Vergo escrita por Tris, Panda girl


Capítulo 12
Quatro anos (ou mais)


Notas iniciais do capítulo

Feliz dia dos namorados pra vocês que também estão solteirooos! Mentira, eu sou casada em segredo com a Tris. Olha, eu só queria agradecer pelas visualizações, os números cresceram muito, vocês não fazem ideia. Nós temos uma surpresa também, mas vou deixar pras notas finais. Esse capítulo é dedicado a Christina Grimmie e às vítimas do atentado de Orlando. Peço que vocês orem/mandem bons pensamentos para as famílias e amigos deles.
Bom Vergo!
Abraços da Tia Panda.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/580923/chapter/12

“O ser humano produz a si mesmo, mas também se perde de si mesmo”. Essas palavras são de Karl Marx, mas se tornaram um pouco minhas depois que eu conheci o Verne. Eu me perdi de mim mesmo, não que isso seja algo ruim, como sugerido por Marx. Na verdade, talvez eu já estivesse perdido e me produzi naqueles olhos verdes.

No dia seguinte, acordei com o sol batendo na cara.

Não acreditei no que tinha acontecido, só podia ter sido um sonho. Mas, então, olhei para a mesa e lá estava a foto, no mesmo lugar em que deixei no dia anterior. A foto em que eu sorria, cheio de sardas, das sardas que deixei Verne ver.

Era tudo tão mágico que eu já esperava uma música de fundo tocando, porque minha vida estava a cara de uma comédia romântica clichê.

Eu sempre gostei de clichês, desde pequeno, mas eles, com certeza, são mais legais na vida real.

Cansado de filosofar sobre clichês e comédias românticas, fui para a cozinha tomar café e me deparei com algo ainda mais clichê: a realidade. E, caso você ainda não tenha entendido, essa era minha situação: um adolescente com cara de sono e cabelo bagunçado dando de cara com a madrasta má, que já vai avisando que ele precisa fazer compras, porque a comida acabou.

Lá fui eu (depois de pentear o cabelo e trocar de roupa) comprar café e donuts para a família inteira. Leslie foi comigo, ela queria saber os “detalhes” e, provavelmente, queria escolher o próprio donut também

Nós éramos o completo oposto. Ela, arrumadinha, de shorts curtos de jeans claro e um top estilo nadador laranja. Nos pés, um tênis velho que, ainda assim conseguia parecer legal. O cabelo com as pontas recém-pintadas de azul estava preso em um rabo de cavalo meio solto. Eu, com um jeans velho, uma camiseta qualquer e um par de chinelos encardidos, esperava não encontrar ninguém conhecido na rua.

x.x.x

Verne me ligou mais tarde. Foi estranho conversar com ele depois do que aconteceu. Eu não sabia o que nós realmente éramos, e ele também pareceu não saber, mas não comentamos nada sobre a tarde anterior. Muitos silêncios constrangedores e momentos dele rindo por motivo nenhum depois, eu acabei precisando desligar. Não é como se um de nós precisasse fazer alguma coisa, acontece que conversamos por quase duas horas e nenhum ser humano comum faz isso.

Combinamos de encontrar em uma sorveteria sexta à tarde, e foi o que fizemos. Verde usava uma camiseta de manga curta, shorts de tecido e um par de tênis caros que só os meninos ricos usam. Disse que tinha saído da academia e foi se arrumar correndo. Sua testa tinhas umas gotículas de água que eu não sabia se apareceram por causa do suor, já que ele tinha vindo andando, ou do seu cabelo que ainda estava molhando. Estranhei umas faixas enroladas em seu braço, mas Verne mandou não importar, que ele tinha arranhado em um dos equipamentos e preferiu cobrir para não deixar marcas na pele.

O sol queimava nossas canelas enquanto caminhávamos até a pequena casinha cor-de-rosa, que ficava em uma ruazinha escondida, que até o momento eu não sabia que existia Era um lugar muito bonito, tinha um telhado branco meio engraçado e um jardim fofo na frente. Cada mesa era enfeitada com um vaso de suculentas ou cactos e um forro xadrez bem delicado. Toda a decoração era feita em tons pastéis e isso dava um ar extremamente gratificante.

— Então ... — eu disse tentado puxar assunto enquanto esperávamos em uma fila pequena — você malha aqui perto?

— Na verdade, eu malho em casa.

— Você tem uma academia em casa? — Perguntei espantado.

