Pequena Loja de excentricidades do Senhor Tusspoth escrita por Lari B Haven


Capítulo 1
Entre e seja bem vindo.


Notas iniciais do capítulo

Olá, espero que goste do meus mais novo mundinho. Catherine vai te mostrar tudo, não fique acanhado, você acabou de chegar e espero que se sinta confortável. Você acaba de chegar a loja... Mas não espere antiguidades comuns, então não se assuste com esqueletos e coisas macabras como tesouros amaldiçoados.



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Nada como caminhar nas ruas de Londres por mais um dia. Jogo as chaves da loja para cima e para baixo enquanto desço pelas ruas do meu bairro. Eu sinto que meu trabalho vai ser bem interessante. Como se nunca fosse. Trabalhar com antiguidades já é algo interessante, trabalhar com antiguidades bizarras é mais ainda. Eu sinto que vou encontrar alguem hoje...

Me pergunto quem é você, já quase atravessando as ruas laterais da feira municipal. Sim... Sempre tem um "você". Você é a pessoa que vem até a loja e procura por algo que pode servir para o bem ou para o mal. Meu trabalho é identificar o que você quer. As vezes eu vendo para o mal, na verdade eu quase sempre sou obrigada a vender para o mal. Mas eu não vendo quando percebo que vai causar muito estrago.

Abro a loja, sempre espremida nos mesmos dois prédios. Ainda tenho que checar o estoque antes de abrir. O senhor T. desce as escadas e me abraça, aquele velho sacana.

—Bom dia minha linda Catherine! Que majestosa manhã!

—Bom dia senhor Tusspoth!

Sr.Tusspoth é um homem estranho. É todo meio felino, seu riso, o modo de falar, seu incrível bigode de Salvador Dalí que aparecia e desaparecia o tempo todo, o modo como andava e até seus olhos: verdes-amarelados espertos e curiosos. Sua casinha londrina em um prédio antigo em cima da loja é um universo a parte. Ele ainda tem muitos livros que nem vende nem lê, coleciona, mas me empresta as vezes. Ama ler livros japoneses, como o de um escritor chamado Murakami. Mas isso não importa agora. Eu precisava abrir a loja enquanto respirava o ar gélido daquela manhã. Logo se tornaria um calor infernal assim que a loja passasse pelos trópicos como sempre fazia aquela hora da manhã. Eu não entendi como isso funcionava, mas as vezes eu abria a porta para tomar um café ou fumar, e tinha que tirar duas ou três peças de roupa por que parei no Brasil sem explicação nenhuma. Meus amigos sempre estranharam, como as vezes eu aparecia bronzeada em pleno inverno... Afinal, Londres não tem muito sol. Eu lhes conto historias maravilhosas deste lugar, mas eles sempre acham que eu só estou inventando, por que alem de tudo sou uma artista, pinto quadros. Já fiz dois ou três retratos dele, sempre de seu jeito felino. Ele diz que ama o jeito que meu cabelo colorido, parece com os das aves de seu país. E sempre me pede para colocar outra cor em seus cabelos, apesar de eu gostar de serem de um cinza escuro com mechas prateadas.

O mais interessante é como ele recebeu o nome de Tusspoth. Ele tem duas pintas redondas e pretas, uma de cada lado do rosto.E quando chegou ao meu país seu nome era indizível. Uma criança olhou para seu rosto e gritou: “Duas pintas Mamãe! Esse senhor tem duas pintas!”. Pintas em inglês, são “beauty spots”. E como são duas lógico que a criança gritou o mais fácil: “Two Spots!”. Ele ainda não entendia direito o vocabulário local, e repetiu a pronuncia enrolada da criança assim que a mãe perguntou seu nome: “Tuss poth?”, o que fez a mãe acreditar que seu nome era Tusspoth. Ele realmente gostou da sonoridade e se deu o sobrenome de Tusspoth. Eu ainda não sei seu primeiro nome batizado, ou seu nome real, mas acredito que um dia eu ainda vá saber...

Era muito estranho o tal Senhor Tusspoth e seus livros. Aquele velho tinha uma disposição espantosa para limpá-los. Assim tão alto, nem parecia ter mais 2.500 anos de idade. Aquele homem felino e suas manias. Assim que abro o caixa ele aparece espanando o local.

—Quantos livros já leu sua vida sr.T?

—Quantos livros existem?-ele salta para o chão com o espanador na mão.

—Mais que eu possa contar sr.T.São bilhões de livros.

—Então já li metade disso.-ele réplica.
Ele pega um produto de limpeza e borrifa em uma flanela.

—Hey! Esse é o meu trabalho Sr.T! Eu limpo os amuletos e urnas funerárias! -o interrompo na primeira esfregadela em uma lâmpada amaldiçoada.

—Certas coisas precisam de energias novas. -ele suspirou.

