Preces de Braun escrita por hwon keith


Capítulo 8
Afundando em sombrios fins




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As enegrecidas paredes de tijolo a vista, outrora polidas e orgulhosamente opacas, permaneciam em pé no antigo solo marmorizado, o último despido do usual brilho, tendo uma cobertura úmida de cinzas. A escada para o andar superior, sendo essa de cerejeira há muito antiga, parecia ao ponto de ruir com qualquer passo desavisado. Os lustres finos de uma era onde os monarcas Braun decidiram enfim criar seu ponto de descanso balançavam explodidos, mexendo pela brisa carregada de restantes gases carbônicos, deixados de suvenir pelo incêndio.

Ali no relento, carregando em si melancolia saudosa, o mais novo da linha de sucessão da família chutou lentamente os resquícios de um pote de vidro talvez pertencente a ele, ou talvez à irmã. Não saberia. Estava deveras destruído, o conteúdo já vazara. Observando mais atentamente a destruição, não parecia haver algo ainda intacto. Noka realmente ficaria chateada com sua amada biblioteca inutilizada. O fogo fora cruel.

Entretanto, Nick não esperava menos das chamas infernais.

Virou-se, saindo das ruínas.

A bruxa dos cabelos rosados curava seu braço torcido, carregando uma careta dolorida. As pontas das unhas, antes aparadas e tediosamente despidas de esmalte, continuavam sujas de terra e pedaços de concreto. Apesar de corporalmente só restar um incômodo no membro superior esquerdo e uma ardência nos lábios arranhados, exteriormente suas vestes estavam acabadas. A blusa cinzenta rasgou na altura da clavícula, a calça caramelo estava coberta de manchas pretas de sujeira, até mesmo os tênis escuros empaparam de sangue seco, acumulando-o quando a garota chutara o nariz do demônio, quebrando-o.

O receptor do acerto continuava sentado no chão, as sobrancelhas comumente de um ângulo de expressão sofrido agora torcidas numa carranca. O modo com o que permanecia com os braços descansados por cima dos joelhos, os dedos em garras, os ombros duros e o bater incessante dos pés demonstrava que estava irritado, senão furioso. Constatando rapidamente aquilo, Noka sorriu-lhe.

Kim, o demônio, franziu os lábios em pura hostilidade.

– Se perguntando em como sua promessa continua intacta? – levantando-se, a garota pronunciou. Espanou as próprias vestes até considera-las adequadas, fixando sua atenção no homem depois – Apenas o sim de um demônio para outro demônio é válido.

Kim encarou-a, desinteressado.

– E é verdade – respondeu, cada sílaba carregando um tédio crescente, como se fosse obrigado àquilo, não querendo realmente fazê-lo – E geralmente bruxos não tem um pingo de descendência demoníaca. Criam-se com pactos.

Rindo levemente, a mulher iniciou a dura jornada de arrumar o cabelo totalmente embaraçado.

– Mas as famílias mais velhas tem seu começo com um demônio e um humano, os próximos filhos e netas sendo portadores de magia – comentou, entretida – E é o meu caso.

Kim permaneceu em silêncio, parecendo não ter realmente prestado atenção.

– Por isso é muito mais patético como um demônio aceita uma aposta sem conhecer realmente seus oponentes – acrescentou a garota, o riso impregnado na ofensa. O homem girou seus olhos pretos para a face dela, algo brilhando perigosamente – O que? Vai querer levar outra surra?

Ele pôs-se em pé, aproximando em passos grandes até que estivessem cara a cara, o rosto uma cabeça acima.

A voz dele soou baixa, uma rouquidão nas cordas grossas, uma ameaça fria e descontrolado ódio nos olhos. Inesperadamente riu, um esgar horrível.

