Friendzone escrita por Blue, Mary


Capítulo 15
Aposta




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Estávamos todos comendo um farto pedaço de bolo red velvet, todo mundo da mesa ria entre si e parecia se divertir até o limite. Eu sentia como se assistisse tudo de fora. Esse era meu bolo favorito e feito pela minha mãe, o que só podia deixá-lo melhor, contudo o doce descia amargo pela garganta. Ver Lily e Henry sorrindo e se tocando e se beijando o tempo todo me tirou a fome.

— No que está pensando, Tyler? Você parece distante hoje. — escutei Lily me perguntar e de repente notei que todos na mesa me encaravam.

O jantar de hoje foi planejado por Lily, sua mãe e a minha mãe. Estávamos em cinco, as três mulheres, Henry e eu. O melhor programa para se fazer num sábado a noite. Ah, mas que maravilha.

— Meu menino tem se comportado de um jeito muito estranho nas últimas semanas. Sempre distraído e agora sequer toca na comida.

Meu olhar não foi nada amigável para minha mãe quando disse isso. Vi Lily rir e cochichar para o noivinho e fiz questão de falar, eu mesmo, em voz alta:

— Eu odeio quando ela me chama assim, é isso. E não estou pensando em nada, só não estou com muita fome. — acho que largar o garfo sobre o prato de qualquer jeito e fazendo barulho não deu muito certo.

Vi minha mãe se virar para ficar quase de frente para mim e era isso que ela sempre fazia quando ia me dar um sermão ou se mostrar preocupada demais comigo. Eu não podia acreditar.

— Filho, se você não está com fome é porque algo, definitivamente, está errado.

Eu queria olhar de volta para minha mãe e dizer que ela se preocupava à toa, mas não consegui deixar de notar o descaso de Lily com a minha situação, brincando de dar bolo na boca de Henry e então voltar o pedaço para si e comer.

Era por isso que eu não tinha fome, tinha é vontade de vomitar.

— Mãe, eu estou bem.

— Acho que está exagerando, Mel. — Sandra comentou ao meu favor, ainda bem. — Sua mãe sempre foi superprotetora, Tyler. Fique tranqüilo.

Sorri fraco para Sandra e tentei não olhar para Lily e Henry, mas minha mãe estragou tudo de novo.

— Olha só, parecem dois pombinhos. — ela sorriu e Lily percebeu que virou o assunto e suas bochechas ficaram vermelhas e de repente seu rosto todo estava da cor de uma cereja. — Tyler quando vai nos apresentar alguém?

— Essa fase vai passar, cara. Acredite em mim. — Henry abriu sua boca sagrada e falou com seu sotaque tosco que, até agora, eu não entendia porque as mulheres tanto amavam.

— Acho difícil isso acontecer, tia Mel. — Lily se desgrudou do noivinho e falou, comendo seu último pedaço de bolo em seguida. — Tyler é um lobo solitário.

Eu a odiava tanto.

— Se até você achou alguém, Lil, por que eu não posso? — me forcei a comer um pedaço do bolo para engolir com a raiva e quase engasguei com o jeito que ela me fuzilou com o olhar.

— Meu menino vai achar alguém sim, e ser muito feliz, e me dar netos. Eu só quero ser avó e encher meus netos de comidas gostosas. — minha mãe caiu na risada e ela e Sandra brindaram suas taças de vinho, enquanto Lily e eu nos olhamos com o que parecia ser raiva. Da parte dela eu não sei, mas da minha, com certeza, era.

Pedi licença e saí da mesa minutos depois. Fui até a cozinha e bebi um copo d’água, mas não era tempo suficiente para voltar. Segui para o segundo andar da antiga casa de Lily e fui até o banheiro, mas algo me fez parar no meio do caminho. A porta de seu antigo quarto estava aberta e era como a entrada para o túnel do tempo.

A primeira coisa que notei foi o pôster do Foo Fighters e me lembrei de quando ficávamos na frente da televisão assistindo a MTV esperando o clipe preferido de Lily, Learn To Fly. Ela cantava desafinada fazendo caras e bocas enquanto eu só sabia rir. Logo notei a cama, ainda forrada com seus lençóis azuis com desenhos de estrelas. O pôster de Pulp Fiction logo ao lado da janela estava velho e desgastado, mas me fez rir ao lembrar do dia que o colamos na parede. Meu pai ganhou o pôster de um conhecido que havia falido com sua locadora e ele estava doando e jogando coisas fora. Lily e eu sequer havíamos assistido ao filme, mas o pôster era legal demais e tiramos no par ou ímpar quem ficaria com ele.

