Atração Implacável escrita por Lia Pallomare


Capítulo 14
Quebra-cabeças




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Tive a sensação de que estava sendo soterrada por uma avalanche no momento que Daphne saiu do quarto. Sentia dores insuportáveis em cada pequena parte do meu corpo. Meu coração estava dilacerado e repleto de medo e raiva. As coisas seriam diferentes a partir daquele momento. Muito piores.

Jordan não me olhava nos olhos, parecia quase envergonhado e isso me deixou um pouco melhor. Eu queria que ele sentisse um pouco da dor que eu estava sentindo. Minha cabeça doía e senti as lágrimas queimarem meus olhos, mas me recusei a chorar. Mordi meu lábio até sentir o gosto metálico penetrar meu corpo.

A única pessoa que eu me permiti tentar amar, era um grande mentiroso. Encarei aqueles olhos verdes por vários minutos antes de conseguir falar algo. É estanho como naquele momento ele parecia tão indefeso. Jordan só esteve comigo por tanto tempo por que precisava estar e não por que queria isso.

— Foi por isso que você não dormiu comigo aquele dia, não foi? — perguntei, mas ele não tentou se defender e isso só me deixava ainda mais furiosa. — Eu sou só uma garota indefesa que precisa de proteção não é, Jordan?! Toda essa história de você gostar de mim... não passou de uma mentira.

— Isso não é verdade. — sua voz saiu fraca.

— O QUE É VERDADE, JORDAN? PELO QUE EU ESTOU VENDO, TODAS AS COISAS QUE VOCÊ ME DISSE ERAM MENTIRAS! — As lágrimas que eu tentei segurar começaram a molhar meu rosto.

— As coisas mudaram quando te conheci. Pensei que seria fácil separar meus sentimentos do meu trabalho, mas sempre que eu olhava para você, as coisas se complicavam.

— A pior parte disso tudo, — disse ainda chorando. — É que eu sabia que você era bom demais para ser verdade.

— Jenn — ele começou a falar, mas eu o cortei.

— Quer saber? Não tem problema. Seu trabalho é me proteger, então é isso que você vai fazer. Serei obrigada a ficar perto de você pelos próximos meses, mas me recuso a ouvir sua voz. A partir de agora, você será somente meu guarda-costas, ou seja lá qual for o nome do seu trabalho.

— Jenn...

— Acabou, Jordan. Você acabou de partir meu coração da pior maneira possível. — Soltei um suspiro cansada e engoli em seco. — Sai daqui.

Jordan se levantou com relutância e saiu do quarto. Assim que a porta se fechou, senti o peso de todas as mentiras se misturar com as dores do acidente de carro e do tiroteio. Como alguém pode sobreviver a tantas dores e permanecer forte?

Três dias após minha conversa com Daphne, o hospital me deu alta. Temi como seria ficar sozinha com Jordan, mas para minha sorte, isso não aconteceria. Enzo e Dakota também iriam conosco para o isolamento, assim como mais alguns guarda-costas.

Fomos deixados no interior de uma cidade, em uma mansão. Não entendi muito bem o motivo de estarmos naquele lugar, principalmente por que uma mansão não é um lugar muito discreto para alguém que não quer ser encontrada por um psicopata. Apesar de achar estranho, eu precisei admitir, o lugar era fantástico; cheio de árvores, vários quartos e com espaço suficiente para que eu continuasse fugindo de Jordan.

Uma semana depois de ter vindo para essa casa, Jordan continuava tentando se aproximar de mim, mas até aquele momento, não havia conseguido nada, e eu torcia para continuar assim. Erick e Dakota estavam sempre perto de mim e, naquela tarde não foi diferente. Ficamos algum tempo no que deveria ser a sala de estar. O cômodo era tão grande, que cada um de nós sentou-se em um sofá e nos largamos ali, até Jordan e os outros agentes saírem de perto.

— Então seu nome não é Jennifer? — Erick perguntou, como se descobrir meu nome verdadeiro fosse a coisa mais importante do mundo.

— Meu nome é Jennifer Smith desde os onze anos — dei de ombros e me forcei a sorrir. — Antes disso, meu nome era Alexia Hill.

— O que aconteceu para que você tivesse que mudar de nome? — Dakota olhou para as mãos e então para a porta, onde vi Jordan me encarar.

— Alguém matou meu irmão mais velho e, Caleb, meu outro irmão, gostava de me torturar...

— Caleb não só gostava de te torturar como também estava envolvido com as pessoas que mataram seu irmão. — Jordan falou secamente.

— Esqueci que você sabe mais sobre isso que eu. — Sentei-me no sofá e o encarei. — Acho que você pode contar essa história melhor do que eu.

Erick e Dakota trocaram um olhar que eu não entendi direito e então Jordan se aproximou de mim. Meu corpo ficou tenso, mas eu logo me obriguei a agir com indiferença. Levantei do sofá e me tranquei no quarto. Indiferença não quer dizer maturidade.