— Na verdade, não é bem uma academia — ele disse rindo.

Pude perceber que ele estava meio nervoso com a situação porque ele repetia palavras, então continuei perguntando para deixar ele mais confortável.

— Como assim?

— Meu pai montou um mini academia no porão lá de casa para eu poder treinar para competições.

— Ah, você luta?

— Sim.

—Que legal. Não sabia.

— Pois é. AÍ eu tenho alguns equipamentos de academia, só os necessários para os treinos.

— Deve ser legal, porque você nem precisa sair de casa para ir pra academia!

— É, mais ou menos. Mas, qualquer dia vou te chamar para ir lá, aí você vê.

— Ah, ‘tá. Pode ser.

Nossa vez chegou, então pegamos nossos sorvetes e nos sentamos. Ele era muito bom nisso, em escolher lugares bonitos. Imaginei-o levando garotas para lá, loiras, morenas, altas, baixas…

Felizmente, fui interrompido pelo próprio Verne, que deve ter entendido no que eu pensava, já que foi logo falando:

― Eu nunca trouxe ninguém aqui, você é o primeiro. Mas eu vinha aqui antes, sozinho. Não tem fila e é bem mais barato, acho que compensa.

Eu ri.

― Não estou preocupado, Verne. ― falei ― Mentira, eu 'tô sim.

Ele olhou pela janela do estabelecimento, provavelmente para ter certeza de que ninguém nos observava, e colocou sua mão sobre a minha.

Estava quente e áspera como um lençol em uma noite de verão. Dava para ouvir Verde respirando lentamente. Nossos olhos se cruzaram e ele se afastou o mais rápido que se pode fazer isso, sem parecer estranho.

―Você vai querer mais alguma coisa, Gordon?

―Ah, não precisa pagar, eu trouxe dinheiro.

―Você sabe que eu nunca ia te deixar pagar.

E foi para o caixa. Fiquei parado esperando ele voltar. Verne andava rebolando. E ele tinha uma retaguarda bem admirável, tenho de admitir.

Saímos e fomos caminhando sem o objetivo de chegar a algum lugar específico. Eu tinha uma tentação enorme gritando em minha mente para que segurasse a mão dele, mas, ao invés disso, continuamos andando com as mãos nos bolsos. Nossos cotovelos se tocavam levemente em alguns momentos.

Não falamos uma palavra por bastante tempo. Os únicos barulhos para se escutar eram os dos nossos passos e o de alguns passarinhos cantando em algum lugar distante, enquanto eu ia descobrindo mais ruas naquela cidade ainda nova para mim, pelo visto.

De alguma forma, fomos parar na porta de uma escola de ensino fundamental. Como era feriado, estava fechada. Tinha uma escada do lado de fora, onde nos sentamos.

Ele agora cheirava a sorvete de menta e o suor já havia secado. Tamborilava os dedos no degrau. Ninguém passava ali. Éramos só nos dois.

― Verne, o que nós somos? — Finalmente o questionei.

Ele me olhou direto nos olhos.

― Eu ia te perguntar a mesma coisa.

Sorri.

― Sabe, eu estudava aqui quando era mais novo. ― Verne falou. ― Era bem legal, os professores eram gentis e as crianças eram felizes. Foi aqui e que comecei a ser chamado de Verde. Achei que talvez você quisesse conhecer.

― Parece divertido.

Senti uma gota cair no meu ombro. Estava chovendo.

― É melhor eu te levar para casa.

Comecei a rir.

― Verne, você não trouxe seu carro.

Ele riu também.

― Ah é. — ele disse pensativo e se levantou — Tanto faz, vem logo. Para que lado fica a sua casa?

x.x.x

Verne e eu acabamos chegando em casa, eventualmente. Já era noite e Less estava no sofá vendo algum programa aleatório enquanto comia macarrão desses de copo. Nossos pais não estavam em casa pelo visto, pois a meu pai não gostava que ela comesse aquele tipo de coisa, que ela comprava escondido.

― Oi, Gordo. Oi, Verne. O que aconteceu com as roupas de vocês? — Leslie disse desgrudando os olhos da televisão e nos olhando de cima à baixo.

― A gente meio que pegou uma chuva. ― falei ― Será que dá pra você trazer umas toalhas pra gente? Não quero sair sujando a casa.

Leslie saiu e voltou com duas toalhas, jogando uma para cada um de nós.

