— Você chamou apenas as pessoas que eu pedi, certo? — Perguntei pro Lucas, enquanto me espreguiçava. Meus músculos estavam um pouco doloridos depois de passa a noite anterior brigando e depois passar seis horas indo de lá pra cá na rua, entregando os documentos que meu patrão mandava.

Pelo menos eu ia de moto, não que isso fosse de grande consolo, com o sol que estava fazendo. O calor era tanto que eu estava começando até a gostar de quem fala cuspindo. Mentira...

— Sim, Rafa, apenas quem você chamou e ainda falei pra eles não levarem mais ninguém. — Lucas revirou os olhos e suspirou. — Nossa, mano, tá muito quente aqui, cadê um ventilador, seu pobre?

— Meu ventilador se suicidou, era muito trabalho pra ele... — Expliquei e cacei minha camisa pra vestir, depois de algumas horas de vídeo game nessa amostra grátis do inferno, eu precisava de alguma coisa gelada. — Bora tomar um sorvete?

— Nesse calor eu aceito até suco de groselha, que parece tamarindo e tem gosto de limão. — Lucas falou e eu dei um tapa na cabeça dele, rindo.

— Idiota. — Zoei com ele, enquanto corria mais a frente a abria a porta de casa. — Otário... — Gritei e saí correndo, rindo.

Erro meu, Lucas era bem mais rápido e pulou nas minhas costas, quase me fazendo cair, mas eu consegui segurar ele e me manter correndo, com ele nas costas, até a sorveteria. As pessoas nos olharam estranho na rua, grandes merdas...

Joguei Lucas no chão e fui escolher meu sorvete, peguei um pote de meio livro e comecei a encher com sorvete de baunilha e maracujá, que eram meus favoritos, depois joguei calda, granulados e chocolate quente por cima, vi que também tinha jujubas e M&Ms, coloquei tudo. Deu quase dez conto, mas valia a pena.

— Encontrei Nayana hoje, quando estava indo pra sua casa. — Lucas falou, depois de escolher o que queria, o dele ainda era maior que o meu, mas ouvir o nome dela sempre me deixava meio triste.

— Como ela está? — Perguntei, sem fingir minha curiosidade.

— Bem... Como sempre, ela estava de roupa de dormir na rua. — Um sorriso se abriu em Lucas e, em consequência, em mim também. Nay nunca foi alguém convencional. — Mal humorada como sempre. Falei com ela sobre o cara que vocês viram no restaurante com ela.

— O que ela disse? — Admito que isso realmente chamou minha atenção, tomei mais um pouco do meu sorvete.

— Cara, ela está muito apaixonada e parece que o cara é maior galinha. — Lucas deu de ombros e franziu o cenho. — Aí ela jogou na cara que a gente abandonou ela e foi embora.

— Isso é muito esquisito. — Fiquei encabulado. — Nayana se apaixonando... Se bem que, passamos mais de um ano longe dela, e as pessoas mudam. — Suspirei, resignado.

Eu não podia reclamar de nada, afinal, de certa forma, a culpa era toda minha. Mas não tinha outro jeito, pelo menos eu nunca tinha visto outa opção confiável.

— Ele mandou parabéns pra você. — Lucas falou e colocou um enorme pedaço de sorvete e jujuba na boca.

— Sério? O que ela disse? — Ok, isso era novid...

— Claro que não, seu imbecil. Ela não te dava parabéns nem quando ainda se falavam, quer ver agora. — Lucas ironizou e eu fiz minha cara de bunda pra ele.

— Lucas, no dia em que a Nay me desejar parabéns com um sorrisinho contido no rosto eu vou saber que ela nunca mais vai querer ser minha amiga. — Suspirei e tratei de terminar meu sorvete.

☺☺☺

Eu não conseguia acreditar que Nayana estava na mesma pizzaria em que eu tinha marcado meu aniversário.

Ano passado foi bem difícil passar sem ela e, com o tempo, não melhorou muito a falta que a minha melhor amiga fazia. E eu sabia que quem mais sentia falta dela era Lucas. Ele até se recusou a ir vê-la quando eu e os meninos decidimos falar com ela e ficamos brigados por um tempo, mas depois ele entendeu nossos motivos.

E ela estava com o mesmo cara do restaurante e uma menina vestida de forma... Peculiar, principalmente pro calor que fazia, mesmo que já fosse de noite. A garota até que era bonita, com os cabelos vermelhos e parecendo uma boneca, ela até se movia com a delicadeza de uma. Nayana estava com um vestido cor de vinho provocante e os longos cabelos negros soltos, o garoto vinha atrás de ambas, mas eu percebi quando ele olhou sutilmente para a nossa mesa.

Apesar de ser um tanto quando diferente, eu conseguia fazer duas coisas ao mesmo tempo, como conversar com o pessoal na minha mesa e observar a mesa de Nayana, percebi quando Lucas também viu que ela estava ali e, parte por parte, todos repararam que ela estava ali, sentada do lado do garoto e conversando com a menina/boneca, fazendo as expressões de sempre.

— Rafa, tem problema se a gente for ali falar com a Nay rapidinho? — Jéssica perguntou, ela tentava pegar o lugar da Nay entre os meninos, mas ninguém era como a Nay, é claro que isso não impediu a gente de sair com a Jéssica vez ou outra.

