A Livraria Yakuza escrita por Arquivo


Capítulo 4
Achei Você




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"Você conquistou cidades
E incendiou o poderoso mar
Você pode manter-se à tona, mas você não pode nadar longe de mim.

Você brinca com os lobos,
Mas você dorme com os ossos do coelho
Eu era apenas uma criança
Não faz sentido."

Os três estavam admirando o grande painel de fotos, matérias e anotações que estava pregado na parede ao lado da cama da jovem mulher, mas o mais velho deles estava realocando os alfinetes amarrados em fios vermelhos que ligavam os casos. Alguma coisa estava de errado com as ligações e com os aspectos dos casos.

—Mas no caso... – Ben olhou para Norman por um milésimo de segundo, estava programando o que podia e o que não podia dizer sobre a jovem ao seu lado para ele. – da família Marshall, a filha mais nova não foi violentada.

A jovem virou seu rosto para ele, seu olhar era frio, mas ela agradeceu a ele por dentro.

—Talvez ele só precisasse chamar atenção de um jeito mais escandaloso. – Disse o jovem agente.

—Muito bem, você pegou o espírito da coisa, faz sentido. – Ben bagunçou o cabelo de Norman como se ele fosse um cão. Como trevor fazia com ele antes de se aposentar, Ben tratava Norman como um menino e se sentia um mentor diante dele.

—Milhões de crianças são assassinadas ou simplesmente morrem por dia, mas a mídia adora violência sexual. – O rosto da jovem se contorcia de nojo, ela não podia acreditar que o assassino de sua família andava matando crianças por ai apenas para encontrar UMA que ele havia deixado escapar. O pior era sua necessidade de que elas fossem iguais.

—Hebi. – Norman, o agente de cabelos ruivos e bagunçados olhava para ela como se a estivesse examinando. Ele possuía em seu rosto um olhar um tanto preocupado.

—O que? – Ela se sentou na cama enquanto se abanava com uma das folhas que Ben havia tirado do painel.

—Sei quem você é de verdade, vi seu rosto quando criança numa matéria de jornal arquivada uma vez, quando eu estava em treinamento. Por sua família, eu sinto muito... mesmo.

—Se eu tivesse ganhado uma moeda para cada vez que tinha escutado isso naquela época, minhas armas seriam mais potentes. Só uma pessoa realmente sentiu muito, mesmo que as outras tenham se preocupado, só uma... – Ela era grata a Ben de uma maneira incondicional, ele sempre esteve ao seu lado, mas ela não sabia como ele ficaria se ela não voltasse de sua vingança. Do mesmo modo que ela não sabia o que seria dela se ele não voltasse.

Ao longo dos oito anos que ela passou investigando o paradeiro do assassino, a cada ano ele se tornava mais invisível e mais cruel com quem tentava se aproximar dele. Quando ela conseguia pessoas para apanhar informações sobre ele, somente metade voltava e geralmente com quase nada. Ele tinha talento no que fazia, mas então por que voltar somente agora?

—Recomponha-se mulher! – Ben a abraçou e a apertou. – Conte uma historia legal enquanto eu organizo a palhaçada que você fez com os casos que eu te dei. Norman adoraria saber como você entrou pra yakuza. - Ele deu tapinhas nas costas de Norman, o jovem agente se curvava para frente a cada tapa pela mão pesada de Ben.

—Não, é perda de tempo, precisamos nos organizar... – Ela cruzou os braços.

—Eu já estou organizando, estou com tédio também. – Ben não estava com tédio, nem queria realmente escutar aquela história mafiosa, mas o fato de que ela tinha admitido que ele era o único que realmente sentiu muito... aquilo significou imensamente para ele. Ele só queria que os jovens se distraíssem para não vê-lo sentimental. Podia se entregar de corpo e alma para aquela jovem e acabar recebendo muito pouco em retorno, mas um breve comentário ou um sutil sorriso eram suficientes para que ele dormisse sorrindo e cantando. Afinal, igualmente a seu antigo chefe, Ben optou por não ter família, mas tinha aquela jovem mulher de coração gelado, olhos vorazes como os de uma víbora e educação semi-exemplar como uma filha.

