Friendzone escrita por Blue, Mary


Capítulo 14
Hormônios




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Dois dias. O noivo da minha melhor amiga chegaria em dois dias. Eu tinha apenas quarenta e oito horas para ter um plano para sabotar sua vinda. Quem sabe assim ele acabava desistindo de se casar com a Lily?

Talvez eu pudesse sabotar o noivado deles, colocar algo em sua bebida, um Boa Noite Cinderela, quem sabe? Ou ainda uma superdose de laxante em seu prato de comida no jantar de noivado que aconteceria no próximo sábado. Essas idéias precisavam ser anotadas.

Mas que droga, o que eu estava fazendo? Criando maneiras de sabotar a felicidade da minha melhor amiga e mulher da minha vida quando podia simplesmente contar a ela que era perdidamente apaixonado por ela. Eu era mesmo um fracassado. Não podia fazer isso com Lily, não podia sabotar sua felicidade desse jeito. Não depois do que ela me pediu.

Conversamos a tarde toda e notei que ela dava voltas e voltas no assunto para finalmente chegar onde queria desde que começou a falar do casamento. Lily me pediu para levá-la até o altar. Isso fez meu coração explodir lentamente em pedacinhos ao me imaginar de braços dados com ela vestida de noiva e entregando-a ao seu noivo almofadinha.

Quando seu pai faleceu, há quatro anos, Lily passou algum tempo longe do trabalho e sofrendo com tudo o que ele perderia, mas ela jamais me contou sobre a idéia de se casar e me ter no lugar dele ao levá-la ao altar. Eu não pude dizer não. Não podia simplesmente dizer: “Desculpe, Lily, não posso te levar até o altar para o seu noivo porque eu queria estar no lugar dele”.

Que droga de vida.

E então me vi jogado no sofá com a tevê ligada em algum videoclipe ruim na MTV imaginando meu futuro sozinho e amargurado. Fechei os olhos e tentei parar de pensar nisso, apesar de impossível. Escutei a vinheta da próxima atração do canal começar e parecia um top 10 especial dos anos noventa. E o retrato desgraçado da minha vida ficou ainda pior quando o primeiro clipe selecionado começou e era “November Rain” do Guns N’ Roses, com seu casamento maldito que termina em tragédia.

Afundei no sofá enquanto assistia a imagem com atenção, mesmo já tendo visto o clipe milhares de vezes. Os noivos estavam felizes e brilhantes, assim como todos na festa, o bolo estava lindo, e de repente a noiva morreu com um solo fantástico de trilha sonora. Eu queria poder me ver na pequena história, nem que fosse como o infeliz noivo que perde sua amada no final. Eu queria ao menos poder tê-la comigo por alguns bons momentos.

Mas a verdade é que eu era o amigo espalhafatoso que sempre chamava atenção, assim como Slash no clipe. E a diferença é que eu não tocava guitarra nem usava calças de couro.

Eu era um grande infeliz que, além de ter que levar Lily até o altar, provavelmente a ajudaria com preparativos do casamento, como ela também me pediu. Além disso, um tremendo idiota, afinal, por que aceitei fazer esse serviço de madrinha de casamento? Eu precisava encontrar alguma vantagem nesse trabalho, nem que fosse descobrir algum podre do almofadinha e o expor, e finalmente fazer Lily perceber que eu deveria ser seu noivo, não ele.

E então eu estava fazendo mais uma vez, planejando maneiras de acabar com a felicidade da minha melhor amiga. Por que era tão difícil ficar feliz por ela? Droga, Lily tinha razão, eu era egoísta e só conseguia pensar na minha felicidade. Eu provavelmente estaria feliz por ela se fosse o Tyler de seis meses atrás, o que gostava dela apenas como melhor amiga e sócia. O que saía com mulheres diferentes e se encantava momentaneamente por cada uma delas e que tinha uma rotina como qualquer outra. O Tyler de agora era um fracassado que previa seu futuro solitário e de coração partido ao ver o amor de sua vida se casando com outro.

Eu tinha vontade de desistir, mas sequer tinha essa opção. Se pudesse, talvez voltaria no tempo. Voltaria no momento em que fiquei bêbado e me deixei levar pela atração súbita que tive por Lily. Eu queria poder culpar a bebida por aquilo, mas a verdade é que sempre tive o desejo de ter Lily para mim nem que fosse por uma noite. Parte de mim, uma parte muito bem escondida nas profundezas do meu ser, sempre quis saber como seria uma realidade onde Lily e Tyler fossem um casal como muita gente apostava que seria, mas que nós sempre negamos.