Ela ganhou e assistimos ao filme quase cinco anos depois.

— Está perdido?

Dei um pulo para trás e vi a própria Lily parada na soleira da porta.

— Em lembranças, sim.

Ela não respondeu, só entrou no quarto, em seguida sentando-se na cama com as pernas cruzadas, porém não antes de tirar os sapatos. Ela sempre teve manias e era toda metódica, nunca a vi pisar na cama com os sapatos calçados.

— É normal sentir saudades. Também sinto saudades de como fazíamos idiotices como pendurar esse pôster na minha parede quando a gente nem tinha visto o filme. — eu olhei para ela e começamos a rir ao mesmo tempo.

Paro de rir primeiro e me joguei na cama, sentado ao seu lado, porém afastado. Olhei para ela e encarei seu perfil que nunca foi tão bonito. Havia um brilho em Lily que me saltava os olhos.

— Sinto falta de nós dois.

Ela me encarou um tanto espantada e só então percebi o que acabara de dizer.

— Éramos estúpidos juntos, queimando bolos de aniversários ou se machucando durante nossas competições de corrida com skate e patins. — tentei consertar e vi o vislumbre de um sorriso em seus lábios.

Um bom sinal.

— Nem me lembre disso, tenho a cicatriz até hoje.

— Aquela logo abaixo da cintura?

Lily arregalou os olhos quando olhou para mim. E só então percebi que só sabia que ela ainda tinha essa cicatriz porque a vi nua.

Eu precisava consertar aquela bomba de ar constrangedor, e o que saiu foi:

— Acha que ainda conseguimos competir?

Ela se levantou bufando e disse que não, mas eu sabia que também detestava a ideia de ficar velha e não fazer o que tanto gostava quando jovem, assim como a maioria das pessoas e como ela muito negava.

Lily não me enganava jamais.

Ela voltou à sala e eu desci logo em seguida. Nossas mães estavam na cozinha preparando um chá com Henry. Que inédito chamar um inglês para um chá.

— Lily acha que não consigo vencê-la numa corrida de skate e patins. Todos sabem que eu sempre ganhei.

Minha mãe olhou diretamente para mim e fez cara de desespero, o que fez todo mundo rir.

— Tyler, você não tem vergonha? Por que diabos faria uma corrida de skate e patins? Vocês não têm mais dez anos.

— Ah, não tia Mel, agora também me chamou de velha. — Lily riu e vi Henry atravessar a cozinha para se aproximar dela para um beijo no rosto.

Consegui  ler seus lábios dizendo que ela não estava velha, mas lindíssima como devia ser quando adolescente.

Tentei não fazer careta e insisti no assunto.

— Então o que diz de um desafio, Lil? Em nome dos velhos tempos?

— Eu até aceito, mas será impossível. Não temos mais skate nem patins. — ela riu debochada, mas quem ri por último ri melhor.

Então respondi:

— Mas é claro que temos, está tudo no nosso porão. Não é mesmo, mãe?

— Você não vai fazer isso, Tyler. — minha mãe começou a protestar e vir atrás de mim.

E apenas quinze minutos depois, estávamos os dois no meio da rua de trás de nossas antigas casas. Lily nos patins e eu com o skate posicionado para a partida. Ela tinha um sorriso enorme nos lábios e eu amava tê-la só para mim, mesmo que fosse apenas por alguns minutos.

Nossas corridas sempre aconteciam naquele trecho, da rua de trás até cruzarmos uma linha que eu sempre desenhava partindo da delimitação entre a minha casa e a do vizinho. Eu até tentei lembrar do retrospecto e de quem venceu mais vezes, mas não me lembrava. Fazia tanto tempo que eu tinha até medo de cair do skate.

— Nos encontramos na linha de chegada. — disse Lily, tentando se fazer de séria e concentrada, colocando todo o cabelo para trás.

— Tenho pena do Henry, vai casar com uma perdedora. — forcei um sorriso, mas acabei gargalhando quando vi a cara que ela fez.

Provocar Lily sempre foi um dos meus passatempos preferidos. E sempre seria.

