Tempo escrita por GabiLavigne


Capítulo 2
2015


Notas iniciais do capítulo

E um ano se passou, finalmente iremos ver o ponto de vista da 2015 ♥



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Creio que no primeiro momento eu não estive ciente.

Talvez meus olhos estivessem cegados pela grandiosidade que eu esperava alcançar executando tal tarefa. Carregando tal fardo. A alegria e antecipação que preencheram o meu coração, ocultaram por completo a escuridão por trás dessa responsabilidade. Na verdade, o provável é que desde o inicio eu já soubesse.

Não posso simplesmente me fazer de vítima das circunstâncias, quando eu mesma vi a expressão infeliz dele. Ah, pensar naqueles poucos instantes com ele, me traz à tona uma sensação angustiante que não pretendo conservar.

O fato é que eu fui escolhida. Me deram a chance de carregar o mundo em meus ombros. Apenas isso. Ainda assim, eu fui mais longe ao pensar que poderia muda-lo. Fui preparada para isso.

Sinto que ele, que me entregou o fardo, desejava poupar-me do verdadeiro sofrimento que se esconde por trás dessa posição. Apenas agora posso compreender a dor que vi em seus olhos, quando ele se inclinou em minha direção. A tristeza em seu sorriso, cujos lábios tocaram os meus.

Mesmo que eu tivesse notado, não creio que haveria preparação real para o que estava em frente de qualquer forma.

Fecho os meus olhos com pesar. Passo pela mente o que fiz pelo mundo com o tempo que me foi dado.

Nada.

Eu não pude fazer nada.

Outra vez as lágrimas indesejadas escorrem de meus olhos.

O ano chora, penso comigo mesma. Quem sabe, se eu soubesse que meus esforços e esperanças eram inúteis desde o começo, teria sido mais fácil carregar a dor em meus ombros. A decepção. O desespero.

Respiro fundo e me recosto em algum canto, tentando ignorar o cansaço que pesa em meu corpo, devorando aos poucos o tempo que ainda tenho neste mundo.

Uma parte de mim se recusa a desistir.

Ela diz que ainda há tempo. Que eu ainda posso cumprir meus ideais. Que ainda posso mudar o mundo.

Porém isto não é verdade.

A vida não é algo tão doce, uma observação bem humana se me permite ressaltar.

Estou em meus momentos finais.

Essa é a realidade. Sempre foi. Todos os encarregados encerram suas vidas da mesma forma.

Mesmo se ainda houvesse tempo, nada iria se alterar. Minhas atitudes são inúteis. Só sirvo para carregar o tempo. Nada mais.

Os detalhes não são tratados comigo, apenas posso observar e torcer para que o tempo pelo qual sou responsável não seja pura tristeza.

Infelizmente, não se pode escapar da dor.

Lágrimas se formam e não as seguro.

Já posso chorar, já posso perecer.

Já posso descansar.

Sorrio por entre a mágoa acumulada em meu peito e penso nas dóceis palavras que eu costumava ouvir do ano anterior.

A promessa de que caso doesse, eu sempre poderia dividir a dor com ele.

Nunca pensei que pudesse encontrar conforto em meras palavras de alguém que se foi.

Como fora ele capaz de aturar esta dor excruciante sozinho? Posso dizer que ninguém tentou alertar-lhe sobre as falhas que temos de suportar.

A tristeza me corrompe amargamente.

Quando sinto que estou a fraquejar, o seu rosto é o único que me acalma.

Sim, sou amaldiçoada. Não realizei meus sonhos e apenas me acalmo com o rosto de um ser que se foi para a eternidade.

Sou feliz por ter lembrado de suas palavras. Por seus lábios terem entregado o fardo à mim e não à outra pessoa.

O tempo me escorre e percebo que está quase na minha hora.

O tempo de passar o sofrimento para outro encarregado.

Sem mais me afogar em inúmeros arrependimentos, aproximo-me da adorável criança que aguarda pelo futuro que já não me cabe. O novo encarregado é um garotinho.

Os vestígios de inocência que eu possuí, estão em suas feições.

Quando ele sorri, não consigo ignorar a fagulha de esperança que se acende em meu mais profundo interior. Está acabando para mim, mas não para o futuro que está sorrindo à minha frente, aguardando pelo fardo que não pude suportar.

Quero dizer-lhe que tudo que o aguarda é tristeza e impotência. Quero explicar-lhe a realidade antes de repassar minhas dores. Quero impedir falsas esperanças.

No entanto, bem no fundo, estou apenas torcendo para que ele faça um trabalho melhor do que eu. Que ele cuide do mundo que não pude salvar.

Sinto muito.

Ajoelho-me em frente ao garoto, para ficar próximo ao seu rosto. Outro sorriso resplandece em minha direção e por um segundo espanta para longe a raiva e a incerteza que as pessoas têm em relação à mim.

Aos que me odeiam, peço apenas que esperem. Logo irei embora.

Abro um sorriso firme e penso no único ser em que eu pude confiar. O único que eu desejo rever. É impossível. Não iremos nos encontrar após disso.

Ainda assim recuso abrir mão dessa única esperança.

Estou morrendo. Deixe-me ser feliz com tal ilusão.

Espero que possamos nos encontrar novamente e dividir nossa dor.

E é em seu beijo caloroso que penso, quando meus lábios beijam o novo encarregado na testa. Tento transpassar todo o amor, toda a felicidade acima de todas as sensações ruins.

Fogos estalam outra vez num céu vívido, representando os novos sonhos a serem realizados. Humanos festejam e me esquecem. Comemoram a chegada de um novo ano.

E esperam que dessa vez a dor não seja necessária.

Enquanto permito que eu me vá e o futuro fique nas mãos do novo encarregado, confesso.

É isso que espero também.


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Notas finais do capítulo

Mais uma vez chegando ao fim, será que 2014 e 2015 conseguiram se encontrar?



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