Quando eu era só mais um pré-adolescente com espinhas e a voz que ainda falhava, sonhei com o dia que contaria a Lily sobre meus sentimentos por ela, mas no fundo eu sabia que ela jamais corresponderia meus sentimentos. Eu já havia desistido dela quando me contou sobre Brandon, seu primeiro namorado, mas aquilo me magoou profundamente como se ela tivesse dito que eu estava preso para sempre na friendzone.

E agora eu estava no mesmo lugar, mas agora me sentia ainda pior. Tinha  um casamento para oficializar minha morte na friendzone.

 

...

 

O dia chegou. Henry estaria em solo novaiorquino e logo nos conheceríamos. Lily e eu não conversamos muito sobre ele e eu agradeci por isso, ela esteve ocupada lendo os relatórios dos meses em que esteve fora e fazendo balanços e avaliações que não pôde fazer enquanto estava em Londres. Agora que eu sabia sobre Henry, tinha minhas dúvidas quanto ao trabalho que ela foi fazer lá, mas não podia pensar demais nisso, minha mente me levava a lugares que eu preferia evitar.

Notei que o sol começou a se pôr atrás de mim no escritório, e foi exatamente nesse momento que Lily bateu à minha porta, entrou com metade do corpo e um sorriso no rosto e me disse que o britânico almofadinha já estava à sua espera. Quer dizer, à nossa espera.

Fingi um sorriso e me juntei a ela no caminho até o aeroporto e a escutei falar sobre ele e sobre como nós dois nos daríamos muito bem durante todo o trajeto. Era quase insuportável, mas desde ontem eu tentava ser positivo por ela. Eu precisava ficar feliz por ela.

Andamos pelo mesmo aeroporto que corri há meses pensando que podia convencer Lily a ficar em solo americano. Se eu tivesse sido eficiente ela teria ficado, e agora não estaríamos aqui esperando pelo seu noivo idiota. Eu não vi sequer uma foto do cara, mas já o odiava.

Lily digitou algo no celular enquanto eu observava as pessoas saírem do corredor de desembarque e encontrarem seus amigos, amantes, familiares e filhos. Eu queria ter convencido Lily a não ir até Londres, mas vendo essas pessoas fiquei com inveja delas por não ter vindo recepcionar minha melhor amiga quando ela voltou. Imagina só ser a primeira pessoa que ela viu quando voltou?

Respirei fundo e vi o vislumbre de seu sorriso, ela olhou em direção ao corredor e então saiu de perto de mim.

Tudo aconteceu em câmera lenta. Lily caminhou com seus quadris dançantes e seus cabelos longos e esvoaçantes e a segui com o olhar. Ela abriu os braços assim que se aproximou de um sujeito alto e loiro e o abraçou. Meu coração congelou no mesmo segundo, e então quebrou em milhões de pedacinhos miseráveis quando ela o beijou. Não era como se eu nunca tivesse visto Lily beijando um cara, isso sempre foi normal para mim. Na verdade era até meio nojento, eu tinha a sensação de ver minha irmã aos beijos com alguém e essa não era minha imagem preferida dela. Porém agora, vê-la beijando seu noivo... Era como ver a morte rindo de mim, pois ela sabia que esse seria meu fim. Eu não duraria muito tempo sendo feliz sem Lily.

Quando dei por mim os dois estavam bem na minha frente, sorrindo feito idiotas, enquanto me lembrei de respirar e voltar à vida.

— Então você é o famoso Tyler?

Mas que merda, eu esqueci que ele era britânico. Todas as mulheres desse país pareciam amar esses britânicos estúpidos. Lily nunca foi diferente.

— É, acho que sim. E você é o noivo da minha melhor amiga. — devo ter soado tão babaca quanto acho. Lily poderia me matar.

Henry abriu um sorriso brilhante e perfeito e estendeu a mão para um aperto. Estendi minha mão de volta e trocamos sorrisos e algumas palavras insignificantes. Tudo depois de sua chegada era como um grande borrão, eu estava no modo piloto automático, era como se eu nem estivesse lá. Eu me sentia um mero espectador do meu sonho que se tornara pesadelo.

 

...

 

“Lily sorria como uma idiota e estaria flutuando de felicidade se não fosse a gravidade.

— Como pode sorrir assim quando tirou a nota mais baixa de toda a classe? Você deveria surtar nesse momento, não sorrir. — falei  enquanto voltávamos a passos lentos para casa.

— Eu não me importo, posso recuperar a nota depois. — ela falou cantarolando e chutando pedrinhas espalhadas pelo asfalto.

— Aconteceu alguma coisa? Você está estranha. — ajeitei a mochila nos ombros e sequei o suor na testa com as costas da mão. O calor estava insuportável, porém pensar que o verão e as férias estavam próximos me deixou mais calmo.