– No instante que este dia acabar, levando junto sua entrevista e suas perguntas retardadas, eu vou te bater tanto que seus ossos vão virar farelo, vou te cortar tão lentamente que vai levar séculos até seu sangue escorrer todo pra fora, e no último segundo em que você continuar acordada, vai sentir tanta dor que irá chorar e berrar pela minha clemência. Então eu vou rir de você, sua vadia.

Noka rolou os olhos, inabalada.

– Tu só sabe ameaçar? Pensei que demônios fossem engraçados – reclamou, sinceramente entristecida.

As unhas belamente aparadas afastaram com calma os fios pretos da testa macia e juvenil. Absolutamente tudo no homem parecia novo ou pelo menos bem mantido: Observando-o mais atentamente, Nick considerou-o na casa dos 23 aos 25 anos, não mais do que aquilo. Era verdade que umas linhas de expressão despontavam na faceta bela, porém não eram muitas, o que as tornavam agradáveis. Na realidade, o homem desprendia uma beleza que muitos considerariam pertencentes a alguém bondoso, pois seus contornos, da mandíbula até maxilar, os lábios cheios e até mesmo o nariz eram delicados.

Com aquilo, era até ridículo como sua personalidade contrastava.

Os buracos azulados dos olhos do ser absorviam cada centelha de luz do ambiente, brilhando sob a escuridão agora aparente. Mantinham-se atentos ao garoto, porém não mostravam nada mais do que aquilo.

Sentindo sua laringe com um bolo imaginário, possivelmente emocional, Nick forçou as palavras saírem minimamente estáveis.

– Luz? – referiu-se ao par brilhante que agora iluminou-se mais – Não deviam ser trevas? Sabe, demoníacas e todas essas coisas aí.

O homem repuxou os lábios grossos com leveza para um lado, um sorrisinho. Não pronunciou-se.

– Ah é – Nick sentia como se não pudesse mais calar a boca: as palavras saíam num fluxo incontrolável no nervosismo crescente. A atitude calma do ser não estava ajudando seu auto controle – Você era um anjo.

O homem repuxou mais um milímetro dos lábios. Seus olhos estreitaram.

O suor frio de Nick descia pela coluna na mesma proporção que o pavor crescia.

– Pelo amor de deus não taca fogo aqui. A Jamie vai ficar surtar.

Com aquilo, Satan riu. Inclinou-se para frente, o som de tom grosso saindo da laringe num crescer, inesperadamente gostoso de se ouvir.

Nick sentiu uma pontada no peito e algo quente espalhando-se por lá. Estranhou.

– Choi – pela primeira vez aquele homem pronunciou-se. Levantou-se, sorrindo abertamente agora, aproximando-se do bruxo estacado no chão, parecendo preso ali, estendendo a mão para um aperto – Não Satan, como deve imaginar.

Confuso, Nick demorou para responder ao gesto. Quando o fez, o braço levantou-se tremulo. Porém, quando as mãos encontraram-se num aperto, cada centímetro do corpo do Braun congelou, arrepiando-se num frio súbito e esmagador.

Como descendente de demônios e conhecedor da magia, tendo sua alma presa eternamente ao Poder, reconhecendo assim Poderes alheios e maiores, a magnitude do Poder do outro horrorizou-o ao ponto de repuxar a mão para longe do toque daquele ser, recuando para longe com os membros inferiores parecendo manteiga na chapa, derretendo sobre a superfície. Não logo caiu num baque sentado no carpete da sala, aquele perfeitamente limpo.

Choi apertou os olhos, esses agora demostrando um divertimento puro, reconhecendo o medo do outro.

– Por que me invocou? – indagou, as palavras saindo fluidas e calmas, ignorando a situação amedrontada do bruxo.

Nick mordeu os lábios. Gaguejou segundos.

– Eu tava atrás de alguém. Peguei o livro de feitiços da minha irmã e achei um pra invocar alguém e quis usar pra achar ele. Não quis te invocar. Eu nem sabia como fazer isso.