— De forma alguma, nem deveria ter me pedido isso. — Sorri e coloquei minhas mãos atrás da minha cabeça, quando as meninas foram, fiquei olhando qual delas tinha a bunda mais bonita. Qual é, meninas? Sei que vocês ficam olhando nossas bundas também, não venham dizer que sou tarado.

— Você acha que ela veio aqui de propósito? — Raul perguntou, mas eu sabia que ele mesmo duvidava daquilo.

— Sinceramente? Duvido muito, você sabe como ela evita ver pessoas que ela não gosta. E, apesar de ser triste, essa é a nossa realidade aqui, cara. — Dei de ombros, aparentando indiferença, só aparentando mesmo.

— Será que a gente vai lá falar com ela? — Henrique perguntou e bagunçou seus cabelos escuros.

— Acho que dá pra gente ir, sim. — Luan falou, já se levantando. Nós todos sempre ficávamos um pouco agitados perto dela, não sei se você aí já brigou com um amigo muito antigo e muito querido, então quando passam na rua sempre rola umas coisas tensas, sei que você me entende. Os outros garotos foram junto com ele. Lucas me olhou, com um olhar pidão.

— Vamos logo. — Falei e revirei os olhos.

Ele levantou de um pulo, mas eu fui mais devagar. Eu ia gravar o rosto do moleque que estava com Nay, mas, nesse momento, outro garoto chegou, cumprimentou o pessoal e se sentou no lado da ruivinha. Pensei que era o namorado dela, até perceber que ela estava meio incomodada, acredite, sou bom percebendo essas coisas.

— Ah, meninos, já estávamos voltando pra lá. — Jéssica falou e fez um biquinho, mas os garotos ignoraram ela.

— Ei, Nay. Como vai? — Não sei qual dos meninos falou, mas tinha quase certeza que era Henrique.

— Do jeito que você tá vendo. — Nayana disse e revirou os olhos, então ela ficou meio deitada no garoto perto dela e esse passou o braço na cintura dela. — Queriam alguma coisa?

— Só dar um oi, mesmo. — Falei e, só então, Nay pareceu me notar ali, perto dela.

Vi quando os olhos verdes e enormes dela me encaram, eu quase consegui ver algo ardendo ali. Ela me avaliou e depois virou o rosto, mas, subitamente, voltou de novo o olhar para mim e deu um sorriso bonito, mas não realmente sincero.

— Parabéns pelos seus 20 anos, Rafael. — Engoli em seco e olhei para Lucas, ele estava me olhando também e eu sabia que ele lembrava a conversa de mais cedo, entretanto me obriguei a olhar pra ela de novo. — Eu ia dizer “cuidado pra não ser preso”, porém já que eu não estou mais perto de vocês, duvido muito que um desastre desses aconteça de novo. — Então, como no dia que fomos à casa dela, ela olhou para cada um de nós, mas então riu. — Esses são Nathan, Jennifer e Eddie. — Ela apontou para o menino ao lado dela, a garota e o cara do lado da garota.

— Obrigada, NayNay. — Falei e sorri o mais sinceramente que pude. — Prazer em conhecer todos vocês.

Nathan... Eu me lembrava desse nome de algum lugar. Olhei mais atentamente ao garoto, mas não me lembrei de onde. Os dois garotos só acenaram com a mão, mas a ruiva sorriu e se levantou, estendo a mão e dando beijinhos em todos. Fui o último, entretanto, quando ela se aproximou, tropeçou em alguma coisa e caiu em cima de mim, por sorte consegui segurar ela, que sorriu e levantou o olhar para mim, olhos azuis escuros me encaravam.

— Me desculpe, me desculpe de verdade, eu... Foi sem querer. — Jennifer corou e se afastou de mim, não antes de escutarmos a risada de Nayana. — De qualquer forma, prazer em te conhecer.

— Todo mundo percebeu o prazer, Jennifer, mas não precisa ficar se jogando nos garotos assim. — Nayana falou e revirou os olhos, Nathan sorriu levemente e Jennifer ficou vermelha como seu cabelo.

— Nada, o prazer é todo meu. — Sorri e até peguei a mão dela e beijei, a ruivinha ficou me olhando surpresa, mas Jéssica se aproximou de mim.

Eu vi algo que fez o meu estômago – e o de todos os meninos também, que eu sei – embrulhar: Nayana e Nathan estavam se beijando. Todos ficamos do mesmo jeito, entre olhar pra eles e olhar pra outro lugar.

— Vamos querido, antes que a gente perca a mesa, estamos atrapalhando aqui e ainda estamos de vela. — Então ela se grudou no meu braço, como sempre fazia, me segurei para não revirar os olhos.

— Vamos pessoal, ainda temos que pedir a pizza. — Os chamei.

Na verdade até fiquei feliz de Jéssica ter falado, assim tínhamos um motivo para sair dali o mais rápido possível. O fato é que eu não teria mais uma boa noite de aniversário depois disso, nem que eu ganhasse na mega-sena. Mentira, se eu ganhasse na mega-sena ia ser uma pessoa super feliz, mas ainda ia faltar algo.

— Boa noite pra vocês. — Falei antes de me virar e ir para minha mesa.

Você fez isso para o bem geral. Para o bem dela, para o seu e o de todo mundo, não se esqueça. Era a única opção. Me sentei e todos sentaram também, demorou algum tempo pra conversas voltarem, mas acabaram voltando. As coisas sempre voltam pro seu lugar.