Amor escrita por Ana C


Capítulo 4
Desculpa


Notas iniciais do capítulo

Palavra construída no próprio português, utilizando o latim "culpa", erro, delito, com o prefixo "des-", que tem sentido de afastamento, de negação.



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– Bom dia, filha mais linda do mundo! – mamãe me acordou, entrando em meu quarto e abrindo as janelas.

– Você só fala isso porque eu sou a única. – resmunguei, sentando-me em minha cama.

– É claro. Mas também falo isso porque eu estou tão feliz! Falta apenas um dia para nossa viagem de férias! – o sorriso dela era entusiasmado e transparecia ansiedade. – Minha filha, eu não vou à praia desde que... Bem, desde que seu tio se foi e... Deixa pra lá.

A empolgação contida na voz de minha mãe sumiu por completo e a alegria presente naqueles olhos castanhos deu lugar a um brilho triste.

– O que mais aconteceu? – encorajei-a a prosseguir, mas ela manteve o silêncio.

– Nada, filha. – respondeu, tentando disfarçar a decepção na voz.

– Mãe! Toda vez você faz isso. Muda repentinamente de humor quando fala da maldita morte do meu tio e eu fico sem entender o que de fato aconteceu naquele ano. – elevei o tom da minha voz.

– Pra começar, fala baixo. – ordenou, mas depois amoleceu e sentou-se ao meu lado. – Filha, naquele ano, o seu tio sofreu um acidente e morreu. Ele era o irmão que tinha a idade mais próxima da minha e nós dois sempre fomos muito amigos. Não gosto de me lembrar, por isso, evito falar sobre o assunto.

– E é por isso que, desde então, você nunca mais quis ir à praia? – questionei, mesmo sabendo qual seria a resposta.

– Sim. Logo que seu pai e eu nos casamos, costumávamos juntar os amigos, alugávamos uma casa simples na praia e íamos todos juntos. No ano do acontecido, fomos em três casais: seu pai e eu, o seu tio Manuel e a namorada Lúcia e a Marlene e o Arthur, que já eram casados, mas ainda não tinham filhos. Depois do que houve, eu nunca mais senti vontade de ir até lá. Esse ano, no entanto, Marlene conseguiu me convencer a ir novamente. Por isso, estou ansiosa, apesar de temer um pouco. – mamãe contou, perdendo-se por entre as lembranças.

Marlene e Arthur eram os pais de Antônio que, quando jovens, eram muito amigos dos meus. Porém, assim que Bernardo – o irmão mais velho do meu amigo – nasceu, a amizade ficou um pouco mais morna. Logo depois, viemos Antônio e eu e este foi o fator para que os dois casais se afastassem por completo. Todavia, quando viram os filhos tão amigos, acabaram se reaproximando e voltaram a ser o que eram, ou até mais.

– Peço desculpas se te faço ficar perdida com essa história, mas eu realmente não me sinto confortável quando falo sobre esse assunto. – mamãe falou, me abraçando em seguida. Suspirou e eu percebi que se sentia mais leve.

– Quem deve desculpas, neste caso, sou eu. Não devia ter alterado minha voz com você, mamãe... – me justifiquei e ela deu um lindo sorriso.

Conversar com minha mãe era sempre uma coisa muito fácil, uma vez que eu sempre ouvia mais do que falava. Além disso, ela sempre sorria, o que é muito agradável.

– Então, aceita me ajudar a preparar o almoço? – mamãe sugeriu. Fiz uma careta de desaprovação e ela atirou a almofada que estava no chão em minha direção, rindo.

– Vou só trocar de roupa. – respondi, mas me lembrei de uma coisa e, antes que ela saísse, prossegui. – Mamãe, a Marlene também vai viajar conosco?

– É claro, Cecília. Afinal, o apartamento em que ficaremos é dela. – mamãe respondeu, como se fosse óbvio.

– E ela vai com toda a família, inclusive Antônio? – interroguei.

– Sim, filha. Antônio não te disse nada? – mamãe estranhou.

– A verdade é que Antônio e eu brigamos. – respondi, depois de hesitar por uns minutos.

– Brigaram? Por quê? – minha mãe, confusa, sentou-se ao meu lado. – Ontem mesmo ele veio te buscar aqui em casa!

Contei a ela sobre a discussão e todas as verdades que Antônio me disse, expondo, inclusive, meu namoro com Sebastian. Ao final da história, ela deu um sorriso afável e colocou a mão direita dela sobre a minha.

– Filha, ficou claro que Antônio está morrendo de ciúmes desse Sebastian. Mas não é um ciúme de amigo... Eu acho que o Antônio está apaixonado por você. E ainda arrisco dizer que você o corresponde, embora não perceba. – ponderou.

Revirei os olhos. Era óbvio que não ele não estava apaixonado por mim, assim como eu não estava por ele. Algumas pessoas são feitas para serem nossas “almas gêmeas da amizade”. Antônio era, com certeza, uma dessas pessoas.