Choi pareceu acreditar, pois não fez objeções. Apenas girou levemente para observar o ambiente, parecendo entretido.

– Não pretendia incendiar realmente a casa – comentou, sincero. Ou pelo menos Nick assim achou – Era bonita, meu estilo. Mas quando senti a presença anterior de Satoru simplesmente fiquei irritado. Perdão.

Nick piscou confuso.

– Quem é Satoru?

Choi sorriu-lhe mais uma vez.

– Vai descobrir. Por enquanto, melhor correr.

O bruxo não terminou sua indagativa. Das paredes intocavelmente limpas escorreu sangue negro, o ar inundando com fumaça pesada, ocultando a presença de Choi, que agora parecera sumir.

Todo o peso no ar resumiu-se numa nuvem que sumira, como com o tecido líquido. Agora quatro silhuetas encontravam-se na frente do Braun, o ultimo sabendo exatamente o que eram.

Demônios.

Com uma última força e impulsionado com uma adrenalina do que surgira de onde não sabia a fonte, Nick correu para fora do apartamento.

Noka deslizou seu braço com felicidade pelo quadril do Kim, esse lhe dando de lado um olhar enormemente desagradado.

– Você não tem um namorado pra brincar de casinha?

A garota de cabelos rosados balançou a cabeça numa negativa, os olhos rindo para ele, sabendo exatamente que estava irritando-o.

– Desculpa. Ninguém quer namorar uma arrombada mesmo, esqueci.

Noka riu da acidez das palavras, o que deixou o demônio ainda mais furioso. Tentou afastar-se, porém ela prendeu-o a si mesma com força.

– Tu é meu até a meia noite. Aceita que dói menos.

Kim voltou-se para frente, trincando os dentes.

– Não tinha nada na aposta que dizia que virei um boneco.

A bruxa inclinou-se para ele, olhando-o interessada.

– E não havia que não seria.

Com aquilo ele olhou-a, analisando. Ela sorriu-lhe, cada milímetro do gesto inundado de crueldade vingativa.

– Não devia ter me batido tanto.

Kim soltou um ruído exasperado.

– Não fui eu que quebrei seu nariz.

– Não fui eu que te chutei no útero também.

– O problema não é meu que você é mulher.

– Eu devia ter chutado tuas bolas também. Se tu tem, é claro.

Kim riu debochado.

– Isso tudo é desejo por mim? Posso fazer um stripe comunitário se assim desejar. Não deve ver um pau há anos.

Noka balançou a cabeça, discordando.

– Se for pra ver o teu pau prefiro olhar uma caneta, que deve ser maior.

Com aquilo o demônio parou, encarando-a. Riu subitamente, depois escondendo o sorriso, parecendo incomodado com si próprio.

Noka sorriu com aquilo, surpresa.

– Que lindinho. Nem parece que é um maldito filho da puta.

Voltaram a andar, o homem mais a vontade. Estavam num fluxo lento, ela agarrada ainda a ele.

– Eu te cansei com aquela lutinha de criança ou já tinha se cansado de correr atrás de macho hoje? – ele perguntou interessado, observando o cansaço no rosto dela e o suor que escorria pelo pescoço.

Noka sorriu pequeno, deixando num ar um mistério. Kim voltou-se para frente novamente.

A bruxa, na verdade, controlava cada segundo do seu corpo com o poder que ainda lhe restava: Estava sofrendo uma hemorragia interna resultante do chute que levara no tórax e no abdômen, que quebrara uma de suas costelas e perfurara o pulmão.

Mas não podia ir ao hospital: Seria internada e o dia passaria e a promessa com Kim destruir-se-ia, todo o esforço impregnado por ela desperdiçado.

Entretanto, tudo ruiu. Noka entrou em choque hemorrágico, caindo, apenas os braços de Kim impedindo-a de juntar-se à sujeira abandonada do campo de futebol antigo que estavam passando sobre.