— Você sempre fala demais, Tyler. Anda, faça a contagem.

— Nada disso! Para ser justo, é preciso que alguém faça isso pelos dois. — Sandra gritou da porta e veio caminhando rapidamente e parou entre nós dois. Minha mãe veio em seguida, rindo, e lhe entregou o pano de prato e disse que seria a bandeira para dar a largada.

Era impossível não rir daquelas duas.

Olhei para o meu lado direito e lá estava Henry, com um sorriso no seu rosto branquelo e britânico idiota, vidrado em Lily. E então olhei para o meu lado esquerdo e a vi mandar um beijo com a mão.

Que nojo.

— Lily?

Vi Sandra se afastar alguns passos e parar, tentando cessar a risada para dar a largada.

— Sim?

— Se eu ganhar, você me deve um jantar no Westlight.

Ela arregalou os olhos, pois sabia que teria que ir até o Brooklyn e pagar o que eu quisesse, pois com certeza ia perder aquela corrida.

Não evitei meu sorriso.

— Se eu ganhar, você vai ser minha madrinha de casamento e organizar tudo comigo. — e então ela sorriu toda presunçosa e  eu arregalei os olhos.

Mas pensei em como perder poderia ser bom. Eu estaria ao lado dela o tempo todo.

— Estão prontos? — gritou Sandra.

Olhei para Lily de novo e respondi:

— Fechado.

Ouvimos a contagem regressiva e partimos. Dei o primeiro impulso e quase caí, estava há anos sem subir num skate, aquilo não era lá uma boa ideia. Ouvi a gargalhada infantil de Lily soar bem alto e quase caí de novo quando ri também. Ela passou na minha frente e por alguns segundos esqueci que deveria tomar outro impulso para aumentar a velocidade quando fiquei admirando aquela visão perfeita.

Voltei a tempo e cheguei mais perto, e então estávamos chegando próximo a curva, logo em frente da casa da Sra.Waters, que sempre nos odiou, pois esse tipo de corrida podia acontecer várias vezes num dia só e durante a semana. Acho que o verão era a pior época para ela, pois estávamos de férias.

Lily se perdeu um pouco na curva e eu já estava mais acostumado com meu equilíbrio sobre o skate, e quando passei por ela gritei comemorando e continuei voando pela rua, rindo. Contudo, quase caí novamente com algumas pedras que haviam espalhadas pelo asfalto. Por pouco aquilo não me desequilibrou. Mais alguns metros e eu estaria na segunda curva e logo em frente à sua antiga casa de novo, na linha de chegada.

Como sempre, o vencedor.

Entretanto, quando passei em frente da casa do Sr.Roberts, um simpático senhor que sempre comprava nossas limonadas quando éramos crianças e queríamos empreender, ouvi um baque seguido de um gritinho agudo. E quando olhei rapidamente para trás vi Lily caída no chão.

Sequer pensei em parar o skate do jeito certo, nem consegui me lembrar disso, só desci e o deixei continuar na rua e voltei correndo para ajudá-la.

— Lily! Você está bem? — cheguei perto dela já ofegante e me ajoelhei ao seu lado.

Seu joelho estava em carne viva, o mesmo que machucou em uma das vezes que trocamos e ela correu de skate e eu de patins. Ela cobria o rosto com o braço e dava para ver que sufocava o grito de dor. Aquilo doía em mim só de olhar.

— É o mesmo joelho. Não acredito.

— Foram as pedras, elas estão na rua toda.

— Sim, eu quase caí com elas também. Ah, que droga, era pra gente se divertir, não pra você se machucar. Vem, eu te ajudo. — ajudei-a a se levantar e ficar sentada, e então tirei seus patins e ela ficou descalça.

— Ninguém ganhou, e agora como fica a aposta?

Olhei para ela e vi um sorriso aparecer e desaparecer em segundos, pois a dor era muito mais evidente. E então eu tive uma ideia típica do Tyler Reed safado e cretino que aproveitar qualquer situação para tirar uma casquinha de uma mulher bonita e pela qual ele estava interessado.

— Se eu te levar no colo até sua casa você me perdoa por ter te desafiado e feito você cair?

Lily ficou me olhando de um jeito desconfiado que me arrepiou até a espinha. Ela então sorriu e fechou os olhos, se apoiando nas palmas das mãos e se inclinou levemente para trás.