― Senta aí, Verne. ― ela falou apontando para o sofá enquanto secávamos nossos cabelos e roupas ― Não tem problema molhar o sofá não.

― Valeu, Less, mas eu já tenho que ir, na verdade, aproveitar que não ‘tá chovendo aqui. Boa noite para vocês dois.

Ele sorriu, colocando a toalha cuidadosamente no braço do sofá, me abraçou rapidamente e foi em direção à porta.

— Não, Verne, eu te levo em casa. Vou pegar o carro.

— Não precisa. Você ‘tá todo molhado e eu vou molhar seu carro.

— E daí? Vou pegar as chaves

— Não, já disse que não precisa — ele disse abrindo a porta.

― Ah, a propósito ― Verne disse, virando para trás ― Eu não faço a mínima ideia de que escola era aquela.

E foi embora.

— Verne! — eu disse indo em direção a porta e pude ver que ele já estava longe, provavelmente correu um pouco para que eu não pudesse alcançá-lo.

— Ele é muito teimoso. — resmunguei, enquanto fechava a porta.

— Choveu onde vocês estavam?

— Sim, e muito. — eu disse me secando e sentando do lado dela no sofá.

— Sabia que aqui não choveu?

— Não?

— Não. Nem uma gota.

— É que fomos tomar sorvete num lugar mais afastado

― Gordon, eu bem que achei estranho vocês demorarem tanto em uma sorveteria. ― falou Leslie em um tom malicioso e eu pude entender o que ela estava pensando aquele tempo todo.

Comecei a rir, jogando uma almofada nela.

― A gente se perdeu no caminho de volta, 'tá? — eu disse me levantando e indo em direção à cozinha ver se tinha macarrão de copo pra mim também e, surpreendentemente, a resposta foi sim.

Como não íamos ter aula no dia seguinte, já que era sábado, ficamos acordados até tarde assistindo filmes e comendo macarrão. Leslie fez o interrogatório de sempre, e eu consegui evitá-lo ao máximo, até porque não havia muito o que contar. Antes de ir dormir, ela me obrigou a pintar suas unhas. Esmalte preto, como sempre.

As unhas dela eram bem curtas. Isso porque Less sempre foi muito desastrada e todas as vezes em que tentou deixá-las crescer acabou quebrando-as. Já era algo comum eu fazer esse tipo de serviço para ela, tudo graças ao maldito argumento de ela não conseguir pintar as da mão direita.

x.x.x

“Todo mundo. Minha casa. Hoje. Quem não for queimará no mármore do inferno”.

Essa foi a mensagem que recebi de Oliver no dia seguinte. Isso e alguns pedidos para levar marshmallows e bebidas.

Era muito estranho pensar em nele bebendo. Ele era o mais novo de todos nós e parecia bem precoce. Ou talvez eu tenha sido uma criança “santa”, sei lá.

Leslie já tinha acordado, então fui perguntar se ela também ia. Obviamente, ninguém é capaz de recusar os convites do Oli, tudo o que ele planejava era legal demais para deixar passar.

Mandei uma mensagem para o Verne, para ver se ele queria fazer alguma coisa, mas ele disse que só ia poder sair de noite, porque tinha treino com o pai a tarde toda. Acabei decidindo ir comprar logo as coisas que Oliver me pediu.

Era um lugar meio velho e estranho que dava calafrios, mas a vendedora, uma senhora, estava sempre sorridente e era muito gentil. Eu costumava ir lá com Less quando precisámos comprar bebidas para festas e não tínhamos muito dinheiro. Para minha surpresa, nesse dia, os pacotes de marshmallows estavam bem caros, então só comprei só dois.

Levei tudo para o caixa e, na hora de pagar, a senhora se virou para mim e sorriu mais uma vez

― Você sempre vem aqui, mas sempre com sua irmã. Aconteceu alguma coisa com ela, meu filho?

― Não, não. Obrigado por se preocupar, mas ela está bem, só não pode vir hoje.

Ela tirou algumas balas de menta que estavam expostas no balcão e me entregou.

― Leve pra ela, eu sei que ela gosta.

Peguei as balas, o troco e as sacolas e fui embora. Quando estava estacionando em casa, Oliver me ligou.

