Aftermath escrita por IgorPaulino


Capítulo 8
Estocolmo


Notas iniciais do capítulo

Olá, meu nome é Igor, e sou o criador do Aftermath. Este é meu projeto que venho desenvolvendo há meses, e pretendo engrandecê-lo e um dia expandí-lo pra outras plataformas (jogos, livros, produções audiovisuais). Agradeço aos que leram, e caso se interessarem pela trama poderão acompanhar também pelo blog, cujo link estará nas notas finais. Obrigado a todos, e boa leitura =)



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A última memória que eu tinha de minha mãe era de seu sorriso. Mesmo quando tudo estava perdido, ela vestia sua máscara e fingia estar tudo bem para eu não me assustar. Aquilo não era vida pra ninguém, e era isso que minha mãe fazia: ela não vivia. Era como se nada daquilo fosse real, e continuaríamos assim até que conseguíssemos nossa liberdade, e só então viveríamos de novo.

Eu a via agora; seu rosto era parecidíssimo com o meu. Os mesmos olhos, o mesmo cabelo, a mesma pele... Não sabia se era minha mãe ou um espelho. O fato é que eu me via nela. Via o resquício de felicidade onde já não havia como crescer. Via um milagre, ou a necessidade de um.

A escuridão nos cercava, e era fria como gelo, sem vida. Era meu mundo, um enorme vazio com nada além de minha mãe. Me recusava a ver qualquer coisa além dela.

–Evangeline – ela disse, como se me reencontrasse depois de décadas – Você está tão bonita. Está limpa e de roupas novas... E esses cachos tão lindos...

–Obrigada, mãe. Meus novos amigos me deram as roupas. Disseram pra eu alisar o cabelo, mas não tive coragem... Eu gosto dos meus cachos, me lembram você.

–Seus amigos são legais com você, querida?

–Sim. Eles fazem eu me sentir segura. Igual você, mãe. Você sempre me acalmava quando aqueles terroristas me assustavam.

–Eu te disse, não disse? Tudo ficou bem.

–Nem tudo. Você não sobreviveu, mãe. Eu não consegui te salvar... Eu devia ter feito algo...

–Não se preocupe, querida. A minha hora chegou, e isso acontece com todo mundo. O que você tem que fazer é sobreviver. Faça isso por mim, minha filha. Viva e seja feliz. Ajude quem precisar de ajuda, proteja quem você ama. Diga-os que vai ficar tudo bem, assim como lhe ensinei.

Do meio da escuridão, passos começaram a ecoar em meus ouvidos. Eram vários, e se aproximavam rápido.

–O que está acontecendo, mãe?

–Tudo vai ficar bem, filha – ela repetiu.

Os terroristas surgiram do breu, muitos, tantos que não conseguia contar. Eles pegaram minha mãe pelos braços e puxavam-na de volta para a escuridão.

–Não! Mãe! De novo não! Deixem ela em paz! – eu gritava, mas minha voz não parecia sair.

–Tudo vai ficar bem – ela disse, antes de desaparecer.

Agora estava sozinha novamente. Meu pequeno mundo frio e escuro desabava: ouvia explosões, tiros, gritos, mas não via nada. A poluição sonora infernal era ensurdecedora. Minha cabeça rodava e doía, e eu me encolhi de olhos fechados e mãos tapando os ouvidos. “Tudo vai ficar bem”, repeti. “Viva. Sobreviva. Seja feliz.”

Os barulhos sumiram quando senti mãos apoiadas nos meus ombros. Levantei a cabeça, e lá estavam meus amigos. Luke, à minha esquerda, dizia:

–Já passou, Eva. Tudo ficou bem. Somos seus novos amigos.

Isaac, à direita:

–As pessoas superam traumas. Eu vou te ajudar a conviver com isso, e nós vamos superar essa tragédia juntos.

A escuridão se dissipava. O céu azul se abria, com um brilhante sol que iluminava toda a vastidão do campo, onde a vegetação dançava ao som do vento. Tudo estava tão calmo que eu podia ouvir meus pensamentos como se estivesse falando. Em Luke eu via segurança em estar protegida, e em Isaac eu via a superação dos meus problemas.

