A Livraria Yakuza escrita por Arquivo


Capítulo 2
Eu Irei Até Você




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Hospital, UTI Infantil.

Benedict estava do lado de fora do quarto 26 da ala infantil do hospital White Palace que havia sido construído recentemente e estava a caminho de ser o melhor de San Francisco. Havia uma Susana Marshall de sete anos de idade que estava do outro lado daquela porta, mas havia outra em um retrato nas mãos de Ben. A menina do retrato tinha um lindo sorriso com maçãs do rosto tão rosas quanto a camisa que ela usava no retrato, seus olhos azuis eram como um céu que estava quase nublando. Já a garota do outro lado da porta não queria falar, sua boca parecia petrificada em uma linha reta e sem vida, seus olhos que antes lembravam o céu, agora estavam vazios.

Susie estava com as pernas e os braços engessados, pois o assassino de sua família os torceu para que ela coubesse em sua mala. Tudo isso para que no fim ele nem fosse encontrado. A guarda de Susie passaria para sua madrinha que também era tia por parte de pai.

—Sr. Michaelson... não é? – A tia de Susie estava com apenas parte de seu corpo para fora da porta, ela tirou o agente de seus devaneios.

—Sim, sou eu. – Ben se levantou da poltrona de espera com tanta rapidez que quase tropeçou.

—Ela não quis falar com o doutor, nem comigo e nem com o agente Trevor... mas ela disse que quer falar com você.

Ele não soube muito bem como reagir àquela situação. Então só entrou no quarto.

Susie estava tomando soro através de um acesso em seu pescoço, sua maca era completamente estofada para não deixar seus membros desconfortáveis, seu rosto era mortificante. Ela parecia ter perdido sua alma depois do que aconteceu. “Eu estaria do mesmo jeito se estivesse no lugar dela”, pensou Ben.

—Susie, eu sou o agente Benedict Michaelson do FBI. – Ele se aproximou da maca e se sentou ao lado dela numa cadeira reclinável.

—Eu vou deixar vocês falando sozinhos, se precisar de alguma coisa, Susie minha querida, aperte o botão vermelho na sua mão, O.K? – Susie fez um mínimo movimento com o pescoço, confirmando sua tia. Ela então saiu do quarto.

—Pode me chamar de Ben, se você quiser.

—A minha família morreu... – Sua voz era rouca. – toda ela. Eu vi como aconteceu, vi tudo.

Ben se levantou da cadeira e colocou uma de suas mãos sobre a cabeça de Susie.

—Eu vou achar o culpado e vou prende-lo, Susie... não tenha medo.

—Medo do que?

O modo como ela falou foi tão frio, seu rosto parecia desprezar a frase do agente. Ele recuou sua mão, espantado. O assassino colocou Susana Marshall dentro de sua mala e tentou leva-la embora com ele, mas quando ela saiu de lá... já não era mais a mesma, e pelo que Ben viu, talvez nunca mais fosse.

—Você... quero dizer...

—Moço... – Pela primeira vez ela pareceu falar como uma criança. – Você quer escutar uma história?

Benedict começou a sentir que aquela não era só mais uma historia que uma criança iria contar.

—Sim.

Ela respirou bem fundo algumas vezes, fechou os olhos por um tempo, parecia até adormecida, mas então os abriu e olhou bem fundo nos olhos de Benedict.

—Era uma vez, eu, meu irmãozinho Isaac e minha irmã Ellie. – Ela tossiu algumas vezes e então repetiu o processo de respirar fundo algumas vezes. Ela ainda estava com uma má reação à droga que o assassino lhe deu. – Nós estávamos voltando da escola e mamãe e papai só voltariam mais tarde naquele dia, porque era quarta-feira. – Ela fechou os olhos por um instante para descansar.

Sem que ela percebesse, Ben ligou o gravador de seu celular para que a história ficasse salva não apenas em sua memória. Queima de arquivo é algo mais comum do que leite derramado no café da manhã.

—Você está bem, Susie?

—Sim... continuando. Nós chegamos em casa e a porta não estava trancada, Ellie ficou com raiva porque ela achou que foi o papai de novo.

—Seu pai tinha costume de esquecer a porta destrancada?