― Não adianta mentir, eu sei que você saiu com o Verne ontem. ― ele foi logo falando

― Oi, para você também, Oli, ‘tava demorando pra perguntar hein? Vai dar uma de Leslie e pedir detalhes também, porque não tem nenhum. — eu disse enquanto descia do carro e abria o porta-malas tirando as compras

― Meu amigo, eu sou seu cupido profissional, sempre tem que ter detalhes. Mas não é sobre isso que eu quero falar. Bom, digamos que eu preciso da sua ajuda. Eu sei que meus pais não estão em casa, mas a gente vai precisar ficar mais no quintal ‘tá.

― Calma, Oliver, a gente não vai bagunçar nada não.

― Não é isso. Digamos que tem um quarto que deveria estar trancado, mas não está. Eu só preciso ter certeza de que ninguém vai entrar lá, okay?

― Sua casa, suas regras.

x.x.x

Leslie estava preparando um sanduíche quando eu voltei e, sinceramente, parecia bem ruim. Tinha umas folhas de alface meio murchas e uma carne velha que provavelmente sobrou do almoço. Meu pai também estava em casa e a “bruxa má” tinha saído para fazer alguma coisa.

— Você só sabe comer? — perguntei.

— Eu tenho fome ‘tá!

— Você que come e eu que sou gordo.

— Mistérios da vida — ela disse fechando a porta da geladeira e indo comer o sanduíche.

― Tem certeza de quer comer isso? — falei olhando mais uma vez para aquela coisa que ela chamava de comida

― Cala boca, Gordon, já disse que sou uma pessoa faminta. ―respondeu, já enfiando o sanduíche todo na boca.

Ela tinha uma mania estranha de sumir com o “a” das frases, o que era um pouco engraçado. Eu queria falar com ela sobre Verne e sobre como tudo parecia muito perfeito para ser verdade e sobre como isso me deixava com medo de alguma coisa dar errado, mas não podia arriscar tudo de forma que alguém escutasse.

Coloquei as sacolas no chão e lembrei das balas de menta.

― Aqui. Ela deu de graça para você. ―falei enquanto as jogava pra Less

― Já falei que eu amo essa mulher? Porque, acredite, eu amo. E muito.

Leslie jogou o resto do sanduíche fora e foi chupar suas balas em algum lugar.

Fui para o quarto escolher uma roupa e fiquei revezando o resto do entre séries e meu computador, até certo momento que fui interrompido pela mãe da Less.

Ela entrou no meu quarto e eu, que estava jogando um joguei online, continuei.

— Vai sair hoje é?

— Sim — eu disse.

Queria menos diálogos possíveis com ela então não respondi nada muito malcriado.

— Onde você vai?

— Na casa de um amigo.

— E você comprou as bebidas para todo mundo? Acha que seu pai é rico, para você ficar pagando de playboyzinho?

— Quê? — me vi obrigado a parar o jogo.

— É isso mesmo. Inventa de ter amizade com gente rica e quer mostrar que é rico também. Vê se a Leslie faz umas coisas dessas? Não. Bom, pelo menos até agora não, porque ela ‘tá andando tanto com você que daqui a pouco aprende também.

— Ei, eu não sou má influencia pra Leslie não, ela já é bem grandinha e sabe muito bem da vida e das responsabilidades dela. E eu não pago de playboyzinho também não. Eu sei melhor do que você do que eu posso ou não, do que meu pai pode ou não me dar, ‘tá?

— Sério? Porque não parece. Foi em restaurante caro. Sai todo fim de semana, só sabe gastar.

— Mãe! — pude ouvir Leslie gritando de algum lugar da casa, o que era um alívio para mim, significava que a megera iria embora.

— Já vou — ela gritou de forma doce para Less, e depois se virou para mim e completou de forma baixa — Quero ver você se sustentando sozinho, isso sim. Aí eu quero ver comprar bebidinha e levar namorado para sorveteria. — e saiu do quarto.

Como ela sabia? Será que a Leslie tinha contado? Não, ela não poderia ter feito algo assim. E eu também não podia perguntar para ela, senão iria ter que contar muita coisa. Aquilo seria um mistério. Como a Leslie mesmo falou algumas horas mais cedo, um mistério da vida.

As horas foram passando até eu poder ir me arrumar. Abri meu guarda-roupa procurando algo. Eu queria alguma coisa casual, mas que ficasse boa o suficiente pra Verne me achar bonito. Eu realmente não era muito bom com isso. Resolvi ligar pra Oliver e ver o que ele achava. Afinal, ele era meu “cupido profissional”. Ele não atendeu. Porra, Oliver.

