Eathan

Indo contra o que eu esperava, ela ficou bem. Achei que Alice fosse ficar bem abalada com o ocorrido, mas não foi isso que aconteceu. Ela tomou um longo banho, depois ligou para o Ralf. E foi isso. Ela nem sequer contou para ele o que tinha acontecido. Confesso que fiquei um pouco chocado. Quer dizer, eu estava feliz por ela estar bem, física e psicologicamente, mas ela havia passado por uma experiência bem estranha e ruim então era de se esperar que ela ficasse minimamente abalada. Mas ela era forte. Me encheu de orgulho vê-la levar aquela situação com suavidade.

Alice e Ralf ficaram a tarde toda deitados vendo filme. Achei meio estranho ela não ter contado nada para o Ralf, afinal ele era namorado dela. Mas acho que ela só estava tentando esquecer o incidente no beco, fingir que não acontecer.

Ralf foi embora quando já estava a noite. Alice ainda ficou mais um tempinho vendo televisão, até ir dormir. Mas algo estava errado. Ela se remexia na cama, se lamuriava, e chegou até a gritar. Era tão incomum ela ter pesadelos que eu demorei um pouco para perceber que era esse o caso. Sentei-me na cama, ao lado dela, acariciando seu cabelo. Fechei os olhos e concentrei-me. Entrei na sua mente diluindo o pesadelo e deixando no lugar um sonho tranquilo. Imediatamente ela se aquietou na cama.

Passei a noite toda tomando conta dos sonhos da Alice para que ela não tivesse mais nenhum pesadelo. Quando ela acordou de manhã, eu estava exausto. Ela (para variar) estava atrasada. Se arrumou em cinco minutos e saiu de casa correndo. Segui-a bem de longe, mas vigiando-a o tempo todo.

Assim que chegamos no colégio o sinal da primeira aula tocou. Alice encontrou Kyle, Rose e Sarah no caminho para a sala.

– Me disseram que você bateu em um cara ontem. - comentou Mason andando ao meu lado.

– Não foi bem isso, mas essa é uma longa história. - disse-lhe.

– Agora eu preciso que você tome conta da Alice por mim um pouquinho.

– Por quê? Vai a algum lugar? - perguntou ele curioso.

– Vou descansar um pouco. Noite difícil.

– Tudo bem, vai lá.

– Valeu. - agradeci já me afastando dele. - Volto na hora da saída.

Saí do colégio e caminhei lentamente até um parque perto dali. Deitei sob uma árvore enorme. Eu não estava com sono. Claro que não. Estava só cansado por ter tido que passar a noite toda afastando os pesadelos da Alice. Fechei os olhos e aos poucos deixei a mente se esvaziar.

– Oi, lindinho. - ouvi uma voz feminina dizer. Abri os olhos e me deparei com Mary.

– Olá. - cumprimentei-a sentando-me.

– O que faz aqui sozinho? - perguntou ela sentando ao meu lado enquanto ajeitava seus longos cabelos pretos que chegavam quase a cintura.

– Nada. Só descansando um pouco. - dei de ombros.

– E cadê a sua protegida?

– No colégio. Mas e você, o que faz aqui?

– O de sempre: nada. - respondeu ela com certa tristeza. - Quando você caí não tem muita coisa para fazer.

– Eu sinto muito. - disse-lhe com sinceridade fitando seus olhos castanhos. - Mas não fica triste não. Aposto que se você fizer tudo certinho eles vão te perdoar.

– Acredita mesmo nisso?

– Claro. - assegurei com confiança. - Você só precisa ter paciência e acreditar. Tudo vai acabar bem.

– Obrigada, Eathan. - disse ela com um sorriso que fazia covinhas aparecerem nas ruas bochechas. - Você é um fofo.

– Isso é um elogio? - brinquei.

– Talvez.

Depois de conversar com a Mary por algumas horas voltei para o colégio. Alice e sua "gangue" de amigos estavam saindo quando cheguei. Alice estava contando para eles sobre o incidente de ontem com o maníaco do beco. Ralf parecia revoltado, Kyle surpreso, Rose preocupada. E Sarah e Tessa maravilhadas com o "salvador" da Alice.

– Por que não me contou isso ontem, Alice? - perguntou Ralf austero.

– Porque não queria que você tivesse uma reação dessa. - contrapôs Alice. - Não sei nem por que eu resolvi contar agora. Que importância tem? Eu estou bem, não estou?

– É, mas poderia não estar! - exaltou-se Ralf. - Poderia ter acontecido algo grave e...