—Sim... – Ben ficou surpreso, pois o assassino poderia ter espionado a família por tempo o suficiente para perceber os erros do pai. – Então me deixou na sala de estar e disse que ia tirar o nosso lanche da geladeira e ia esquentar. Eu acabei subindo as escadas com o Isaac, porque ele tinha que trocar de roupa... – Os olhos de Susie então se encheram de lágrimas.

—Susie...

—Aí agente escutou gritos vindo lá de baixo e o Isaac queria chorar, mas eu o mandei ficar quieto... a Ellie gritou mandando a gente não descer. Aí... Aí... ela gritava e gritava. – As lágrimas escorriam velozmente de seu rosto. – Eu escondi o Isaac embaixo da cama... cobri ele de brinquedos e roupas, não dava pra ver nada... só que eu não tinha como me esconder direito... eu só entrei no nosso armário e me fechei lá.

—Como ele achou o Isaac?

—Ele chorou... eu... eu vi o que ele fez com ele, com o meu irmãozinho... eu vi pela fechadura do armário! – Ela começou a tossir e sua tia entrou no quarto.

—Que gritaria é essa?! Susie, meu amor, o que houve?

—... Sai daqui! Eu não quero falar com você!

O rosto de sua tia empalideceu e ela apenas se retirou aterrorizada pelos gritos de Susie.

—Susie, calma...

Sua tosse foi diminuindo, então se acomodou melhor na cama. Ben com medo de que sua presença estivesse atrapalhando seu repouso, checou se o acesso em seu pescoço estava O.K, pois suas tosses lhe fazia mover muito a cabeça.

—Depois de um tempinho... eu também chorei... e ele me achou.

Seu rosto triste se encheu de ira. Ben não prestava mais atenção no gravador, então não percebeu que já havia alcançado seu tempo limite.

—Por que ele levou você...?

—... Ele gostou do jeito como eu me recusava a gritar. – Ela virou seu rosto para Ben, tinha hematomas no rosto e no pescoço. Ela quase fora estrangulada até a morte pelas mãos do assassino, ao contrario de sua irmã.

—Eu queria poder ser útil para você... não só como o agente que está atrás do desgraçado que fez isso com você...

—Se lembra de que me perguntou se eu estava com medo?

—Sim. Eu lembro.

Ela então olhou para o teto com um ar melancólico ao seu redor, tudo pelo que ela passou era inofensivo diante da pequena fragilidade que ela guardara para si. O que seria aquilo que ele sentiu quando a tirou da mala?

—Não tenho mais a minha família, não tenho mais nada a que ter medo de perder.

—Você é só uma criança... – Ele queria poder abraça-la, faze-la se sentir humana ou pelo menos viva.

Não mais um agente e uma vítima num quarto de hospital, mas sim duas crianças sem família. Ao lembrar-se de Trevor, ele sentia vontade de preencher o vazio em Susie do mesmo jeito que seu superior fez quando este era criança, mostrar que nem tudo estava acabado.

—Acha mesmo? – Ela finalmente olhou para ele. – Vou te dizer a última coisa que escutei aquele homem me falar: “Um dia eu virei por você, sem ninguém para atrapalhar”.

—Quer dizer que você estava consciente enquanto ele te colocava na mala e ainda estava escutando o que se passava antes de ele te abandonar? – Um gosto horrível na boca de Ben se espalhava por sua língua, se estivesse preso em uma sala com o homem que machucou Susie e seus irmãos, ele com certeza o faria beber de seu próprio veneno.

—Eu estava imóvel, mas ainda sentia meus braços entortando. – Ela fechou seus olhos. – E sabe o que eu queria ter respondido pra ele?

—O que?

—A mesma coisa. Essa é a minha escolha.

Como culpa-la? Seu corpo era apenas uma casca, cuja alma fora roubada por um louco que ainda ansiava por mais, pelo seu cheiro, sua voz, seu lindo rostinho. O assassino da família Marshall anunciou para a jovem Susie que era ela quem ele queria, ou seja, a família foi um experimento e suas crianças foram falhando uma por uma, menos ela. A que não gritou. Por que ele precisava de sua dor?

Calafrios percorreram as costas de Benedict ao pensar no que teria acontecido com a menina se o primeiro policial não tivesse visto o assassino.

—Eu prometo que você receberá proteção e conforto psicológico da melhor qualidade, Susie.

—Isso não vai trazer minha família de volta...

