traiçoeiras, cheia de armadilhas e ele era um pobre coitado tateando em busca de algo que pudesse agarrar.
Hamilton chorava, e demonstrava sua maior culpa: não ter tomado o lugar de Bernardo depois de sua morte. Ele sempre prometia a si próprio que buscaria mais a afilhada, mas conforme o tempo passava, e ela crescia, mais ocupado ele estava, até que em algum momento, passaram a ver-se somente em festividades e reuniões familiares, onde de algum jeito ela escapava antes que todos pudessem se dar conta. Como o bebê que ele pegou no colo, podia ter se transformado em uma menina que tinha um caso com o professor? Como ele não viu o caminho que ela trilhava?
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– E agora, Hamilton, esses gorilas já podem ir embora?
– Só mais um pouco, Jamille. Não quero ter que voltar aqui por esse motivo.
– Tudo bem. Só quero me despedir antes de todos.
Hamilton e Jamille observavam enquanto alguns peritos analisavam o quarto em busca de evidências. Acabando que foi bem rápido, já que ao encontrarem o notebook, satisfizeram-se. Junto com alguns outros objetos de uso pessoal, como mochila, bilhetes, e alguns papéis encontrados na escrivaninha, finalmente os peritos retiraram-se. Jamille aproveitou para arrumar uma mala de tamanho médio com roupas para Ayla, com a recomendação de Hamilton, pouco chamativas.
– Vamos? Estou pronta. Só preciso passar na escola, buscar o Arthur e depois podemos ir.
– Jamille, espere.
Hamilton tocou no braço da comadre e disse:
– Quero te pedir desculpas. Tudo o que estou sugerindo é muito difícil.
– Eu sei que sim. Mas não quero viver com medo pela Ayla. Se for necessário passar por tudo isso. Eu aceito. Quero que ela seja feliz, e que aproveite essa chance para recomeçar a vida de um jeito mais saudável.
– Eu errei com vocês. Eu deveria ter cuidado melhor de vocês. Devia isso ao Bernardo.
– Não se martirize tanto. Eu também tenho culpa. Eu deveria ter passado mais tempo com ela depois que ele se foi... Mas me foquei no trabalho, esperando a dor passar.
Os dois se abraçaram, com uma Jamille chorosa.
– Vamos? Estou com saudades da minha menina.
– Me desculpe por te abandonar nesse momento tão delicado.
– Está tudo bem, mãe. Eu entendo os motivos.
– Eu quero que saiba que não éramos muito amigas. Mas quero que isso mude quando eu voltar. Quero que confie em mim.
– Eu também quero isso. Não quero mais me deixar ir por situações tão estranhas.
Jamille beijou a filha e com um último tchau saiu da casa de seu amigo rumo a férias excepcionais.
Subitamente, Ayla sentiu-se perdida de novo. Flora era muito agradável. Mas ela sentia uma verdadeira conexão com Jamille. A menina poderia perder-se em pensamentos imaginativos, sobre como era sua vida antes, mas Conrado apareceu. E toda vez que ele aparecia as coisas esquentavam. De um jeito que quase sempre a queimava:
–Tristinha, esquecida?
– Olá, Conrado. Só estava me perguntando como era ser filha dela.
– Nem sempre era assim.
– É claro que não.
Ayla suspirou profundamente e sentiu seu gesso coçar. Ela pensou em diversos jeitos de coçar mas nada parecia alcançar o ponto que a incomodava.
– Me distraia, por favor.
– O quê?
– Me faça esquecer essa coceira maldita.
– Não consigo pensar em nada.
– Só fale alguma coisa. Antes que eu abra esse gesso no dente.
– Meu pai deu um esporro imenso no Henrique.
– O quê? Mas por quê?
–Algo sobre ética no trabalho. Tem conexão com ele dar o telefone para você.
– Meu Deus. Não para coçar. Me ajuda, vai? Me dá um cabide, régua, qualquer coisa!
– Eu não posso. E se quebrar dentro do gesso?
– Me dá um cabide de ferro que não tem como quebrar. Anda, Conrado!
Conrado acabou por abrir o guarda-roupa e tirar um cabide de ferro. Ele o amassou um pouco e entregou a menina.