Depois de alguns minutos e várias tentativas, acabei desistindo de pedir ajuda para ele e fui atrás de Less, que já se arrumava no quarto.

Apesar de ser menina, ela tinha o dom completamente incrível de se arrumar rápido. Quando entrei, ela já estava vestida em uma saia xadrez rosa e um suéter de caxemira creme com um desenho na altura do peito.

― Gordon, você ainda não se arrumou? A gente vai sair daqui a pouco!

― Eu sei, é por isso que eu 'tô aqui! Preciso de ajuda, Less. Eu não faço a mínima ideia do que usar.

― Então vai pelado! ― ela riu ―Certeza que ele vai gostar.

― Eu falei sério!

― Eu sei! Vamos lá, vou te deixar “gatão”.

Ela foi me empurrando até o quarto, onde abriu as portas do armário, sentou na minha cama e ficou contemplando as roupas horríveis que eu tinha.

Ela tirou um casaco de couro falso e o mesmo jeans que eu sempre usava para sair. Por fim, pegou uma camiseta azul escura. Jogou tudo para mim, estalando os dedos.

― Vai se trocar no banheiro e volta aqui para eu poder ver se ficou bom.

Fiz o que ela mandou e, quando voltei, fiquei me olhando no espelho, imaginando se estava bom o suficiente.

― Será que ele vai gostar? ― falei

― Olha, eu não juntei vocês dois para você ficar todo meloso assim não. E eu fiz um ótimo trabalho com as roupas, 'tá bom?

― É claro que você fez. Valeu, Less.

Ela me abraçou e, por um momento, achei que aquela situação toda já estava passando dos limites da melosidade.

― Agora ―disse Leslie ― vou terminar de me arrumar, porque você me interrompeu no meio de um processo importante chamado maquiagem.

E foi para seu quarto terminar o tal “processo importante”.

Na mesma hora, o maldito do Oliver mandou mensagem.

“Oi, Gordon. Eu não vi que você tinha ligado. Aconteceu alguma coisa?”

Sim, ele mandou justamente depois que eu já não precisava mais dele. Oli era uma pessoa adorável, mas de vez em quando eu tinha vontade de bater nele com um livro de boas maneiras. Mas respondi que já não precisava mais. Na mesma hora, ele respondeu.

“Ah, então ‘tá bom, seu grosso”

Aquela criança era mesmo incrível.

x.x.x

Chegamos na casa do Oliver, que eu sempre achei incrivelmente fofa. Tinha um jardim relativamente grande com uns girassóis, que, de alguma forma, não ficavam feios ali. Por algum motivo, o ar naquele lugar era de nostalgia. Quando ele abriu a porta, Sparkle veio correndo e pulou em nossas pernas. Leslie pegou ele no colo e ele começou a lamber a pele toda trabalhada dela, que pareceu não se importar.

― Bem-vindos ao país dos unicórnios! ― disse Oli, abrindo os braços ― Verne e Kate já 'tão lá no quintal. Tem umas amigas minhas também, mas elas vão embora daqui a pouco.

Fomos entrando. Verne estava agachado ao lado de um latão, tentando acender fogo.

Quando ele me viu, abriu um sorriso.

Deu os fósforos pra Kate e veio dizer oi.

Ele usava um casaco verde que lembrava uma farda do exército e um jeans preto. Estava muito bonito, e acho que Leslie percebeu.

― Verne se arrumou todo. 'Tô de olho em vocês dois. — ela disse.

― Boa noite para você também, Less. ― ele riu

Kate conseguiu acender o fogo e veio contar vantagem sobre como ela era melhor que Verne, e dizer que não são só os homens que sabem acender uma fogueira.

As amigas de Oli estavam em um canto conversando, mas logo vieram nos cumprimentar também. Eram duas meninas, um pouco mais velhas que Oliver mas um pouco mais novas do que eu. Uma era alta, tinha cabelos pintados de rosa e se chamava Miranda. A outra era um pouco mais baixa, de cabelos curtos quase pretos e se chamava Christina. Oliver disse que eram um casal.

― Vocês dois são muito fofos juntos. ― falou Miranda ― Quero dizer… Vocês são um casal, né?

― Ah… A gente…

Christina chegou bem na hora, salvando nós dois do constrangimento máximos e abraçando Miranda por trás. Ela entregou uma garrafa de cerveja para a namorada.

— Aqui, sua cerveja. — e virando-se para nos completou — Oi gente. Prazer. Christina. — ela disse acenando.

