– Eu vou matar o Ralf. - disse nervosa enquanto colocava gelo no olho esquerdo do Eathan. Estávamos na sala da minha casa. Ele deitado no sofá e eu eu ajoelhada ao seu lado.

– Esquece isso, Alice. - pediu Eathan. - Deixa essa história para lá.

– Como assim deixar para lá? Olha o que ele fez com você!

– Está tudo bem comigo. - repetiu ele pela milésima vez.

– Claro, e esse olho inchado é puro charme. - ironizei.

– Gostou? - perguntou ele com um sorriso torto.

– Com certeza. - ri.

– Agora falando sério. - disse num tom firme. - Não foi culpa dele. Ele só ficou com ciúme. Isso é normal, não é?

– Não, não é. Quer dizer, ciúme é normal, mas sair por aí batendo nas pessoas não.

– Mas ele não bateu nas pessoas, bateu só em mim. - comentou ele.

– Não importa, Eathan. Foi errado. Vou falar com ele amanhã e fazer ele se desculpar com você. - disse impassível.

– Isso é exagero.

– Não é não.

– E quanto aquela história de que você queria se desculpar com ele?

– Eu queria. Não deveria ter dito aquelas coisas para ele, mas isso não justifica essa reação insana.

– Acho que devia dar uma segunda chance a ele. Afinal, se eu que apanhei não estou com raiva você também não deveria estar. - pontificou ele sentando-se no sofá fazendo-me tirar o gelo do seu olho. Seus olhos negros como a noite me fitavam com intensidade.

– Eu vou pegar mais gelo para o seu olho. - falei. Levantei-me e fui para a cozinha apressada. Peguei mais gelo. Mas quando voltei a sala Eathan não estava mais lá. - Eathan? - chamei-o. Mas ele não estava ali. Nem na sala, nem no banheiro ou no quarto. Ele simplesmente sumira.

Fiquei realmente chateada pelo Eathan ter ido embora daquele jeito. Da próxima vez que o encontrasse iria brigar com ele. Isso, claro, se eu o encontrasse de novo.

Deitei para dormir bem tarde. Mas o sono não foi tranquilo. Pela segunda noite seguida tive um pesadelo. As imagens do Ralf batendo no Eathan estavam em cada pedacinho da minha mente. Também estava agoniada com a voz do Eathan martelando na minha cabeça perguntando-me se eu amava o Ralf. Me sentia inquieta e desconfortável até que todos esses pensamentos em forma de filme desapareceram, substituídos por um vazio tranquilizante.

De manhã acordei atrasada, como sempre. Me arrumei correndo e saí de casa comendo uma maçã. Esbarrei em pelo menos umas quinze pessoas na rua. Elas me xingavam, mas eu não tinha tempo de parar para ouvi-las. Quando cheguei no colégio o sinal já havia tocado e todos iam para as salas.

Kyle e Rose estavam sentados lado a lado. Logo atrás estava Tessa, e Sarah. Ralf estava sentado sozinho no fundo da sala, de cabeça baixa. Dei bom dia a todos e sentei-me atrás da Tessa e da Sarah.

– Que cara é essa? O que aconteceu? - perguntou Sarah virando para trás para falar comigo.

– Ralf. - disse e indiquei-o no fundo da sala.

– Brigaram? - sugeriu Tessa. Afirmei com a cabeça. - Por quê?

– Eathan.

– Eathan? - repetiu Tessa.

– Aquele Eathan de ontem? - perguntou Kyle virando-se para falar com a gente.

– Peraí! Que Eathan e o que aconteceu ontem? - quis saber Sarah.

– Eathan é aquele garoto que salvou a Alice. - explicou Rose.

– Ralf ficou com ciúme e bateu no Eathan. - contei.

– Uau. - exclamou Tessa animada. - Você está disputada, hein?

– Não é nada disso. O Eathan é só um cara legal que me salvou duas vezes. Só. - pontifiquei.