– Mãe, não viaja! – defendi-me.

– Tudo bem, filha! Foi só uma opinião. Mas, de qualquer forma, tratem de fazer as pazes antes da nossa viagem. – mamãe disse e finalmente saiu do quarto.

Pouco depois, desci para ajudá-la a preparar o almoço. Depois de comer, passei a tarde arrumando as malas. À noite, meu pai sugeriu que fôssemos até a casa de Antônio para acertar alguns detalhes da viagem.

– Eu posso ficar, pai? – implorei.

– Tudo bem. – papai respondeu, um pouco a contragosto, mas obedecendo a mamãe.

Eles demoram um bom tempo na casa dos amigos e, quando chegaram, eu já havia dormido. No dia seguinte, minha mãe me acordou cedo. Tomei uma xícara de café preto, para despertar. Meu pai colocou as malas no carro e nos dirigimos para a casa de Antônio, para seguirmos juntos.

– Filha, Marlene e Arthur irão em nosso carro, conosco. Você, Antônio, Bernardo e Rafaela, a namorada dele, irão no carro de Antônio. – papai explicou, enquanto estacionava.

– Eu não posso ir com vocês, papai? – sugeri, descendo do carro.

– Ah, filha, vá com o carrão novo do Antônio! – brincou.

– Mas eu quero ir com vocês! – reclamei.

– Cecília, não seja infantil. Você vai com ele e acabou. – olhei para minha mãe, suplicante, depois da invertida de meu pai.

– Vá com ele sim, filha... - mamãe deu uma piscadela.

Bufei. Bernardo estava terminando de colocar as malas da namorada dentro do carro quando nos viu entrando.

– Cecília! O Antônio já vem. Mas você pode ir no banco da frente, porque ficarei com Rafaela atrás. – Bernardo foi simpático.

Despedi-me dos meus pais, abri a porta com cuidado e sentei-me. Antônio entrou em seguida e fingiu que eu era invisível.

– Então, vamos. – disse, para ninguém em especial, mas eu sabia que a intenção dele era falar apenas com o irmão e a cunhada.

A viagem foi cansativa. Antônio e eu não trocamos nenhuma palavra durante o trajeto, até porque, apesar de ter ficado o tempo todo acordada, fingi estar dormindo, com os fones de ouvido tocando o disco de uma banda qualquer, o que pouco me importava, afinal, aquele silêncio entre nós estava me matando.

Chegamos à praia com uma chuva torrencial. Descarregamos nossas malas e, apesar de ainda estar no meio da tarde, não poderíamos ir à praia devido ao tempo. No apartamento, havia três quartos: o primeiro, com uma cama de casal, para Marlene e Arthur. O outro, com duas camas de solteiro grudadas, para os meus pais. E, finalmente, o terceiro, com duas camas de solteiro para Antônio e Bernardo e mais dois colchões que Rafaela e eu havíamos levado para colocarmos no chão do mesmo cômodo.

Papai e Arthur entraram em seus respectivos quartos para tirarem um cochilo. Mamãe e Marlene decidiram que precisavam ir a um supermercado, pois não haviam levado comida. Bernardo e Rafaela entraram em nosso quarto e trancaram a porta.

Sem saber o que fazer, fui até a sala. Havia um pequeno sofá azul marinho encostado na parede e um colchão de casal com lençol branco bem no centro. De repente, deitar-me nele pareceu uma ótima ideia e eu o fiz.

– Quer que ligue a televisão? – Antônio perguntou. Estranhei, mas neguei com a cabeça. Estava com os olhos fechados, sentindo o cheiro do mar, que ficava no outro lado da rua, misturando-se ao cheiro da chuva. Para minha surpresa, ele jogou-se sobre o colchão ao meu lado. – Acho que tem alguém me devendo um pedido de desculpa.

Permaneci em silêncio, mas agora com os olhos abertos. Não daria o braço a torcer.

– Mas como sei que essa pessoa é muito orgulhosa para um ato tão nobre, terei de fazê-lo. Bem, Cecília, me desculpa? – Antônio fez cara de piedade e sorriu em seguida.

– Eu esperava que você se ajoelhasse, beijasse minha mão e me pedisse perdão, mas como você não é tão cavalheiro a esse ponto... Sim, eu aceito seu pedido de desculpas. – alfinetei-o, sorrindo.

Ele me abraçou apertado e, imediatamente, a chuva parou. O Sol então voltou a brilhar majestosamente.

– Faz Sol quando estamos juntos. – Antônio murmurou.

– Juntos, somos capazes de cessar qualquer tempestade. – exclamei. Ele sorriu e eu tive certeza que aquele sorriso branquinho, combinado àqueles olhos verdes, era bem mais brilhante que um Sol de 40 graus.


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