— Não, é só que... — Lily começou a rir e quando olhei para ela vi que seu rosto estava vermelho. E não parecia ser pelo calor, ela parecia envergonhada.

— É só o quê?

— Sabe o Brandon? Da nossa aula de história?

Ah, droga.

— Sim, o que tem ele?

Ela olhou para mim e desviou rapidamente, sorrindo. Lily nem precisava dizer, pois eu já sabia o motivo de seu comportamento bizarro e seus sorrisos e suspiros.

— Ele me beijou.

Precisei de alguns segundos para me recuperar, mas ela não percebeu minha reação.

— Nem acredito que meu primeiro beijo foi com o garoto mais bonito do colégio! Você tem idéia do que é isso, Tyler? — ela me parou e agarrou meus ombros, parecendo aquela tia do interior que aperta suas bochechas, estupidamente entusiasmada.

— Achei que o garoto mais bonito do colégio fosse o Danny, do último ano.

Ela suspirou relaxando os ombros e voltou a andar. Sorriu olhando para baixo e disse:

— Não me importo com Danny, ele é velho. Brandon vai ser o mais bonito do colégio em breve. E aposto que vai ser o próximo capitão do time de futebol.

Enjoado, revirei os olhos e desejei com todas as minhas forças que uma nave espacial pousasse naquele momento sobre minha cabeça e me levasse embora desse planeta, para bem longe de Lily e seu fanatismo idiota.

— E você vai ser a líder de torcida, o que fará de vocês o casal mais popular do colégio. Que sonho, não é?

— Não vou mentir, adoraria que isso acontecesse. Mas não tenho perfil para líder de torcida.

Ela não viu quando a olhei incrédulo, sequer percebeu minha alta dose de sarcasmo.

— Não duvido que entre para o time de animadoras por ele. Está se comportando como uma dessas fãs malucas de boy bands desde a primeira vez que ele falou com você.

— Você está com ciúmes.

Parei de andar no mesmo segundo e só consegui encará-la assustado. Será que ela percebeu algo?

— Você tem treze anos e nunca beijou ninguém. Eu já e foi com o menino mais lindo de todo o colégio! — Lily me abraçou os ombros e começou a me arrastar pelo caminho. Evitei bufar de raiva. É claro que ela não percebeu nada durante todo esse tempo. — Não precisa ficar com ciúmes, Ty. Logo alguém vai aparecer para você também. “

De fato, apareceu alguém: Diana Clark.

E no último ano do ensino médio, Lily teve seu grande sonho realizado. Ela e Brandon eram o casal mais popular e queridinho do colégio, mesmo ela sendo apenas uma animadora de torcida e não a líder. Eles até tentaram ficar juntos depois do colégio, mas ele conseguiu uma bolsa integral na Universidade de Dartmouth e Lily continuaria em Nova York, com sua nova vida de estudante na Universidade de Columbia.

Sempre achei os dois apaixonados demais para deixarem a distância terminar tudo assim, mas Lily sempre garantiu que ela e Brandon seriam sempre bons amigos apesar de tudo e que talvez seu namoro fosse apenas uma boa lembrança do colégio, nada para durar a vida toda.

E então eu, Lily e Diana estávamos na mesma universidade. Aquilo era improvável e maravilhoso demais para mim. Eu estava com Diana e, no terceiro ano, começamos a ter encontros duplos com o novo casal: Lily e Edward. Ele era completamente diferente de Brandon, mais discreto, mais sério e ciumento. Eu nunca fui muito fã dele, mas minha melhor amiga sempre parecia feliz ao seu lado ou quando falava dele, então eu não podia ter nada contra o cara.

E agora Henry. A droga do Henry. A versão melhorada de Brandon.

O amor platônico de Lily por Brandon surgiu no mesmo momento em que me descobri apaixonado por ela, aos treze anos de idade. Ou era assim que eu achava que me sentia. Durante doze anos inteiros crescemos juntos e nos tornamos melhores amigos e ela sempre foi a irmã que nunca tive, mas quando completei treze anos e a maldita puberdade chegou à minha vida com o pé na porta, toda e qualquer garota perturbava meus pensamentos e minha vida. E até Lily entrou nessa lista.

Alguns meses depois de seu tão sonhado primeiro beijo com Brandon, no entanto, minha paixonite passou. Eu conheci outras garotas, e então Diana. E então tudo mudou e eu achei que Lily havia sido só uma questão de hormônios adolescentes. Mas aqui estava eu, mais de dez anos depois do colégio, com a certeza de que estava apaixonado por ela e que, dessa vez, não tinha absolutamente nada a ver com hormônios.  


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