—Se contar sobre esse evento para alguém... – Sua voz era baixa porém forte como o som que sai dos tigres.

—Sim, eu sei, “Eu te mato!”, entendi. – Disse ele levantando os braços e se espreguiçando.

—Não, tenho gente que faz isso por mim.

O jovem agente empalideceu novamente, ele estava quase tendo uma queda por ela ao mesmo tempo em que tinha vontade de fugir. Era complicado.

—Foi mal...

—Aconteceu há seis anos...

—Seis anos? Você tem quantos anos?

—Nunca mais, me interrompa, ou arranco seu dedo com os dentes. – Ela manejou palavra por palavra, o pobre agente engoliu seco.

Ben estava se divertindo com aquilo, as pessoas que não são acostumadas com sua “pequena Susie” acabam se traumatizando com ela, não que ela seja má pessoa, só é a reencarnação de um samurai com um calo no pé. Como não a maneiras de culpa-la por seu comportamento, depois de tudo pelo que passou, o mínimo que se deveria fazer em sua presença é ser educado, mas corajoso.

—Perdão, prossiga. - Ele juntou suas mãos e as levou aos labios.

—Seis anos atrás, quando eu tinha 14 anos e a senhora Keita estava se sentindo um pouco mal, fiquei até tarde organizando o balcão. Era quase meia-noite quando escutei sons de tiros, simplesmente coloquei a mão sobrei a pistola que fica embaixo da última gaveta, pois os gritos de alguém estavam se aproximando de nossa loja. – Ela olhou para a senhora Keita, que estava sentada em sua poltrona um tanto distante dos três, ela sabia que a pobre senhora apenas cochilava, mas sua respiração estava um tanto fraca por conta de sua doença. Senhora Keita era tão importante quanto Ben, mas diferente dele ela não sentiu pena alguma da menina, a treinou para mostrar que o mundo não tem pena de si mesmo e que era preciso sempre disciplina para se viver nele. Ela acreditou que Hebi, que em japonês significa serpente, estava destinada a ser poderosa. – Foi quando alguém entrou se esbarrando nas cadeiras e então caindo no chão, tinha o ombro baleado, mas não sangrava muito. Apontei minha arma para ele, mas por pouco não o matei.

—Por quê? – Norman se sentou ao lado dela. Ele estava hipnotizado pelo fato de que aos 14 anos ela já sabia atirar.

—Era o neto da senhora Keita. Ele e os pais estavam a caminho de visita-la quando o carro foi atacado. A senhora Keita era esposa de um dos líderes da yakuza, após a morte de seu marido o cargo foi para seu filho mais velho, por isso foram atacados. O garoto tinha a minha idade, mais estava completamente desarmado, eu mandei que ele se escondesse embaixo do balcão, então quando três homens entraram na livraria...

—Só um instante, por favor, não arranque meus dedos, mas... como a policia não acabou sabendo disso?

—... Err... – Ben colocou sua mão na cabeça e virou-se para o outro lado.

Norman olhou imediatamente para ele, com um rosto pasmo.

—Você! Eu não posso acreditar que... Chefe! – Ele se engasgava com suas próprias palavras.

—Continuando. Os três entraram e eu consegui dar “um jeito” neles.

—O que você quer dizer com jeito?

—Dei um jeito das minhas balas atravessarem os crânios deles. Foi muito difícil tirar as manchas, tivemos que nos livras de algumas cadeiras, mas no fim não existe nada que um pouco de ácido não faça.

—Mas... ácido nos caras ou no chão?

—Eu nunca perguntei ao Tatsumi-dono o que ele fez com os corpos. – Ela começou a estralar seus dedos um a um.

—Jesus.

—Ele me disse que daria tudo o que eu quisesse por ter salvado seu filho, então eu pedi que ele me aceitasse na yakuza não importando minha idade atual. Então ele o fez.

—Por que não pediu que ele... sei lá, te trouxesse a cabeça do maluco que matou sua família, ou os dedos dele dentro da boca da cabeça arrancada ou sei lá mais o que a yakuza gosta de fazer.