– Isso não é meio pedófilo? Esse tal Henrique dar em cima de você.
– Não vejo motivos pra isso. Ele só me examinou e deu o telefone dele. E ele é o quê? Oito anos mais velho do que eu?
Ayla suspirou aliviada por finalmente ter coçado onde tanto incomodava e depois de satisfeita, ela deitou na cama e relaxou.
– Sei não, heim. Acho que você deu em cima do pobre coitado.
– De novo isso? Que ridículo. Mas o que você quer? Veio até aqui e ainda não falou nada.
– Vim te avisar que falta só mais uma semana pra tirar o gesso. Olha que legal.
– Nada teria me feito mais feliz.
– Meu pai falou que vai ter que usar um disfarce.
– Isso sim vai ser super legal.
– Eu é que vou me divertir.
Conrado tinha uma expressão levemente vingativa e Ayla tentou não se preocupar com aquilo... Eles não eram mais inimigos, mas isso não significava muito... Ainda.
– Hamilton, acho que você vai querer ouvir isso.
Hamilton rapidamente se levantou e acompanhou seu assistente até a sala que fazia Boletins de Ocorrência. Lá estavam Verônica Dumont e sua filha mais nova. Ambas com narizes e olhos vermelhos de choro. Enquanto o delegado de plantão tomava notas:
– A princípio, pensei que ele só estivesse muito ocupado na faculdade e não desse para entrar em contato com a família. Mas minha irmã ligou perguntando dele e então eu já não consigo mais ter certeza de onde ele está. Ele deveria ter chegado na casa dela ontem, mas descobrimos que nem o voo ele pegou. Ele estava louco para passar uma temporada nos Estados Unidos.
A mulher se contorcia e chorava mais, enquanto a menina acariciava suas costas e derramava suas lágrimas em silêncio. O delegado fez algumas outras anotações e disse:
– Olha, seu filho morava fora da cidade, mas vamos entrar em contato com a jurisdição de lá e vermos o que pode ser feito por aqui. Alguns jovens costumam ficar meio confusos com a pressão da faculdade e morar sozinho. Ele pode estar bem.
Hamilton sentia-se intrigado. Ônix não era o tipo de garoto que ficava confuso em ter um apartamento em um bairro nobre de uma cidade universitária, um carro de cem mil e o cartão sem limites da família enquanto cursava medicina e curtia a vida com vários amigos playboys.
– Agora, senhora Dumont, preciso de algumas informações. Nome completo do menino por favor?
– Ônix Sardella Dumont.
– Idade?
– Vinte e um anos.
– E quando foi a última vez que teve contato com ele?
– Dia treze.
Dia treze. O dia em que Ayla sofreu um atentado. Hamilton quase pode ver a história se desenrolando a sua frente... Mas o que poderia ter acontecido com os dois? Hamilton apenas sabia que havia muito mais em comum entre Ônix e Ayla do que ele gostaria.
Trecho do Próximo Capítulo:
... - Mas o contrato dele vencia amanhã, então vim para acertar a situação. O carro estava na garagem mas ninguém atendia. Então tomei a decisão de abrir a porta com a chave mestra e encontrei o coitado naquela situação.
– Obrigado senhor Alfredo, Vocês tem algum sistema de segurança aqui? Algo que possa ter captado essa mulher?
– Temos um sistema de segurança, mas é monitorado por uma empresa. Vou dar o telefone para o senhor.
– Ótimo. O senhor terá de passar na delegacia amanhã para assinar seu depoimento.
Num impulso, Hamilton puxou seu celular e com alguns toques disse:
– Alfredo... Por um acaso, essa não seria a tal mulher?
Alfredo se inclinou e apertando os olhos desgastados pela idade, disse:
– Mas... Como? Como adivinhou?
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E aí gente? Gostaram do Enzo? E do Murilo? Achei engraçado que minha beta falou que ninguém simpatizaria com a Ayla. Essa era minha intenção mesmo. kkkkkkkk
Queria saber se vocês gostam desses trechos sobre o próximo capítulo ou se preferem sem eles para não poluir tanto o capítulo.
Agradeço muito a quem tem comentado e lido a história. Fico muito feliz cada vez que recebo um comentário.