...

Levantei, zonza, do chão frio de concreto. Minha cabeça doía, e um fio de sangue escorreu da minha testa. Limpei-o com a mão e sentei, olhando ao meu redor. Era um quarto pequeno, com paredes de metal brancas, que de certa forma me lembravam a cela onde cresci. Meus medos voltaram todos de uma vez, e me faltou o ar. Respirei fundo, tentando controlar minha agitação, e consegui me conter. Será que estou no acampamento terrorista? E se tudo tiver sido um sonho? Meus amigos talvez não sejam reais... Devo ter enlouquecido quando minha mãe foi morta...

Me levantei, e notei que a porta estava aberta. Eu a abri, e seu ranger era como um grito de dor. Cambaleava para os lados, ainda tonta com a concussão na cabeça. O chão cinza fora pintado um aviso em branco: “corra”. Apertei os olhos para enxergar o final do corredor, que era iluminado por lâmpadas fraquíssimas, e vários artigos metálicos estavam espalhados pelas paredes e chão. Grades, correntes, barras de encanamento, e mais outros itens de porcelana. Algumas luzes piscavam, e notei que as paredes próximas a mim estavam completamente preenchidas com outros “corra”.

As paredes gritavam: “corra, corra, corra”, aquilo parecia ecoar na minha cabeça. “Corra, viva, sobreviva”.

E foi o que eu fiz. Corri pelo corredor escuro, aos tropeços. Se saísse dali poderia sobreviver. O corredor terminou em uma bifurcação, e cada caminho levava a mais bifurcações. Corri para um lado qualquer, depois outro, e outro, até que tive de parar para respirar.

Foi quando ouvi um som de metal arrastando no chão. Atrás de mim, surgiu um homem de máscara arrastando um grande martelo. Ele vinha devagar, e eu corri sem olhar para trás. Saindo por um corredor, entrando em outro, desviando de grades, acabei dando de cara com outros dois: um tinha um machado de mão, e o outro girava uma corrente no ar. Corri novamente, despistando os dois que caminhavam com calma. Encostei na parede, e pensei “viva, sobreviva”. “Não desista, Evangeline”, ouvia minha mãe dizer.

Tinha de enfrentá-los. Era ótimo ter amigos para me ajudar, mas eu não posso depender deles. Preciso ser forte eu mesma, e garantir minha própria segurança. E é assim que serei daqui pra frente. Vou sobreviver, por mim e por aqueles que me amam. Chega de fugir, é preciso enfrentar.

Caminhei devagar pelos corredores, apenas ouvindo o tilintar de correntes se aproximando. Um dos mascarados se revelou. Estava escondido por uma máscara de couro com zíper na vertical, e vestia uma justa camisa de manga longa branca, com calças jeans. Ele tentou me chicotear com a corrente, mas desviei e ele acertou o ar. Enquanto ele puxava a corrente de volta, corri até ele e segurei-o pelo pescoço e decompus o couro da máscara junto com sua pele. Seu grito de agonia foi abafado pela máscara, e quando o soltei ele caiu no chão com uma deformidade horrível desde o início do peito até o queixo.

Continuei andando, e me deparei com o de machado. Diferente dos outros, ele correu na minha direção, com o machado no alto pronto pra atacar. Dei uma investida pouco antes de ele chegar em mim, e pus o pé em sua frente segurando o braço armado, catapultando-o por cima de mim até o chão. Tomei o machado, e pisando em seu peito ataquei-lhe a cabeça, mas ele tinha um capacete em forma de touro que o protegeu. Ele me socou no queixo, e no mesmo instante caí no chão. Ele subiu em cima de mim tentando puxar o machado de volta, mas eu o segurava firme. Segurei seu braço e o dissolvi com minha mão, e seu grito de dor correu por todo o labirinto. A pele se desprendia do osso, e ele se jogou pra trás. Ainda segurando seu braço, pisei em seu osso exposto, partindo o antebraço ao meio. Sua mão era como uma adaga de suas lâminas, e cravei os ossos em seu peito.