A jovem se levantou e com um olhar vazio porem assustador, penetrou de certa forma a alma do jovem agente que este se sentiu na obrigação de se levantar também.

—Quando se quer comer, manda-se outra pessoa comer por você? Quando se tem sede, manda-se que outra pessoa beba água?

—Não... – Ele se sentiu constrangido por sua própria pergunta.

—Pois bem, eu não perderia o prazer de matar pessoalmente aquele homem por nada.

Ela se sentou sobre um móvel que ficava embaixo da janela. O vento que batia em seus sedosos cabelos negros lhe davam um ar melancólico, o momento congelou o quarto, Ben estava distraído escrevendo notas no mapa de fatos, Norman estava observando sua misteriosa “Hebi”, que tanto olhava pela janela. Ela estava se intrigando com algo perto da viatura de polícia, parecia um cão no começo, mas então ficou de pé.

—Abaixem-se! – A jovem correu até a senhora que estava na poltrona e a cobriu com seu corpo.

Todos se jogaram no chão enquanto um enorme estrondo ecoava por toda a rua, fogo podia ser visto pela janela e o cheiro de queimado era horrível. Partes da viatura quebraram uma parte do vidro das janelas e estavam dentro do quarto.

—Mas que porra foi essa! Eu vou chamar reforços! – Norman se levantou.

—Não, continue no chão! – A jovem gritou com ele.

Ele olhou para trás e viu algo pela janela, um homem por trás das chamas o olhava com um demoníaco sorriso e segurava alguma coisa em sua mão. O agente sacou sua arma e mirou nele, mas antes que atirasse o misterioso homem jogou o objeto no agente , batendo no antebraço que ele segurava a arma.

—Filho da puta! – O impacto poderia ter realmente lhe fraturado um osso, pois o barulho não indicou um bom sinal. A arma havia caído no chão do lado de fora da livraria. – O que é isso?

—Uma pedra. – Ben fez sinal para que o outro se sentasse no chão, então pegou a pedra que possuía algo amarrado a ela. Um papel.

“Pique-esconde”

Estava escrito com sangue e havia uma foto grampeada ao papel, era a foto de um parque de diversões, o parque que estava de passagem havia quatro dias. Faltavam dois dias para fechar.

—Era ele!

A jovem correu até a porta do segundo andar.

—Rápido seus tolos! Ela está indo atrás dele, mexam-se e segurem-na! – A velha senhora gritou. - Ela tossia sem parar, abalada pelo susto da explosão, mas estava bem.

Eles correram atrás dela até a entrada da livraria, onde pedaços em chamas da viatura estavam. Pessoas que estavam por perto estavam ainda em choque pela explosão, alguns pedestres estavam feridos e jogados no chão. Ao se deparar com aquela cena a jovem se ajoelhou no chão, tudo aquilo por um louco que estava atrás dela, então Ben se aproximou e pós suas mãos em seus olhos.

—Não deve chorar. Ele se foi, não dá pra correr atrás dele assim. Estaria jogando o jogo dele e nós queremos que ele jogue o NOSSO jogo. - Sua voz macia era confortavel.

—Eu... Eu... preciso achar... – Ela soluçava, mas rosnava de raiva ao mesmo tempo.

Mesmo que ela quisesse renascer em forma de uma serpente que devoraria outra serpente, ainda era frágil como um coelho... ela odiava aquilo.

—Amanhã o plano começa e no parque de diversões. – Ele se ajoelhou ao lado dela e a abraçou. – Estamos tão perto. Prometa-me que vai se controlar.

—Eu...- Respirou fundo, mesmo depois de Ben ter tirado as mãos de seus olhos, ela manteve seus olhos fechados. Um velho hábito. - ...prometo.

—Obrigado.

Norman já estava ao lado deles, estava chamando reforços e mandando que troxessem ambulâncias.

A jovem se levantou e ergueu sua cabeça olhando para o céu esfumaçado, as estrelas pareciam ter sumido e aquilo lembrou a jovem Susie antes e depois, de um céu estrelado para um vazio infinito, um buraco negro.

—Que o jogo comece, já estou contando os segundos.


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Notas finais do capítulo

Música : Bones Of A Rabbit - Young Heretics



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