Há meses me preparo para o inevitável.

Na verdade sempre soube que esse dia chegaria. O dia em que eu me sentiria velho por dentro, o cansaço despencando a cada passo da longa caminhada que me atormenta. Ah, a inexistência desconcertante já carrega pedaços de mim há um bom tempo para preparar o ano seguinte para a sua tarefa.

Eu a vi nascer.

A próxima encarregada de ser o ano novo.

Ela é linda, assim como o amanhecer que ergueu-se a cada manhã de meus dias limitados. Em seus olhos floresce sempre o entusiasmo, a esperança de que em sua vez, o mundo finalmente mude. Quando nasci, também costumava pensar assim.

Aliás, como o tempo voa. Aqui estou eu em meus instantes finais e tudo que consigo sentir é a alegria das pessoas, a felicidade em me deixar finalmente para trás. Um ano que trouxe sofrimento, é o que dizem. Que talvez não tenha usado o tempo de maneira correta, acredite eu queria ter feito mais, porém para esses devaneios já é tarde. Eu fiz o que fui encarregado de fazer e isso basta, afinal esse é o único sentido.

Suspiro profundamente, já sentindo o sono impregnar meu interior. Sei que assim que eu fechar meus olhos e deixar tudo fluir de mim, estará acabado. Assim que eu beijar a face delicada da nova encarregada e passar para ela o fardo, partirei.

Indago-me quando o brilho em seu olhar se apagará. A dura realidade virá devorar suas esperanças e ela vai viver cada dia submissa ao medo, esperando que o tempo passe para que tudo isso acabe.

Para que ela não precise mais sofrer.

Eu passei por essa árdua fase, mas me parte o coração ter em mente que ela enfrentará isso também. Tudo que ela quer é mudar o mundo, realizar sonhos e promessas, mas infelizmente não funciona assim e esse foi o erro de todos nós. Pensar que poderíamos interferir no destino.

O que estávamos pensando afinal? Somos apenas aqueles que carregam o tempo, arrastando os instantes como um tapete atrás de nós durante os meses. Não cuidamos dos fatos, apenas de quando eles acontecem. É possível adiar o sofrimento, mas não evita-lo.

Mas eu a amo.

Eu sei que isso é algo irreal, mas é a verdade. É uma pequena certeza que me resta. Tudo que eu queria era sofrer um pouco mais, apenas para que ela não precise sofrer tão cedo. Eu queria apenas carregar um pouco mais das lágrimas, para que ela carregue mais sorrisos.

Mas meu tempo acabou. Está na hora dela.

Me serve de consolo saber que eu não estarei aqui para vê-la desabar. Quando a esperança abandona-lá e lágrimas frutos das falhas do mundo lhe escorrerem pelos olhos, eu não estarei aqui para ver.

Não podemos ficar juntos. Eu sei.

Não sei se ela me ama, mas eu a amo. Tanto que reduzi a esperança deste mês para que o primeiro mês dela seja repleto desse sentimento.

Já a vejo. O cabelo lhe escorre pelas costas e seus olhos bondosos me encontram. Com passos pesados e dolorosos caminho em sua direção.

Sinto a culpa me corroer por destruir sua pureza, pois todos nós somos isso no início. Iludidos que pensam possuir a capacidade de fazer a diferença.

Delicadamente toco suas mãos e forço-me a sorrir. Ver o seu sorriso vale a pena. É lastimável que seja a última vez que eu o veja com tanta intensidade.

Enquanto me aventuro em seus olhos infinitos, imagino possibilidades fúteis. Quem sabe quando ela dar o fardo para outro encarregado, a gente se encontre novamente em algum lugar? Quem sabe possamos dividir a tristeza de nossas falhas, a esperança de nossas conquistas. É nisso que penso, não no fato de que irei embora.

E enquanto os fogos estalam no céu, mergulhando o mundo nas luzes coloridas da alegria temporária, inclino-me na direção da minha amada. Meus lábios tocam os seus, não em sua bochecha como deveria mas sim ao lugar ao qual pertencem. Deixo tudo fluir de mim. As alegrias, as tristezas, as emoções, as tragédias, a felicidade, o amor e o tempo.

Me despeço do mundo, enquanto por um segundo os sentimentos vivos iluminam-se dentro dela. Seus olhos são a última coisa que eu vejo, enquanto ouço as explosões harmônicas sob mim.

Essas, lançadas por pessoas que anseiam por um futuro melhor.

Um futuro de paz.