— Leslie e esse é meu irmãozinho, Gordon. — Less falou acenando de volta.

— Então, vamos para o que importa. — Oliver disse esfregando as mãos — Gordon, trouxe a encomenda?

— Óbvio. — disse levantando a sacola de marshmallows e entregando para ele.

— Perfeito!

As meninas foram caminhando em direção à umas cadeiras e um banco que tinha sido arrumado para ficar em volta da fogueira.

Fui andando devagar com Verne do meu lado. Não esperávamos a menina dizer aquilo, não estávamos preparados para aqui ainda, pelo visto.

— Foi bom o treino com o seu pai?

— Ah, foi ... normal. — ele disse dando de ombros. — E você? Fez o que?

Não queria dizer que estava jogando um jogo on-line porque o Verne era um cara descolado e eu não queria pagar de "nerd gordo que morre solteiro" por enquanto, já que eu sabia que aquele era meu futuro, então só respondi algo que eu de fato deveria estar fazendo

— Ah, fiquei estudando.

— Entendi. Meio entediante não?

— Nem tanto.

— Queria ter estado livre para te levar pra fazer alguma coisa legal. — ele disse me olhando.

— Sem problema, fica para próxima.

Não sentamos perto. Deixamos Kate e Leslie sentarem entre nós. Não queríamos mostrar ainda paras pessoas, apesar de todos ali já saberem. Estávamos naquela fase tímida, de ter vergonha de se assumir para os amigos. Queríamos algo mais nosso, mais íntimo, sei lá.

Kate levou o violão dela, e acabamos fazendo um som bem legal, já que a Miranda sabia cantar muito bem, e juntando a voz dela com a da Kate ficou um dueto fofo.

Só que ela teve que ir embora. Parece que ela e a namorada iriam viajar no dia seguinte e elas precisavam arrumar as malas ainda.

Nos despedimos e ficamos conversando. Oliver ficou contando diversos casos dele, de confusões que ele aprontava quando era pequeno.

Já poderia imaginar que Leslie não ia deixar passar também nossas "aventuras" e foi bem legal ouvir tudo, relembrando o passado numa forma nostálgica, mas sendo uma nostalgia boa.

Oliver se levantou para pegar mais marshmallows.

— Ih, os marshmallows acabaram. — Oliver disse, enquanto olhava no pacote se tinha mais algum.

— Mentira, sério? A gente matou todos eles? — Leslie disse correndo em sua direção para ver se era verdade mesmo.

— Aham. — Oliver falou, achando o último que sobrara e colocando na boca.

— Então vamos comprar mais. — Kate disse se levantando. — Porque ainda está cedo para gente ir para casa. Vamos comprar mais uns dois sacos, que eu acho que dá.

— Três. Não se esqueçam que eu gosto de doce. — Oliver disse olhando para mim e para o Verne e nós começamos a rir.

— Três é exagero, Oliver, dois dá.

— Dá, sei. Aí mal comemos os dois pacotes e descobrimos que acabou, que nem aconteceu agora né? É melhor três.

— As meninas não estão mais aqui, Oli! — Kate falou.

— Eu vou lá comprar. — Leslie disse olhando para mim.

Eu entendi o que ela queria. Tirei as chaves do carro do bolso e joguei em sua direção. Ela pegou enquanto elas ainda estavam no ar.

— Menino esperto. — ela disse piscando pra mim.

— Eu vou com você. — Kate falou. — Não estou afim de ficar ouvindo papo de garoto.

— Eu vou também. — Oliver disse.

— Por quê? — Kate perguntou com uma de suas sobrancelhas levantadas.

— Porque eu quero comprar três sacos de marsmallows.

— Não precisa de três sacos, Oliver! — Kate disse estressada

— Já disse, eu vou com vocês, e eu vou trazer os meus três sacos.

— ‘Tá, ‘tá ‘tá, agora vamos logo que eu ‘tô com fome — Leslie falou indo em direção ao carro enquanto os outros dois seguiam atrás discutindo.

Ficamos só eu e Verne, o que já esperávamos.

— Acho que eles ainda têm que trabalhar um pouco mais nisso sabe, serem mais discretos. — Verne disse olhando para o carro que se afastava aos poucos.

— Ah, mas dessa vez foi bem convincente esse teatrinho. A comida de fato acabou, o Oliver é tarado por açúcar...

— Sim. — Verne disse e começou a rir.