Notei que o homem de martelo estava ali, talvez a bastante tempo, e com ele haviam mais cinco. “Ela é o demônio”, ouvi um deles dizer. Saí correndo pelos corredores, e eles vieram atrás. Cheguei em um beco sem saída, e os seis me fecharam. Eram máscaras demais pra pouca luz, e eu já não enxergava muito mais que sombras empunhando armas. Um com uma maça, um com um cano de ferro, um de machete e dois de martelo. Encostei na parede, esperando-os. Eles vieram confiantes, mas quando chegaram perto levantei o punho fechado devagar. Eles não entenderam, e até pareceram curiosos. Então abri a mão: uma granada tóxica explodiu e todos foram ao chão. Saí andando por cima deles, tossindo sangue uns nos outros.

Já não parecia haver mais nenhum sádico no labirinto. Encontrei uma escada, e a subi até sair na sala de uma velha casa. Estava de noite, e havia confusão do lado de fora. A entrada da casa estava em chamas, então corri para a porta dos fundos afim de evitar mais confrontos. Havia uma floresta atrás da casa, e não pensei duas vezes em fugir por lá.

...

O sol já havia nascido quando alcancei o fim da floresta. Estava frente a frente com uma colina cortada por uma rodovia, e ao longo de seu vasto gramado haviam vários cadáveres. Me aproximei, e os corpos estavam vestidos com verdadeiras armaduras de couro, algumas com placas de ferro servindo de proteção pesada. As moscas já começavam a rodear o mau-cheiro, quando ouvi alguém gritar:

–Ei, você! Moça! – um homem, de armadura de couro, caminhava entre os mortos. Era branco, embora estivesse corado como um morango e pintalgado de sangue. Tinha um penteado loiro muito extravagante, uma mistura de moicano com rabo-de-cavalo. Seus olhos penetrantes eram de um azul mais claro que o céu mais bonito que já vira. – Por favor, não se assuste. Você está perdida?

–Sim – eu disse, mas me arrependi de ter respondido. Ele poderia ser má pessoa.

–Meu nome é Ingvarr. Você está sozinha?

–Tenho amigos comigo.

–E onde estão?

Fiquei em silêncio.

–Entendo. Se perdeu deles. Vivi aqui na antiga República Tcheca por alguns anos na minha juventude. Posso te ajudar a encontrá-los, se me ajudar em troca.

–O que você quer?

–Estou reunindo um exército. Meu povo está sendo atacado, e precisamos nos proteger. Talvez se seus amigos souberem manusear armas, ou melhor ainda, se tiverem armas de fogo...

–Sem problemas. – eu disse, sem realmente ser sincera. Uma vez que estivesse de volta com Luke e Isaac, nada mais importava. Podíamos até nos virar contra esse estranho. – Nós podemos lutar.

–Ótimo. Aliás, qual o seu nome mesmo?

–Evangeline.

–Evangeline... Lindo nome. “Aquela que traz boas notícias”. Creio que seja latim. Bom Evangeline, tem algum lugar que seus amigos possam estar?

–Tem uma cidade, Landshut... Estávamos lá antes de nos separarmos.

–Posso te levar até lá. Aliás – Ingvarr assobiou, e um cavalo bege surgiu trotando até ele. – Este é Yorhonhaz. Ele é quem nos levará.

Montei no cavalo atrás de Ingvarr, e cavalgamos pela estrada.

–Então – falei. – Quem eram aqueles mortos na colina?

–Templários. Bom, longa história. Resumindo, depois que Thanatos apareceu formou-se uma inquisição, os Templários. São cristãos tentando purificar a humanidade, matando os hereges. A maioria morava no Vaticano, e se instalaram lá mesmo. Também ouvi falar de uma vertente do islã que tá crescendo muito na Síria, e os caras parecem perigosos. Mas parece que os Templários preferem atacar meu pacífico povo do que um grupo terrorista maluco.

–Quem é seu povo?

–Vikings – ele disse. – Os últimos, até onde eu sei. Eu sou jarl de Bornholm, uma ilha ao sul da Suécia.

