— Preciso de um tempo para processar tantas reviravoltas. – Carly estava tentando entender toda a história maluca da minha família, para ela que sempre teve uma estrutura familiar sólida não devia ser fácil compreender o caos que era os meus pais. – Querida, como você se sente com tudo isso?

— Perdida. – E estava mesmo.

Carly passou a mão pelos meus cabelos como uma mãe cuidadosa.

— Eu achei que meu pai nunca voltaria e quando volta está morrendo e com uma nova esposa. Como isso aconteceu, Carly?

— Não sei, talvez seja a vida te dando a chance de fechar definitivamente esse capítulo. – Carly sempre acreditou que o destino conspira.

— Talvez seja só meu pai estragando tudo mais uma vez. – Pensei no dia em que ele foi embora, em como culpei minha mãe e fiquei o esperando por semanas, até que eu percebi que não adiantava esperar, porque ele não viria.

— Querida, sua mãe não pode te impedir de se despedir, ela te deve isso.

Deitei no colo de Carly, ela foi meu porto por tantas vezes, a irmã que não tive.

— Na verdade não deve, minha mãe fez o que pode todos esses anos para que eu nunca me sentisse só.

Eu não era ingrata, sabia o quanto Kate se esforçava por mim. Minha mãe dispensou diversos namorados por eles não gostarem de crianças, ou por não estarem dispostos a assumir uma família, alguns deles ela realmente gostava o que a deixava bem triste, Kate sempre diz “se não há espaço para Summer, não há para mim também”. Doía ter que enfrentá-la justamente por causa do meu pai, mas eu não podia ignorar que o Gregory estava morrendo.

— Todo esse drama está me matando. – Reclamei.

— Então pare de choramingar e vá atrás do que você quer, são poucas horas de viagem até Charlote.

Demorei a entender o que Carly estava sugerindo.

— Fugir? Você está dizendo que eu tenho que sair escondida?

— Ah, por favor, você já fez coisas piores, não banque a santa para mim. – Carly riu.

— Dessa vez envolve muito mais que um namorado ou invadir casas, são os sentimentos da minha mãe.

— Onde está a Summer revoltada que ligou para mim mais cedo?

Suspirei.

— Preciso mesmo ir ver meu pai, não é? – Carly apenas anuiu com um aceno. – Você pode ir comigo?

— Sinto muito, acho que não, a halmeoni está doente, meu trabalho no restaurante dobrou. – Carly já tinha tantas responsabilidades, era egoísmo da minha parte pedir a ela que fosse comigo, mas eu precisava de alguém em quem confiasse e minha mãe com certeza não iria comigo.

— Eu entendo. Não se sinta culpada. – Peguei sua mãe entre as minhas. – Você já faz tanto por mim.

— E os seus amigos daquela escola metida? – Ela se referia a Buckston.

— Eles não são uma opção.

Não havia contado nada aos meus amigos da Buckston, porque era algo pessoal demais para dividir com eles, a Carly sempre esteve presente nesses oito anos, sabia de tudo e era mais fácil com ela, sem precisar ficar revivendo o passado, minha amiga entendia o que se passava comigo. Seria coisa demais para eles processarem em tempo suficiente para irem comigo até Charlote.

Passei o resto da tarde com Carly, paramos de falar sobre o incidente com meu pai e fizemos coisas de garotas. Carly é uma ótima companhia quando se precisa esquecer coisas ruins, ela sempre sabe o que dizer para te fazer rir até perder o ar, uma grande amiga. Relaxar com ela fez com que eu pudesse ter mais calma para falar com a minha mãe, era o que eu necessitava. Apesar da ideia de sair escondida ser tentadora, eu queria que minha mãe soubesse que eu iria ver o meu pai, ela era parte do drama.

...

Depois que Carly foi embora esperei pela minha mãe, repassei dezenas de vezes o que diria a ela, queria ter todos os argumentos na ponta da língua. Kate era a minha mãe e só isso já a fazia ter a palavra final, eu queria a convencer de que eu não poderia deixar passar a última oportunidade de falar com Gregory. Não iria discutir, não seria uma criança mimada, talvez assim Kate visse que eu poderia enfrentar tudo sozinha.

Kate chegou no mesmo horário de sempre desde a inauguração da sua empresa. Adivinhando minha intenção deixou a bolsa na entrada e veio se sentar comigo no sofá. Sua expressão era triste, odiava ver aquele olhar nela, era o mesmo de quando a acusei de ter feito meu pai ir embora.

— Imagino o motivo que fez você me esperar aqui. – Minha mãe sorriu suavizando sua expressão angustiada. – Summer...

— Não mãe, me deixe falar, por favor. Eu preciso. – Interrompi.

— Fale. – Mamãe deixou que eu prosseguisse.

— Sei que o papai fez muito mal a nós duas, ainda me lembro do vazio que senti quando ele foi embora. Você tentou parecer forte e dizia que ele não tinha me esquecido e que voltaria para me ver. – Respirei fundo para não chorar. – Ele nunca voltou... Bom, até hoje.

— De certa forma não voltou, a irmã dele veio até você. Não sabemos se seu pai sabe que a Amélia te procurou.

— Como a Carly me disse hoje, preciso fechar esse capítulo, encerrar de vez a participação do Gregory na minha vida, não posso mais me culpar por ele não ter sido meu pai durante oito anos.

— Você se culpa? Oh meu bem, nunca foi culpa sua.

— Eu sei que não.

Lagrimas caíram dos olhos da minha mãe.

— Não posso te impedir, não é mesmo?

— Não, eu sinto muito. Estou disposta a ir mesmo que signifique desobedecer as suas ordens.

Kate apertou a ponte do nariz, sempre fazia isso quando algo a consumia mentalmente.

— Não sinta. É seu direito ter respostas, seu pai te deve isso. – Kate me abraçou forte. – Eu o odeio tanto por te fazer passar essa situação.

— Mamãe! – Ralhei. Sentir raiva é algo que te consome por dentro, não é um bom sentimento a ser cultivado.

— Me perdoe, mas ele é um cretino. – Minha mãe riu com vontade, falar mal do meu pai dava um prazer sádico a ela.

Não podia admitir que concordava, porque se tratava do meu pai, no entanto Gregory era muitas coisas ruins e entre elas estava ser um completo cretino que abandona sua família sem ao menos dar uma explicação.