Apenas sorri e continuei a contar as safiras no cofre antes de vivar a placa de abrir.

A loja era um paraíso bizarro a parte. Tinha livro de feitiços e livros infantis em línguas mortas ou existentes no que ele chama de seu país. Bestiários de vários volumes e línguas. Armas de caça de animais desconhecidos como "o grande Tigrurso marrom das florestas de Chavengueder" (Ele me falou sobre Tigrursos uma vez. Criaturas horrendas de maus modos que não são nem um pouco civilizadas. Tem mais de 8 metros em pé, pesam quase um elefante, cheio de pelos grossos pelo corpo e não usam calças ou casaco. Só entendem fúria e destruição. Ele nunca me disse onde fica Chavengueder, mas disse ser um fiorde no país onde ele vive.), varinhas de condão e outras bugigangas amaldiçoadas.
Asas de morcegos decoram a entrada, vinhos com nomes de Sangria do Empresário Corrupto, enchiam o freezer. Coisas inanimadas que ganham vida com um toque são o que mais se tem. Coisas para se proteger do mundo que se abre na entrada do fundo que o leva ao seu país e para proteger me do mundo em que vivo. sr.T sempre me instruiu muito bem para lidar com cada cliente que aparece. Lembro da primeira vez que vim para trabalhar com os clientes de seu país.

—Catherine meu anjo, todas as pessoas que entram pela porta dos fundos querem algo que você tem por natureza. Você não os vê pela sua forma real, pois aqui tem uma magia que impede isso, mas fique atenta a brilhos vermelhos nos olhos, se isto acontecer aperte o botão azul no balcão. Se não conseguir, grite o mais alto que puder e eu virei… -ele respira fundo- Quando isso acontecer, vai ver meu eu verdadeiro, quero que feche bens os olhos e não olhe. Nem fuja de forma alguma, as pessoas do meu país são rudes com fugitivos.

—Mas sr.T, o que eu poderia ter para eles? Eu sou só uma simples humana...

Ele geralmente sairia sem me responder, mas desta vez ele me olhou duro e eu senti medo. Foi ai que eu lembrei que ele não era totalmente humano e entendi o que ele queria dizer. Ainda me lembro de me sentir horrivelmente invadida na visita dos homens morcegos de Saintemarine (outro local do país dele). Naquele dia apesar de estar 45 oC graus lá foram eu usei cachecol o tempo todo. Eu morri de medo por varias horas enquanto eles me pediam para ver os vinhos. Seus olhos prateados sempre se miravam para o meu pescoço. Mas graças a força superior que governa este universo -e espero que o outro atrás da porta- nada jamais aconteceu.

O legal da loja é a centralização. Por fora parece apertada, pequena, espremida entre as casas da região, por dentro ampla, meu balcão bem no meio de tudo, circular e cheio de coisas pequenas, as outras coisas estavam espalhadas pela loja com suas configurações curiosas, toda vez que acordo, as únicas coisas que estão no lugar é o balcão, as portas, o paradouro do meu casaco e o resto, os produtos, as ervas, amuletos e relicários. Tudo mudou de lugar. Tudo perfeitamente encaixado em uma loja de estilo steampunk inglês.

Eu me lembro da primeira vez que adentrei a loja. Tinha algo de mistério naquele lugar... Tudo lá cheirava místico, literalmente: canela, almíscar, lírio, maçã com mel e ferro fundido com fumaça, passado com futuro no mesmo ambiente. Amava a atmosfera steampunk. Eu me lembro de já colocar meu avental e amarrar o cabelo o senhor T começava a me apresentar as peculiaridades do local. Gostava da porta amarela da entrada da frente, humanos iam e vinham e eu procurava algo para eles. A porta vermelha dos fundos onde o senhor Tusspoth recebia seus clientes do seu país.Já teve vezes que vislumbrava entrar na porta vermelha, mas nunca me passou pela cabeça trair o senhor T. Realmente era um lugar maravilhoso. Mudava as coisas de lugar e onde eu recebia dinheiro do mundo todo, como diamantes e talismãs na forma de pagamento. As vezes variava: Recebia diamantes de garimpeiros do Brasil, libras de gente do outro país... Lá era uma casa de câmbio multi-universal. Demorei seis meses para aprender a fazer o câmbio automático de libras para diamante e diamantes talismãs. Para outros eu uso calculadoras, todos os dias atualizo a cotação de cada moeda estrangeira para fazer os cálculos.