– Pois é, poderia. - interrompeu Alice. - Mas não aconteceu.

– Mas Alice... - tentou insistir Ralf.

– Chega, acabou o assunto Ralf. - declarou Alice impassível.

– Isso mesmo, chega de falar do que poderia ter acontecido. Vamos falar do garoto que te salvou. - sugeriu Tessa empolgada.

– Acho que tem alguém interessada em você. - comentou Mason brincalhão ao meu lado.

– Que ótimo. - respondi com uma careta.

– Falar o quê? - perguntou Kyle perdido na conversa.

– Ele era bonito? - quis saber Sarah.

– E forte? - completou Tessa. - Com certeza forte, porque te defendeu.

– E corajoso, certo? - emendou Sarah.

– Eu... Não sei. Não reparei. - confessou Alice.

– O quê?! - gritou Sarah chocada.

– Isso é mentira. - acusou Tessa. - Não tem como não reparar se um garoto é bonito ou não.

– Gente, eu tinha sido atacada por um cara com uma faca. Não estava preocupada em reparar se o garoto que me ajudou era bonito ou feio. - declarou.

– Ei, por que não esquecemos isso e nos concentramos no que realmente importa? - sugeriu Kyle. - Vamos ou não a praia?
Ninguém falou mias do que acontecera à Alice ontem ou do tal "salvador". Partiram para a praia animadamente. Acho que nenhum deles estava levando roupa de banho ou toalha, mas eles não pareciam se importar. Ralf e Alice foram o caminho todo sem se falar.

Ao chegar a praia, alugaram um guarda sol. Kyle e Rose foram andar pela areia e Ralf foi direto para o mar, enquanto Alice, Tessa e Sarah sentaram sob o guarda sol para conversar. Mason e eu sentamos perto para ouvir o que falavam.

– Certo, nem Kyle nem Ralf estão aqui para ouvir. - começou Sarah.

– Agora conta para gente como era o garoto de ontem. - completou Tessa.

– Eu já disse, não reparei como ele era. - insistiu Alice.

– Alice, esse é o pecado mais grave do mundo! - exclamou Tessa. - Não reparar em um garoto é quase um crime!

– Acho que você está exagerando, Tess. - disse Alice rindo. - Eu estava em choque, não tinha como reparar.

– Tudo bem, tudo bem, mas continuo achando isso um absurdo. - reclamou Tessa.

Elas ficaram conversando por mais algum tempo. Kyle e Rose estavam no mar com Ralf, e elas resolveram ir para lá também. Gostaria de saber como essas pessoas pretendiam voltar para casa com as roupas molhadas. O mar estava tranquilo. Todos pareciam estar se divertindo bastante. Mas de repente a Alice afundou na água. Assim, do nada. Ela voltou à tona desesperada, depois afundou de novo. Ela estava se afogando.

Saí correndo pela areia e me joguei no mar que agora começava a ficar revolto. Nadei com afinco, o mais rápido que pude, até a Alice. Mas ela estava alguns metros abaixo da superfície. Seus movimentos eram lentos e quase mínimos. Consegui pegá-la e voltar à tona. Estávamos mais afastados da areia do que eu imaginava. As ondas quebravam forte.

Segurando-a firme junto a mim, comecei a nadar de volta a praia. O mar forçava para trás e eu nadava para frente. Depois de minutos que pareceram horas consegui sair da água, carregando Alice nos braços. Coloquei-a na areia. Ela estava sem pulso. Pus as mãos sobre seu coração, pressionando com força.

– Você não pode morrer. - sussurrei. - Não pode. - pressionei com mais força, sentindo uma onda de calor passar de mim para ela.

Alice abriu os olhos e começou a tossir água. Suspirei aliviado. Seus olhos azuis encontraram os meus. Antes que qualquer um de nós dissesse algo, Ralf se jogou sobre a Alice, abraçando-a. Kyle, Rose, Tessa e Sarah também estavam ali, perguntando se estava tudo bem. Aproveitei a distração de todos e levantei, me afastando.

– Acho que você já pode ficar invisível. - disse Mason a alguns metros.

Só então me dei conta de que estava realmente visível para todos. Olhei ao redor, certificando-me de que ninguém me olhava, depois voltei a ficar invisível.

– Cadê ele? - perguntou Alice se afastando dos abraços dos amigos. - Cadê o Eathan?

– Eathan? - repetiu Ralf confuso.

– É, o garoto que me salvou. Cadê ele? - insistiu.

– Não sei. - disse Kyle. - Ele sumiu.