— Você não faz mais que sua obrigação. E ainda será minha madrinha por isso.

Senti o rosto alargar de verdade quando sorri ao ouvi-la dizer isso. Eu seria o que ela quisesse, desde que ela me dissesse. O que eu não fazia por amor.

— O que não faço pela sua amizade, Lily.

Passei um braço por baixo de suas coxas e tentei não fazer pressão em seus joelhos, mas ela sentiu mais dor mesmo assim. Além de ter machucado a pele, Lily conseguiu bater a lateral do joelho direito, o que piorava tudo para ela, mas que de um jeito egoísta e cretino, melhorava para mim.

Logo eu estava lutando para manter o fôlego enquanto andava o resto do caminho com ela no colo, respirando pausadamente com os braços em volta do meu pescoço, com o rosto bem próximo do meu.

— Posso tentar andar, Tyler, não precisa dizer que sou pesada. Sua respiração me diz tudo.

— Cala boca, garota. Eu consigo fazer isso.

Ela não ia tirar aquilo de mim. Estar tão próximo dela daquele jeito seria cada vez mais raro, então eu deveria  aproveitar cada minuto.

Os patins e o skate ficaram largados na rua e eu voltaria para pegá-los depois. Lily então deitou a cabeça em meu ombro e eu não sabia se perdia as forças ou se respirava fundo para conseguir mantê-la nos braços enquanto caminhava. Sua respiração quente e acelerada no meu pescoço não estava exatamente me ajudando, mas era delicioso.

E então chegamos à rua de sua casa e logo fomos vistos. E claro que o noivinho almofadinha veio correndo quando me viu com ela nos braços. Ele podia ser mais alto que eu, mas não iria tirá-la dos meus braços antes que eu chegasse de volta à casa. Não mesmo.

— Eu estou bem, Henry, fique tranquilo, foi só um joelho ralado. — ela o tranquilizou no caminho.

Sem sucesso.

— Então por que ele precisa te carregar até a casa?

Ah, esse britânico metido a besta… quem ele pensava que era?

— É coisa nossa. — senti a risada de Lily no meu pescoço e só não ri, pois estava quase ofegante de carregá-la pela rua toda.

Eu estava eufórico com aquela resposta.

Logo que chegamos, deixei-a no sofá da sala. E por mais que minha vontade fosse cuidar dela pelo resto do dia, Henry só faltou voar sobre ela e fazer tudo. No entanto Sandra fez as honras e limpou o machucado da filha.

E mais uma vez eu estava rindo da cara daquele idiota.

Saí de novo para buscar os patins e o skate e quando voltei ele já tinha ido embora. Mas que felicidade! Nem me importei pelo fato de ele ter ido sem se despedir de mim, eu queria que ele voltasse para Londres e não voltasse nunca mais.

Vi Lily ainda no sofá, agora com a perna esticada e com um curativo no joelho e ainda com carinha de dor. Ela sorriu quando me viu parado na porta e já ria quando me sentei sobre a mesinha de centro.

— Eu irritei seu noivo, não foi?

— Por que acha isso? — ela franziu o cenho de repente.

Eu não conseguia ficar calado.

— Ele não gostou quando me viu com você no colo.

— Imagina, Henry não é ciumento. Ele já sabe que você é meu melhor amigo e que é a última pessoa de quem tem que sentir ciúmes.

Mas eu podia apostar que ele não sabia que a última pessoa da qual ele deveria ter ciúmes já havia transado com a noiva dele. Arrá!

— Espero que ele saiba. E eu espero que você saiba que ainda vai me levar ao Westlight. — sorri presunçoso como ela adorava e ela sorriu de volta, concordando.

— O que não faço pela sua amizade.

E de alguma forma aquilo cortou mais um pedaço do que restava do meu coração. Diana cortou um grande pedaço dele anos atrás.

— Preciso ir agora. Fique bem logo, Lil. Ainda vamos fazer outra corrida e eu vou ganhar de qualquer jeito. — me aproximei e beijei-a na testa e ela falou enquanto eu ainda me afastava e ainda tinha o rosto perto do seu.

— E o que vai me obrigar a fazer por você?

Ah, a pergunta de um milhão de dólares.

— Até lá eu decido.

E se Diana havia destruído parte do meu coração, o resto era de Lily para fazer o que bem quisesse.





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