—Então confie em mim, farei tudo por você, para que seja feliz novamente... – Ele não compreendia o por que das palavras simplesmente saírem de sua boca, estava desesperado, pois adquiriu um instinto protetor por aquela criança desde o momento que abriu a mala onde ela estava.

—Você mata? Que nem as pessoas fazem com baratas... Você mata? – Ela aproximou seu rosto do agente.

—Eu... isso vai contra o protocolo do meu trabalho, pois eu preciso daquele homem vivo.

—Então você vai me atrasar.

Ele deslizou a poltrona reclinável para trás e se manteve deitado por alguns segundos, as mãos em seu rosto limpavam um suor frio. Ele queria sim matar aquele homem e jogar os pedaços da carne dele para os cães. Mas como fazer isso sem perder seu emprego e sua própria ética. Exato. Deformando ambos...

—Eu mato, faria isso por você. Mas não agora você entende?

Ela fez um gentil gesto de sim com sua cabeça.

—Desde que esteja ao meu lado quando eu chamar, não me importa quando seja.

Ele ficou ao lado daquela pequena garota de 7 anos até ela dormir, até depois que sua tia já havia entrado no quarto, até depois da meia noite daquele dia e quando ele teve que deixa-la lá, quis voltar imediatamente.

Susana foi morar com sua tia, mas se recusava a ir para a escola e até mesmo a sair de seu quarto. Ela não falava direito com ninguém a não ser com o agente Benedict Michaelson, que a visitava frequentemente, mesmo em dias pesados de trabalho.

—-//-//--

Um dia, após dois anos cuidando de Susana, sua tia acordou com o barulho da porta de casa e viu que a menina havia sumido. Meses se passaram e até mesmo 3 anos se passaram e ela não foi encontrada. Talvez estivessem procurando nos lugares errados, mas na verdade apenas procuravam pela pessoa errada. Pois Susana não havia sido levada, nem havia fugido, ela só havia deixado de ser Susana.

Mas foi apenas em seu 16º aniversário que a jovem foi ao encontro de seu amigo Ben, o único que conhecia sua raiva e seus sofrimentos. Ele era o único que sabia onde ela vivia atualmente, mas para o bem de ambos esta informação não existia e raramente era comentada.

Ela com certeza já não era mais Susie. Seus longos cabelos negros foram cortados desigualmente com pouco habilidade, seus olhos azuis e vazios poderiam congelar a distancia qualquer um que os encarasse por muito tempo, seu corpo forte era belamente esculpido e saldável, em suas mãos estava um desenho que chamava muito a atenção de Ben. Afinal, eles estavam na frente de uma loja de tatuagens.

—Você quer que eu vá com você? – Ele sabia como ela treinava arduamente para manter seu estado físico pronto para um combate, isso já o deixava de coração aflito, mas só de imaginar uma sequencia de agulhadas em sua pele e naquela idade... ela possuía uma ótima aparência adulta, que combinava com sua identidade falsa, mas para ele ela sempre seria uma menina que descansava em uma maca.

—Não é necessário.

Ela fez seu caminho dentro da loja até seu balcão, onde falou com o recepcionista e com sucesso foi encaminhada ao tatuador.

—Bom dia... – Ele disse deleitando-se com a beleza da jovem em sua sala.

—Aqui. – Ela não permitiu que seu contato social fosse muito além daquilo. Entregou o desenho de uma coluna vertebral pontiaguda como a de uma víbora, que, de certo ângulo, iria do começa ao fim de suas costas.

—Nossa, uma tatuagem um tanto complicada, vai ter que fazer em dias separados.

—Eu venho e pago, desde que você me prometa uma coisa.

—Claro. – Disse o tatuador em um flerte. – Pode dizer.

Ela tirava sua camiseta verde e justa enquanto sentava-se na cadeira de trabalho, o tatuador aproximou-se, mas então parou ao notar que Ben estava na entrada da porta.

—Senhor tatuador.

—Sim... sim. – Respondeu a jovem sem camisa em sua cadeira.

Ela manteve um pouco de silêncio enquanto olhava para Benedict, ele sentia que ela procurava de alguma forma sua permissão para algo que ela iria falar. Ele assentiu com a cabeça e então ela voltou seu olhar para o tatuador.

—Quero que você faça doer.


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