Afterlife escrita por Leandro Zapata


Capítulo 10
Interitum Anima




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Assim que os pés do querubim Miguel tocaram a neve próxima ao píer do Estreito de Bering na Rússia ele sentiu o poder sinistro no ar. Era um poder frio, mais frio que o poder que Lúcifer emanava. E muito, muito mais poderoso.

Ali no píer havia diversos anjos e dois arcanjos. Ele reconheceu um dos arcanjos de suas Legiões, o outro pertencia as Legiões de Rafael, assim como os anjos também eram subordinados de ambos querubins, exceto um anjo que olhava os barcos no píer. Aquele era Nathanael, um anjo caído que pertenceu as Legiões de Lúcifer antes da Rebelião, milênios antes que resultou na expulsão de Lúcifer e seus anjos. Há quase três anos Lúcifer tentou escapar de sua prisão, a Mansão dos Mortos, localizada no Nono Círculo do Inferno, e invadir a Terra; Deus não permitiu que nenhum anjo do céu fosse combatê-lo; Ele deu essa tarefa a um humano; que com a ajuda de anjos caídos que se arrependeram da Rebelião e dos Nephilins, seus filhos com mulheres mortais, eles prenderam Lúcifer novamente; muitos Caídos recuperaram sua glória e os Nephilins tiveram os maiores desejos de seus corações atendidos; algumas das Legiões de Lúcifer foram restauradas, mas eles não possuem um querubim em comando, eles obedecem ordens diretas do Criador.

Miguel andou até Nathanael, pois se ele estava ali era porque Ele ordenou.

– O que vês, anjo? - Miguel perguntou, sua voz era grave como o som de um bumbo; o desprezo pelo ex-Caído era óbvio em sua voz.

– O que matou aquela alma foi um lobo, mas não um lobo qualquer, era um grande como um urso. Mas para destruir uma alma uma simples mordida não é o suficiente, por isso o lobo usou magia. Interitum Anima para ser mais específico. É um tipo de magia poderosa usada durante a Idade Média baseada no Latim. Costumavam chamá-la de Magia Cristã, pois é muito praticada por padres. - Nathanael disse de forma solene, afinal estava se referindo a um superior. - Como o senhor pode ver as pegadas de lobo terminam aqui e seguem na forma de pegadas humanas. Acredito que algum mago muito, muito poderoso conseguiu de alguma forma entrar no Paraíso. E seu objetivo já está claro, senhor.

– E qual seria esse?

– Ele roubou um dos barcos. O Mensageiro de Israel foi levado.

Mensageiro de Israel é o nome do único barco criado pelas mãos do Senhor. Ele é feito de um tipo de metal especial que apenas existe no Paraíso, o “Sídero Theía”, deixando-o capaz de navegar em qualquer tipo de material líquido. O barco foi criado para navegar sobre o Abismo ou o Lago de Fogo e Enxofre.

– Ele está indo para o Abismo. - Concluiu Miguel. - Tem mais alguém com ele?

– Aparentemente, não, senhor.

Miguel surpreendeu-se. Não era possível que apenas um estive navegando o Mensageiro. Nem mesmo ele, com todo seu poder, era capaz de tal feito. Seja lá quem for e se realmente estiver sozinho era extremamente poderoso e precisava ser parado.

– Nathanael, quais foram as suas ordens?

– Foi-me ordenado descobrir a identidade do invasor e impedi-lo.

– Muito bem. Você virá conosco. - Ele chamou o arcanjo de suas Legiões e todos seus anjos; ele não podia dar ordens aos anjos de Rafael; então perguntou quais eram suas ordens.

– Investigar e aguardar por mais ordens. - Um deles respondeu.

– Muito bem. Vocês sabem o que fazer.

Ele abriu quatro de suas seis asas, as outras duas cobriam-lhe as pernas como se fossem uma túnica, e voou em direção ao mar. Nathanael e os outros voaram com ele em direção ao Abismo.

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O Mensageiro navegava com tranquilidade pelo mar. As velas, o timão, tudo naquele barco movia-se sozinho. Tudo que o homem precisava fazer era observar a vista. Não que havia muita coisa para se olhar, era apenas água para todos os lados e um ou outro iceberg aqui e ali. Até que finalmente o barco parou abruptamente, como se tivesse batido em algo.

O homem sorriu.

