A casa grande não parecia um lugar tão agradável naquelas circunstancias. Vários animais empalados (tigres, alces e até um lêmure) pendiam da parede. A lareira estava acesa e dentro dela uma chama impaciente iluminava macabramente o lugar. Pilhas de livros estavam amontoadas nos encostos dos sofás, armários, degraus da escada e estantes. Eu sempre gostara da desorganização da sala onde eu lia histórias sobre os antigos heróis, mas não era uma hora boa.

Brutus e Ícaro estavam deitados nos sofás, mas não davam nem sinal de melhora. Pareciam só piorar a cada minuto. Começaram verdes e espumando, mas àquela hora eles estavam com um aspecto arroxeado e rejeitavam qualquer tipo de alimento, exceto a ambrosia. Quirón saíra do lugar para conversar com Beatriz, a menina que eu odiei sem mesmo conhecer.

– Mãe... – Ícaro gemeu ainda dormindo – Mais açúcar no leite.

Eu limpei o canto da boca dele com um pano e continuei ali sentada. Olhei-me no espelho que tinha abaixo da escada e fiquei surpresa. Eu estava irreconhecível. Existiam grandes bolsas negras abaixo dos meus olhos e os cabelos loiros estavam despenteados. Os olhos vermelhos de tanto chorar e o pijama de unicórnios ainda pendia no corpo.

A porta foi escancarada e Quirón e a menina entraram no lugar.

– O que ela está fazendo aqui? – eu me levantei e arremessei minha xícara nela, só para vê-la sumindo nas sombras e reaparecer em outro lugar.

– Ela vai ficar no acampamento. Filha de Hades.

– Isso. Prazer. – ela estendeu a mão acompanhando o sotaque francês.

Empurrei-a para longe e ela me provocou fazendo um biquinho – Quanto tempo?

– O quanto quiser – Quirón deu ambrosia para Brutus.

– Mas ela não pode! – gritei – Ela quase matou dois dos nossos melhores campistas!

– Foi atacada antes – ele abaixou o rosto.

– Ainda sou uma semideusa, ... – ela se sentou no encosto ao lado de Ícaro.

– Mas... – eu rosnei para ela.

– Que belo – ela acariciou o rosto de Ícaro – Não haveria de machuca-lo.

– Tira a mão dele! – eu pulei sobre ela esperando segurar um tufo de cabelo, porém caí no chão enquanto ela reaparecia à minha frente.

– Quietas! – Quirón olhou para mim – Vá Beatriz.

– Até mais, ... – ela caminhou até a porta.

– Quirón... – eu implorei.

– É uma semideusa, Candance.

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Peguei o arco prateado que recebi de presente das caçadoras de Ártemis e a aljava. Fiquei a uma boa distância do alvo e me concentrei. Puxei a corda até encostar-se à bochecha e soltei.

A flecha começou subindo e desceu no meio do caminho, porém ela passou rente ao alvo e foi na direção de uma garota que estava passando. Eu gritei sonoramente e ao abrir os olhos, vi a garota segurando-a a dez centímetros do rosto. Ela caminhou até mim e eu a reconheci: Beatriz.

– Foi proposital? – ela analisou a flecha.

– Quem me dera – tomei a flecha de suas mãos e me voltei a andar para o chalé.

Senti alguma coisa me acertar a cabeça e me virei. Uma moeda jazia no chão e estava escrito Hades em grego antigo. – Seu namorado acordou.

Eu estava vermelha de raiva e fingi não me importar. Andei até o chalé de Afrodite e deixei lá minhas coisas. Ao sair, fui correndo à casa grande.

Abri a porta com um estrondo e todos olharam para mim. Minhas bochechas ficaram rubras e eu vi quem estava lá.

Senhor D. segurava uma lata de coca diet a meio caminho da boca. Quirón se elevava sobre seu corpo de corcel branco. Brutus e Ícaro estavam sentados à frente deles.

– E aí – Ícaro falou um pouco enjoado.

– Sente-se mocinha – Sr. D. apontou uma cadeira ao lado dele -, temos muito o que conversar.

Sentei na cadeira e olhei em volta. O lugar estava repleto de livros, conforme a noite de ontem. Exemplares como Decapitação de víboras pt. I ou Percy Jackson e os Olimpianos enchiam o lugar. Desde os mais antigos aos mais recentes.

– Como eu ia dizendo até a loirinha entrar pela porta – Sr. D. bebeu um gole da coca diet -, a filha de Hades trouxe consigo uma profecia. Poderia?

Agora que eu percebia, ele apontou para um canto da sala onde estava Rachel Elizabeth Dare, o espírito de Delfos. Uma neblina verde saiu da boca dela e seus olhos reviraram.

A filha de todos os deuses

Traz consigo a missão de derrotar

Os únicos que não experimentaram

A escuridão de sua lâmina

Noite e Caos têm de ser parados

Antes que romanos e gregos

Sejam derrubados

– Obrigado – Sr. D. indicou a porta para a menina.

Eu não tinha entendido nada até que Quirón começou a falar.

– Beatriz de Séte é a filha de todos os deuses – ele começou taciturno – Ela derrotou um a um os deuses do olimpo, deuses menores, titãs que vivem no tártaro, o próprio Tártaro, Gaia e seu esposo. A menina forçou cada um deles a lhe concederem uma benção. Afrodite lhe ensinara o charme. Apolo lhe deu vislumbres do futuro. Hefesto a espada. Hades lhe deu o dom da cura com o sangue. Poseidon a capacidade de não se afogar.

– Ela é invencível? – Ícaro perguntou. – Ontem, no pinheiro de Thalia, ela não esboçou dor quando minha flecha acertou sua coxa. Arrancou-a e andou até mim.

– Ela não derrotou nem Caos nem Nix. – eu falei pela primeira vez - Ela precisa de ajuda pra ser invencível.

– Exato espertinha – Sr. D. falou – Ela deseja cada vez mais poder. Quer ser a nova deusa.

– E por que devemos ajudá-la? – Brutus falou.

A resposta se formulou na minha mente antes mesmo de Beatriz entrar e dizer – Pelo simples fato de ser uma profecia.

– Oh! E então a garotinha de Hades apareceu? – Sr. D. se levantou e fez uma carranca – Sente-se minha querida.

– Obrigada Dionísio – ela disse brincalhona.

Eu estava começado a entender o motivo de ela ter vindo ao acampamento. Também entendia agora o porquê de ela ficar.

– E você Sr. D.? – eu me levantei – O que deu a ela?

Ele espumou e seus olhos viraram chamas. Por um instante tive medo daquele gordo.

– Garota insolente – ele esticou a mão – Cuidado com as palavras! Posso fazer seu sangue ferver até você derreter!

Beatriz deu uma cotovelada nele e ele caiu em cima de uma pilha de livros – Ele me deu vinhas. Quer ouvir algumas histórias?

Como eu podia recusar? Ela parecia narrar bem e, mesmo eu a odiando, adoro histórias.

– Sim!