Passei horas dentro do meu quarto, que não possuía nada além de uma cama de casal e um guarda-roupa da época vitoriana. A casa era cheia de móveis de épocas antigas e a maioria dos cômodos eram repletos de quinquilharias, menos o meu. As paredes eram pintadas de um tom de rosa muito claro e, por alguns momentos me imaginei morando nessa casa quando ela havia acabado de ser construída. Devia ser uma vida luxuosa e, provavelmente, muito melhor que a minha.

Eu ainda era capaz de ouvir as risadas de Dakota mesmo bem longe da sala. Ela não parecia se importar com nada do que estava acontecendo, nem parecia preocupada com o perigo que eu era para a sua vida. Na verdade, nem mesmo Erick parecia minimamente preocupado. Eles agiam como se estivessem de férias e que tudo estivesse seguindo a risca uma lista rigorosa de coisas que eles deveriam fazer. É claro que eu não conseguia sequer participar da alegria deles.

As únicas coisas que permaneciam na minha mente eram a voz de Dakota falando que meu irmão havia me encontrado, as mentiras de Jordan e, principalmente, o risco que eu e meus amigos corríamos.

Devia ser mais fácil ignorar a verdade, mas eu não era capaz de fazer isso. Pela primeira vez em anos, abri meu notebook e procurei minha família nas redes sociais.

Encontrar Lucas e Naomi foi fácil. Meu irmão gêmeo tinha os traços do rosto semelhantes aos meus, mas ele parecia muito mais a vontade com aquela cicatriz na maça do rosto do que da ultima vez que o vi. Seu cabelo estava raspado. Agora ele usava uma barba por fazer, que combinava perfeitamente com o sorriso sarcástico que ele tinha.

Naomi tinha apenas cinco anos quando tudo aconteceu e agora, com quatorze, ela se parece muito com nossa mãe. O cabelo loiro muito bem penteado combinando com os olhos azuis que toda a família herdou. Nas fotos ela sorri, como se não houvesse preocupação no mundo que a aterrorizasse, mas eu me lembrava da garotinha assustada que pulava na minha cama todas as noites, com medo do bicho papão, que na verdade, era Caleb. Todos na família temiam algo, mas anos mais tarde, nem todos permaneceram medrosos. Nem todos fogem da morte iminente, como eu.

Encontrei uma foto de alguns meses atrás, com Lucas, Naomi e nossos pais. Meu coração se apertou e eu quase não aguentei olhar para a fotografia. Minha mãe não tinha mais o olhar vibrante e alegre de antes, nem mesmo aquele sorriso afetado de sempre. Ela e meu pai estavam acabados. Nunca imaginei que veria minha mãe, aquela mulher vaidosa, que reclamava da minha aparência, cheia de fios brancos frisados. Meu pai por outro lado, ainda tinha o mesmo cabelo negro com alguns tufos brancos que eu sempre fui habituada a olhar, mas ele estava tão magro, que parecia um esqueleto. Nove anos depois eles ainda carregam em si as dores e o luto.

Existem coisas que você pode esquecer, ou pelo menos tentar superar, mas a morte prematura de dois filhos, não é uma dessas coisas. Tecnicamente, um deles continuava vivo, mas se você não sabe a verdade, ela não tem importância. Lágrimas percorreram meu rosto e me encolhi até meu corpo formar uma bola sobre as cobertas. Não era isso que eu esperava ver.

Senti-me uma intrusa em meu próprio corpo, como se ele fosse pequeno demais para acolher minha alma e, talvez fosse mesmo. Uma mulher de vinte anos normal estaria preocupada com as aulas da faculdade, com o trabalho, um namorado... É claro que essas não são as minhas preocupações. Meus medos e inseguranças tem muito mais haver com um passado terrível do que com a minha idade atual. Caleb destruiu tudo o que eu tinha quando pequena e amaldiçoou meu futuro, me tornando uma pessoa complicada e amedrontada.

Aquela ultima frase que Jordan disse ecoou em meus ouvidos. Caleb não só me torturou como também estava envolvido com a morte de Enzo; para ele, família não significa absolutamente nada. Só então me dou conta que as pessoas que me tiraram de casa já sabiam disso, sabiam que ele tinha ajudado, ou encoberto a morte de Enzo e, por esse motivo, me tiraram de lá. Não tinha nada haver com o quanto Caleb me batia, tinha haver com eu ser capaz de identificar as pessoas do beco e morar com um possível assassino. Foi exatamente por esse motivo que precisei mudar de nome e morar do outro lado do país: para que quando meu irmão recebesse a notícia de que Enzo e eu havíamos morrido em um acidente de carro, ele não tivesse a possibilidade de me encontrar.

Mas eu estraguei tudo.

Aquele desgraçado deve ter me procurado durante anos, seguindo pistas falsas que não o levaram a lugar nenhum, mas ele sabia que Trevor mostraria o caminho certo, mesmo que essa não fosse sua intenção. Ele me delatou por querer me proteger.


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