Malkuth escrita por Lilith, Sr Paganini


Capítulo 5
Veh Geburah


Notas iniciais do capítulo

Estávamos extremamente ansiosos para expor este novo capítulo.
Tá quentinho, acabou de sair do forno haha
Espero que gostem :3 boa leitura.
Lilith



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Athame não acreditava no que havia acontecido. A dor em seu peito era insuportável.

Cycero a sacudia perguntado se estava bem, no entanto ela não respondia. Seu desespero era enorme. Quando resolveu raciocinar melhor, fez a primeira coisa que lhe passou pela cabeça. Levantou-se e correu para a fazenda de sua avó onde estava havendo a festa. As lágrimas voavam velozmente de seus olhos enquanto corria e não sabia se estava indo na direção certa; estava muito escuro ali.

Correu até que enxergasse luzes de vela em uma clareira aberta.

–Avó! – Ela ofegava e lutava para dizer tal palavra. Não conseguia falar. Caiu sobre seus joelhos. Cycero vinha logo atrás.

–Athame! – Elysia levantou-se instantaneamente de onde estava, pressentindo que o pior houvesse acontecido. Vinha sentindo presságios durante todo o dia, e sabia que algo ruim aconteceria ali. – O que aconteceu?

Não houve tempo para diálogos; mais soldados invadiram a fazenda gritando insultos em nome de seu deus com suas espadas erguidas.

–O que vocês fazem aqui? – Elysia pôs-se à frente de todos, perguntando.

–Fomos avisados de que hoje o antro de heresias se reuniria outra vez para afrontar o nome do senhor com seus atos imundos. –O guarda mais alto respondeu. Era loiro e tinha olhos frios, que olhavam com repulsa o local e as pessoas assustadas.

–O senhor? Vejam bem, vocês ousaram entrar em minha fazenda para gritar conosco partindo do pressuposto que estamos agredindo o seu senhor? Perdoe-me, mas não conheço o seu senhor. E não tenho o mínimo interesse de conhecê-lo, já que possui servos tão imundos quanto vocês.

–Quem você pensa que é sua maldita? –Interveio outro soldado, ruivo, avançando na direção de Elysia.

–Quem eu sou não lhe diz respeito; mas falo em nome da deusa. E ela deseja que saiam todos daqui agora, pois sua desgraça é iminente.

–Você está falando de quem? Daquela meretriz a quem você chama de deusa? Aquela imunda que afronta a imagem do nosso deus?

–Você não deveria ter dito isso rapaz; Espero que vá tranqüilo para bem junto do seu deus. Filho da puta.

Com enorme rapidez, Elysia tirou de trás de si uma adaga demasiado afiada que arremessou contra o rapaz, acertando-a em cheio em seu peito e matando-o.

Assim, houve o estopim da pequena guerra em plena lua cheia do dia 13.

Os soldados, com suas espadas empunhadas, avançaram para o grupo de bruxos que ali se encontrava. Erguiam e lançavam suas lâminas em direção aos homens mais próximos de si, e poderiam tê-los atingido; poderiam. Os magos se dispersaram, assumindo então, suas respectivas posições de batalha.

Junto à grande fogueira crepitante, Mudrag, um bruxo de meia idade com cabelos louro avermelhados, traçava linhas de fogo ardente no chão. O fogo levantava-se sobre os soldados, fazendo com que eles recuassem irritados. Elementais de fogo, com seus corpos femininos etéreos, pareciam nascer da fogueira, levantando-se e dançando no vento em busca de um ósculo que seria mortal para quem o recebesse. Os olhos do bruxo queimavam de ira e de sua boca, saiam palavras malignas e cortantes.

Um pouco a leste, Harit, um druida ancião com barbas alvas caídas na altura de seus joelhos, convidava as árvores para ajudá-los; elas aceitaram sem hesitação, esticando seus galhos espinhosos na direção dos soldados furiosos e chicoteando o vento em busca de suas cabeças. Suas folhas balançavam de forma assustadora e frenética. Desenterravam suas raízes profundas e caminhavam pra cima dos homens que tinham os pés presos ao chão pela relva que se enlaçava a eles, e os envolvia com seus braços duros e frios.

No meio do tumulto, Athame havia percebido que este era apenas o começo de todas as batalhas nas quais ainda lutaria. Levantou-se de forma urgente e desembainhou sua espada, erguendo-a a sua frente. Foi cercada por três novos soldados que apareceram repentinamente, e viram em Athame um alvo mais fácil. Sem saber direito como usá-la, a garota empurrou-a para frente e sentiu como se já houvesse feito esse movimento milhares de vezes; no entanto, eram três contra um. Estava em desvantagem. Fazia alguns movimentos rápidos que a permitia defender-se de cortes que poderiam ser fatais, mas não conseguia atacar.