Fumando distraído, os pilares de fumaça esbranquiçada subindo em direção ao céu escuro do anoitecer, aquele que tragava observou duas figuras há poucos dias conhecidas aproximarem-se no horizonte, iluminados pela luz amarelada do poste que acendera havia minutos.

Cumprimentou-os com apertos de mão breves, inclinando a cabeça para o mais alto e para o mais baixo.

Ao seu lado, Satoru apenas soltou um “olá” breve, mais interessado no dinheiro que os visitantes traziam do que seus cumprimentos.

Ko puxou o revolver recheado de balas de prata, obviamente que o visitante mais alto desconhecia. Girou rapidamente nos dedos, apenas uma precaução. Não confiava com facilidade, a vida de caçador havia o ensinado. Recebeu com a outra mão a maleta surrada de couro, abrindo, observando o farto dinheiro, percebendo-o que era original, sorrindo agraciado.

Fechou-a, passando para Satoru. Sentou mais apropriadamente no banco da praça, pousando o revolver sobre o colo. Fechou os olhos, penteando o cabelo espetado para trás com um gesto próprio.

O lobisomem na sua frente passou o peso do corpo para a outra perna, começando a parecer nervoso. Ko sorriu diante daquilo. O membro do bando doente visivelmente precisava da erva medicinal que o caçador contrabandeava.

Era realmente uma pena que Ko, na realidade, nunca havia a possuído realmente.

Levantou o revolver para o rosto do lobisomem. Os olhos orientais do outro arregalaram-se.

Ko sorriu enquanto o irmão de Zi, Soo, gritou o nome do outro.

– Detesto sua raça. Vai pro inferno, cachorro nojento – e puxou o gatilho.

Nick ouviu levemente um estouro longe. Possivelmente era um tiro, considerou, mas o cansaço físico apagou o pensamento com facilidade, deslizando para longe. Corria há horas, ouvindo o farfalhar atrás de si de passos rápidos, o riso também dos demônios que caçavam-no pelo esporte. Sabia que podiam tê-lo pego em segundos, assim que saiu do apartamento: Estavam divertindo-se, deixando-o fugir até que cansasse, então matando-o. O Braun sentiria irritação caso pudesse sentir algo no momento. Estava exausto, não demorando muito para que desabasse.

Queria a irmã ali para tacar fogo naqueles demônios, queria Jamie para bater neles até virarem farofa demoníaca, queria até Gah, para soltar um deboche rápido e então eliminá-los, porque no fim era um caçador.

E num momento que pareceu estender numa eternidade, caiu no chão recheado de folhas mortas e terra preta, as pernas contraindo-se, doloridas até a alma.

Surpreendeu-se com o silêncio súbito. A morte talvez fosse menos dolorosa e mais rápida do que jamais considerara. Apenas quando viu um par de pernas dobrando-se na sua frente, num tecido mais formal que os demônios não estavam vestidos pelo que percebera, elevou o rosto para cima, para observar.

Havia um homem desconhecido olhando-o com preocupação. Parecia estar na casa dos 30, ou chegando nela. Ele entreabriu os olhos numa surpresa.

– O que aconteceu com você? Está ferido? Qual o seu nome? – puxou Nick para cima, os braços fortes trazendo-o para seu peito, analisando o estado do outro.

Nick não sabia como conseguiu pronunciar-se, estava entorpecido.

– Nick...

O homem congelou no ato de tentar coloca-lo sentado.

– Nick Braun?

O bruxo concordou minimamente. Sentia-se prestes a mergulhar numa síncope. Sua visão coloria-se de preto, como tinta espalhando sem dó num tela branca.

O homem assumiu um tom mais sério. Nick apenas fechou os olhos, deixando-se levar para a inconsciência, ouvindo levemente as palavras que seguiram-se.

– Sou o detetive Dong e estou investigando o incêndio na sua residência. Se importa em responder algumas perguntas?


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