Senhor Tusspoth vive no telhado de sua loja e casa. Sei disso por que as vezes o ouço tocar violino de lá e ouço seus passos de gato. A casa do sr.T parece uma continuação da loja. Só estive lá duas ou três vezes para carregar caixas de produtos estranhos para a loja. Raramente sai ou tira férias. Quando comecei aqui ele mal me deixava sozinha na loja, pois as vezes tinha medo de certos tipos de clientes. Mas agora ele é mais relaxado. Tem uma noite por ano em que ele sai, e quando faz isso volta muito mais feliz e felino. Ele deita sua cartola no paradouro e as vezes faz música sair do nada e dança no meio da loja, na maioria das vezes me puxa para fazer o mesmo. Isso é quando em alguma parte do mundo a lua sangrenta surge. Nesse dia nunca recebo clientes do seu país, por que é para lá que ele vai. Tranca a porta e ninguém vem me incomodar.

O som do violino que vem das escadas de novo, ele subiu dançando. Adoro quando ele toca. As vezes ele dança e toca, me pergunto se aquela história da mamãe gansa foi inspirada nele*...

Nessa hora me vem a lembrança instantânea do meu primeiro dia na loja:

Eu era mais uma jovem estupida de 17 anos que saiu de casa para viver de arte enquanto estudava arte. A família é claro abominou a ideia, mas lá estava eu vivendo o meu sonho, num apartamento insalubre e com nenhum emprego em mente. O dinheiro que eu tinha só ia dar para mais alguns dias, e meus quadros ainda não tinha muito valor de mercado, já que eu era só uma estudante sem agente. Eu não ia durar meio mês nas ruas de Londres e os empregos em boutiques Punks estavam lotados, livrarias não me contrataram pelo meu cabelo colorido, e ser caixa de supermercado não era uma opção. Então quando eu achei que era meu fim, um panfleto pequeno saiu voando até meu rosto: “Pequena Loja de Excentricidades do Senhor Tusspoth, precisamos de atendente, não é necessária experiência ou currículo, apenas apresentar este panfleto no endereço indicado e fazer a entrevista.”. Eu na época não notei nada estranho, já que tudo parecia bom demais para ser verdade. Mas como eu estava sem muitas opções corri na mesma hora ignorando todo o resto. Eu bati na porta e ele demorou três minutos para atender. Eu entrei e me apresentei:

—Boa tarde, eu sou Catherine Batisp Debouis. -ele fez sinal para eu entrar e tirou a cartola.

Eu mal reparei em sua vestimenta, já que eu juro que ele estava com uma roupa que parecia ter saído da era vitoriana. Senhor Tusspoth já era muito gentil, logo de inicio me perguntou se eu iria querer chá. Logo a senhora que trabalhava lá na época me serviu e nós sentamos em um sofá que na época ficava atrás de uma porta que curiosamente deixou de existir no dia seguinte.

—Se a senhorita quiser trabalhar aqui eu tenho poucos requisitos que eu não citei que deve aceitar.

—Aceitarei com o maior prazer, dependendo do que for. -já pensei que um senhor tão distinto ia me condenar pela cor laranja berrante do meu cabelo, ou pelas tatuagens na pele. Mas ao mesmo tempo imaginei que não seria isso, já que era um antiquário de coisas não tão usuais.

—Tenho apenas uma regra, o resto eu lhe ensinarei no caminho, não atravesse a porta dos fundos, muitos clientes meus entram por lá. Mas você mesmo não atravesse a porta. -ele diz com olhos duros e nada gentis como de minutos atrás.

Eu concordo com a cabeça e ele abre um sorriso que quase me faz esquecer o medo de minutos atrás me diz para aparecer no outro dia bem cedo, me entrega as chaves da loja e diz para abri-la todas as manhãs.

E desde então a minha vida tem sido muito mais engraçada ao lado do homem-gato que é o senhor Tusspoth.

Senhor Tusspoth disse que um dia ainda vou visitar seu país. Acho difícil que aquele velhote levante a bunda de sua sala de estar e viaje com sua empregada.
Eu tenho medo de um dia ele realmente me levar ao seu país. Nesse dia eu sei que vou deixar de trabalhar aqui. Não sei por que, mas sinto que quando isso acontecer, meu mundo vai perder a cor. Ele já me advertiu tanto sobre seus habitantes, tanto sobre como eles podem ser perigosos e fantásticos, que mesmo com medo me da vontade de ir. Se isso acontecer acho que vai ser quando nos despediremos, então outra jovem moça vira e eu a advertirei sobre a loja. Por que não tem nada mais excêntrico que “A Pequena Loja de Excentricidades do senhor Tusspoth.” E nada mais curioso também. Por isso agora que o sino tocou e vejo você entrando pela porta, sei que procura por algo... Ainda não sei o que é, espero que sua reação me diga.

Então entre meu pequeno cliente humano... Entre e seja bem vindo!


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Notas finais do capítulo

*Conjunto de histórias para dormir em formas de poemas e músicas. As historias foram reunidas por Charles Perrault no livro "Os contos da mamãe ganso"
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Obrigado por ler até aqui. Espero que nos encontremos em breve, para mais um dia na loja.
Comentem se gostarem.