Ele andou até a proa do navio, viu que não havia batido em nada na água. Então ele chegara. O escudo que separava o Abismo do mar. Na extrema ponta do navio ele levantou o braço e quase tocou-o, mas recuou quanto estava a menos de um centímetro dele. Ele juntou as mãos em frente ao peito, como se fosse rezar a Deus. Um símbolo surgiu nas costas da mão dentro de um círculo, que formado por diversas letras e palavras em vários idiomas antigos e modernos, eram elas o latim, o rúnico, a Língua Proibida - que é a língua dos demônios -, hieróglifos, a língua natural dos ciganos, grego antigo, chinês, japonês, árabe e o híndi, entre várias outras. Tais palavras eram tão miúdas que mal se podia lê-las; e ela se estendiam por todo seu braço. Porém a palavra que surgiu no meio desse círculo estava na língua dos anjos, ou a Língua de Prata. Era o símbolo da palavra “proteção”. A palavra surgiu em ambas as mãos, pois os dois braços tinham as palavras.

Ele tirou de sua mochila, que sobre um banco de metal próximo a ele, um pote de mais ou menos um litro de volume. Ele estava cheio com um líquido vermelho e pastoso. Sangue de humanos. Vários deles. De várias raças, origens, talvez até mesmo de todas. Talvez ali, naquele pote, era o que havia de mais próximo do DNA do “homem”; do primeiro humano que gerou a todos os outros. Abriu o pote e, com os dois dedos da mão direita, começou a desenhar símbolos e palavras no escudo do Abismo, que deveria matá-lo se não fosse a proteção em suas mãos.

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Miguel e sua tropa de 15 anjos avistaram o barco. Realmente havia apenas um homem, que estava na extrema proa do navio. Ele tinha desenhado um círculo com mais ou menos um metro de raio feito com diversas palavras e letras de varia línguas, as mesmas línguas que Miguel notou estarem escritas por todo seu braço, desde o ombro até as mãos, mas eram tão pequenas que, se ele não fosse um querubim, não conseguiria ler. Porém as do círculo no escudo eram maiores e pareciam estar em forma de poemas. Uma palavra se repetia muito mais vezes que as outras em todas as línguas: “abrir”.

Nathanael, com um impulso, voou rápido em direção ao homem com sua espada de Fogo Celestial em mãos. Ele atacou numa velocidade que apenas Miguel conseguiu acompanhar, os outros anjos e o arcanjo viram apenas um borrão laranja. O golpe mirou a cintura do homem, que com um salto para a direita, desviou sem nem ao menos olhar para Nathanael.

No ar, o homem juntou as mãos na altura do peito. A palavra nas costas das mãos dele mudou de “proteção” para “Sídero Theía”, ambas na língua dos anjos. Foi quando Miguel conseguiu ver o rosto dele perfeitamente e teve a sensação de que aquele rosto lhe era familiar. Um braço cresceu da lateral do barco envolto por cargas elétricas vermelhas e serviu de apoio para o homem, para que não caísse no mar. Quando Miguel se virou para Nathanael ele estava imobilizado pelo metal do próprio barco.

O homem juntou as mãos novamente, dessa vez a palavra mudou para “arcanjo”. E então sumiu.

O grito agonizante alertou Miguel. O homem estava bem ao seu lado; sua mão direita agarrando o rosto do arcanjo. Descargas cargas elétricas vermelhas surgiram em volta de todo corpo vindas da mão do inimigo. Outros dois anjos atacaram o homem, ao mesmo tempo que evitavam o arcanjo. O homem girou por cima do arcanjo usando a cabeça dele como apoio; colocou ambos os pés nas costas dele, seus joelhos flexionados. O homem agarrou as curvas das asas do arcanjo; as descargas elétricas vermelhas aumentaram e ficaram mais fortes envoltas às asas. O arcanjo urrou de dor quando suas asas foram arrancadas. Inconsciente, o arcanjo caiu na água. Tudo isso ocorreu num intervalo de três segundos.

O homem largou as asas ensanguentadas e fez um gesto para juntar as mãos de novo.

– Não deixe que ele junte as mãos! - Miguel gritou, e os dois anjos mais próximos agarraram os braços dele e separaram-lhe as mãos. Depois ele sinalizou para que dois anjos mergulhassem atrás do arcanjo. O resto deles pousou no barco.

Eles seguraram o homem de modo que suas mãos não se tocassem. Miguel precisava interrogá-lo para saber suas intenções. Após alguns minutos de perguntas sem respostas, o homem olhou diretamente nos olhos de Miguel e disse, sem medo algum em seu olhar bicolor:

– Eu te disse uma vez Miguel: sempre há um jeito.

Então Miguel lembrou-se de onde aquele rosto era conhecido. Aqueles olhos bicolores eram inconfundíveis. Contudo, o querubim não foi capaz de ver o que aconteceu depois.

Todos os seus subordinados caíram mortos no chão.


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