–Vikings? Já ouvi falar de vocês, então. – minha mãe havia me contado histórias sobre eles. – Mas não sabia que existiam até hoje.

–Já não somos os mesmos há várias gerações. Não há mais saques e nem guerras, como eu disse, somos pacíficos agora. Mas os cristãos parecem não se importar.

Enxergamos no céu uma grossa fumaça cinzenta, atrás da floresta por onde fugi. Lembrei-me que se tratava da casa em chamas, que agora devia estar aos pedaços.

–Vê aquilo? – Ingvarr perguntou. – Parece que teve um grande incêndio.

–Dê a volta – eu disse. Temia voltar para aquele lugar macabro, onde os mascarados me prenderam. Posso me garantir no combate caso me reconheçam, mas se Ingvarr morrer perco minha chance de encontrar Isaac e Luke.

–Não há outro caminho. Vamos ter de passar por ali.

A paisagem ia revelando a destruição. O fogo se espalhou pelo gramado até outras casas próximas, mas estas não sofreram tanto quanto a primeira. O teto havia caído, e as paredes pela metade estavam completamente chamuscadas, assim como carros e motos em seu jardim. Apenas um ou outro teve a sorte de estar longe o suficiente das chamas, e um destes me chamou a atenção.

–Espera, pare o cavalo!

Yorhonraz parou para que eu descesse, e corri até o carro em questão. Era o sedan que Luke dirigia após sermos atacados na estrada. Meu coração acelerou, e olhei dentro do vidro: Luke dormia no banco de trás, mas nenhum sinal de Isaac. Bati forte no vidro, e gritei “Luke! Luke!”. Ele acordou assustado, e saiu do carro.

–Eva, por onde esteve? Estamos te procurando há dias! – ele parecia exausto. Seus olhos cheios de vida agora estavam doentes de cansaço.

–Cadê o Isaac?

–Naquele labirinto. Ele passou a noite te procurando.

Antes de Luke sequer terminar de falar, saí às pressas de volta ao labirinto. Isaac tinha que saber que eu estava bem. Prometi que superaria meus traumas com ele, então lá estava eu de volta ao labirinto. Dessa vez não me lembrei do acampamento terrorista. Andei sem medo pelos corredores, e chamando seu nome: “Isaac! Estou aqui!”. Virei várias esquinas, esbarrando nos objetos de metal, até que o vi olhando pra mim, aliviado. Andamos um na direção do outro, e paramos a meio metro de distância.

–Você se machucou? – ele disse.

–Não – cruzei os braços, desconsertada. – E você?

–Já estive melhor. Quer dizer, estou melhor agora – ele disse, enquanto levava a mão à nuca. Me aproximei e dei-lhe um abraço aliviado.

–Tive medo de perder minha família de novo. Você prometeu que ia me ajudar a superar. Me promete não se afastar de mim!

–Eu prometo – ele disse, me apertando contra si.

Saímos de volta ao jardim queimado, e caminhamos calados até o carro. Luke conversava com Ingvarr.

–Isaac – Luke disse. – Você tá legal?

–Estou bem. Quem é esse?

–Ele é Ingvarr, acredite ou não, um rei viking. Quem ia imaginar que ainda existiam?

–Sério? E o que ele faz aqui?

–Ele me trouxe de volta – falei. – Eu fugi à noite, pra longe do incêndio.

–É, aquilo foi coisa minha – Luke falou. – Desculpe por isso.

–O importante é que estamos todos juntos – Isaac disse. – Ingvarr, muito obrigado. Se não fosse por você, talvez nunca veríamos Eva de novo. Se tiver qualquer coisa que pudermos fazer pra recompensá-lo, é só dizer.

–Na verdade tem – Ingvarr disse, enquanto puxava Yoronhaz. – Preciso de ajuda pra proteger meu povo contra os Templários. Estamos sendo atacados e já não temos tantas defesas como antes.

–Você ajudou minha família. Eu ajudarei a sua – Isaac falou, dando um passo à frente. – Ficarei feliz em lhe acompanhar em batalha.


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Notas finais do capítulo

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Novos capítulos deverão sair semanalmente, não percam o próximo =)



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