– Acho que se fosse só isso o Ralf não teria batido nele. - comentou Sarah.

– O Ralf está maluco. - resmunguei.

Felizmente a aula começou encerrando essa conversa estranha. O professor falava e falava, mas eu não escutava nada. Meus pensamentos estavam longe. "Você fala do seu namorado como se estivesse falando de um cachorro. 'Ah, ele é fofo, é um bom amigo e me ama.'". Não conseguia deixar de pensar no que o Eathan havia dito.

Ralf não sentou com a gente no intervalo. Também não fiz questão de ir procurá-lo. As aulas seguintes foram tão chatas quantas as anteriores. Na hora da saída Sarah, Rose e Tessa me chamaram para ir ao shopping com elas. Kyle ia para o curso de alemão dele então não poderia ir conosco. Já estávamos saindo do colégio quando Ralf apareceu.

– Oi. - disse ele meio sem graça. - Será que a gente pode conversar?

– Sobre o quê? Sobre você ter batido no Eathan ontem sem motivo nenhum? - questionei-o.

– Sem motivo não. Eu fiquei com ciúme. Eu te amo, Alice. Não quero te perder. - ele tinha uma expressão abatida que partia meu coração.

– Ciúme de que, Ralf? Não dei motivos para você ter ciúme.

– Jura? E aquela história de que eu não te salvei de propósito e que o tal Eathan era maravilhoso por ter se arriscado por você?

– Eu não disse isso.

– Mas insinuou.

– Certo, eu não devia ter dito aquilo. Me desculpe. Mas isso não é motivo para você massacrar o Eathan.

– Me desculpe, amor. - implorou ele.

"Acho que devia dar uma segunda chance a ele", ouvi Eathan dizer de novo nos meus pensamentos.

– Eu preciso de um tempo para pensar. - disse afinal.

Deixei-o lá com todo seu espanto e puxei as meninas comigo. Graças a Deus nenhuma delas quis falar do ocorrido. Eu estava confusa demais com tudo aquilo, as coisas que o Eathan dissera, as discussões com Ralf. Decidi deixar tudo isso de lado por enquanto e me distrair com as meninas.

Passamos a tarde toda no shopping, entrando e saindo de lojas. Lanchamos, compramos várias coisas, rimos e nos divertimos. Quando saímos do shopping a noite já estava caindo. O sol escondia-se no horizonte.

Saímos pelos fundos e estávamos atravessando estacionamento quando um estranho apareceu. O lugar estava mal iluminado e com poucos carros estacionados. O tal sujeito vestia calças rasgadas nos joelhos e uma camisa de manga comprida que parecia extremamente velha, além de uma toca. Ele apontou uma arma para gente.

– Paradinha. - ordenou ele com uma voz rouca e ameaçadora. - Passem as bolsas. - estávamos paralisadas de medo e susto. - As bolsas! - gritou o homem.

– Calma. - pediu Rose. Jogamos nossas bolsas aos pés do ladrão.

– Cala a boca, vadia! - gritou o homem pegando as bolsas do chão.

De repente um carro entrou correndo no estacionamento e parou a alguns metros. O ladrão, agarrando nossas bolsas, correu até o carro e entrou. Ainda estávamos chocadas com tudo aquilo. Continuamos paradas observando tudo atônitas. Depois que o ladrão entrou, o carro acelerou. Mas pareceu perder o controle ou sei lá e ao invés de ir para a saída, veio para cima de nós. Não, ele veio especificamente para cima de mim.

Antes que o carro me acertasse senti braços firmes me envolverem, me empurrando. Ouvi os gritos das meninas e o pneu do carro cantando. Só então percebi que havia fechado os olhos. Abri-os e encontrei os intensos olhos negros do Eathan. Percebi que estávamos caídos no chão, e eu sobre ele.

– Você está bem? - perguntou ele fitando-me.

– Estou. Quer dizer, o que aconteceu? - estava confusa com a situação.

– Acho que te salvei de novo. - ele riu.