Não sabia quanto tempo eles iriam demorar, mas provavelmente não seria muito, para não parecer mais óbvio do que já estava.

Estávamos sentados um perto do outro agora, mas não o suficiente para nossas mãos se tocarem. Verne segurava um graveto e o colocava no fogo constantemente, brincando com algumas fagulhas.

— A Kate toca violão muito bem.

— Ah, é. Ela gostava de tocar e cantar desde pequena. Nós brincávamos que tínhamos uma banda, e ela era a estrela principal.

— E você era quem?

— Eu? Ela me punha como responsável por carregava os equipamentos. — ele disse.

Começamos a rir. Verne parou de olhar para a fogueira e olhou para mim.

— Vem para cá. — eu disse e ele levantou e se sentou ao meu lado.

Olhamos para o céu.

Estava bonito. Era uma daquelas noites que o céu está limpo e se você está em algum lugar afastado da cidade você consegue ver as estrelas.

Estávamos na cidade no caso, mas mesmo assim, as luzes da cidade colaboravam pois estava dando para ver bem as constelações.

A noite estava esfriando com o passar das horas, provavelmente porque o céu estava sem nuvens, mas era até melhor, fazia mais sentido comer marshmallows no frio.

— Sabe — ele disse — esse parece um daqueles típicos momentos de filme que o casal principal olha para as estrelas e eles começam a falar sobre as constelações e os astros.

— Sim, parece.

— É ... o único problema é que eu não sei nada sobre isso.

Eu ri, e ele também.

— Você não é o único. Eu também não sei. — falei. — Para mim são só pontinhos brilhantes. Gostaria muito de encontrar aquelas figuras, os signos, mas não faço ideia de como localizar isso.

— Signo também é outra coisa que eu não sei.

— Poxa, Verne! Então eu não vou poder saber se nossos signos combinam?

Começamos a rir de novo, até pararmos e ouvirmos o barulho da fogueira crepitando.

— Se bem que eu acho que eu sei de alguma coisa. — disse me lembrando de algo.

— De signo?

— Não, das estrelas.

— Ah.

— Mas é meio óbvio, então não conta.

— Ah, fala, vai.

— Eu sei que essas estrelas que vemos agora, só conseguimos enxergar o céu cheio de estrelas porque elas mandaram sua luz a anos atrás. Tipo, Verne sabe o significado de anos-luz?

— Sim, é a quantidade de anos que uma luz demora para chegar ao seu destino.

— Sim, mas já parou para pensar nisso? Já parou para pensar que, elas ficam mais longe que isso, mas hipoteticamente se uma estrela está a quatro anos luz e estamos enxergando sua luz agora é porque a quatro anos atrás ela emitiu esses raios? A quatro anos que esses raios estão percorrendo o espaço para chegarem aqui? Quatro anos para podermos ver isso só agora? Olha o tanto de coisa que acontece em quatro anos, quantas coisas mudam, e nesse espaço de tempo essa luz estava sendo emitida para chegar aqui só agora.

— Se alguns meses mudam muitas coisas, quem dirá quatro anos. — Verne disse, sem tirar os olhos do céu

— Exatamente! — eu disse, ainda empolgado com o fato dele ter entendido o que eu queria dizer, e só depois eu percebi o verdadeiro sentido daquela frase.

— Então nesse exato momento alguma luz está sendo emitida de alguma estrela e só vamos ver essa luz daqui a quatro anos?— Verne disse voltando ao assunto.

— Ou mais.

— Então, — ele disse se virando para mim — se eu te beijar agora elas vão guardar nosso segredo por quatro anos?

— Ou mais.

Verne sorriu, e eu adorava aqueles sorrisinhos que ele dava toda vez antes de me beijar. Eram involuntários, como se os seus músculos da face não obedecessem a comandos específicos e, sim, sentimentos.

Nossas bocas estavam grudentas, e os lábios de Verne ainda estavam quentes.

E foi bom ficar ali, até ouvirmos os barulhos dos pneus, e voltarmos para nossas posições anteriores, como se nada tivesse acontecido.

É óbvio que eles iriam suspeitar que tinha acontecido alguma coisa, mas eles jamais teriam certeza, pois os únicos que nos viram nos beijando iriam guardar nosso segredo por quatro anos.

Ou mais.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E, finalmente, a surpresa: criamos um snapchat para interagir com vocês! Adcionem a gente: vergo03



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Vergo" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.