–Elizabeth! Elizabeth! –Enquanto corria, tentando escapar de golpes dados por soldados que pareciam se multiplicar, Ernestine gritava o nome de sua filha menor. Não conseguia achá-la. Athame não havia tido tempo de contá-la sobre o acontecido.

Com um movimento rápido, Cycero avançou sobre dois dos três soldados que cercavam a jovem, deixando um desprovido de mão direita, e o outro com um furo no abdômen, pelo qual jorrava sangue fresco. Isso deu a Athame oportunidade de atacar o terceiro, decepando-lhe a cabeça.

Por sua vez, Andrômeda, uma bruxa de idade semelhante à de Ernestine -com cabelos negros como o céu mais escuro e olhos vermelhos como dois rubis raríssimos- criava pequenos redemoinhos de vento que avançaram para o grupo mais próximo de soldados e os arremessava contra os troncos dos velhos pinheiros, estáticos. À sua volta, os demais bruxos criavam ilusões fantasmagóricas que assustavam os soldados dispersos, expulsando-os dali. Em poucos instantes, havia uma quantidade incontável de homens jogados no chão; alguns desmaiados, outros definitivamente mortos. Uns entregaram-se à morte com seus corpos completos; outros jaziam sem mãos ou braços e algumas cabeças repousavam imóveis. Athame e Cycero ainda seguravam suas espadas em punho, caso mais alguém aparecesse. Alguns bruxos haviam desaparecido. Outros poucos que permaneceram ali preparavam-se para partir.

A garota percebeu que sua mãe desistira de procurar por sua irmã. Vendo que não apareceria mais ninguém, Athame abaixou sua espada e caminhou -com Cycero em seus calcanhares- até Ernestine, que estava sendo consolada por sua mãe, Elysia.

–Eles a levaram. –Disse sua mãe com voz monótona e olhar vazio.

–E... Eu não pude fazer nada que pudesse impedir...

–Athame - Ernestine a olhou. Seu olhar era incisivo. - Você precisa ir. Agora. Faça isso. Por nós. Todos nós.

–Sim. Eu farei.

E virou as costas, caminhando em direção aos pinheiros seguida por Cycero. Pôs sua espada no cinto e respirou fundo. Perto da adaga, a bonequinha esfarrapada e suja de Elysabeth descansava.

“Sim. Eu farei.”

***

Athame andara a madrugada inteira; amanhecera e mesmo cansada, com fome e sede, continuava indo em frente com seus passos duros cada vez mais rápidos. O dia estava nublado e um tanto frio. A neblina cobria a estrada fazendo a pele da jovem arrepiar debaixo do vestido de fino tecido rubro. Os poucos raios de sol que conseguiam sair de trás das nuvens lutavam para atravessar as copas das árvores e iluminar o caminho.

Não sabia para onde deveria ir. Havia esquecido-se de pegar o mapa com a rota que a conduziria até Geburah, reino no qual a sua caminhada começaria. Lembrava-se apenas de que deveria seguir para nordeste, e era o que estava fazendo. Não sabia para onde devia seguir depois. Na sua cabeça passavam apenas imagens de Elisabeth, de sua partida... O sofrimento de sua mãe... A boneca caída na lama... Por que Elisabeth a deixaria para trás? Nunca ficara sem ela...

Por volta da metade da manhã, sentia-se tonta e fraca de fome. Havia andado tanto e não sabia se estava sequer perto de onde deveria chegar. Escutou os passos que ressoavam atrás de si, e lembrou-se que Cycero estivera ali consigo e não havia dado nenhuma palavra desde que saíram da fazenda.

Parou repentinamente, cambaleando.

–Athame? Está se sentindo bem?

–O que você acha garoto?

–Você quer que eu faça algo pra lhe ajudar?

–Não. – Disse de forma seca. - E acho melhor você ir embora.

–Porque você acha que eu deveria ir? – Cycero franziu as sobrancelhas.

–Porque esta batalha é minha Cycero, não sua. Eu tenho que ir. Sozinha. Você tem que voltar.

–Voltar...? Pra onde?

–Pra onde mais, seu idiota? Pra sua casa, oras... Sua família...

–Athame, com toda a licença do mundo, mas você só pensa em si mesma. Só pensa em como você sofre, em como sua situação está ruim. Olhe aqui garota, eu tenho uma novidade pra você. Eu também estou muito fodido.

–Como é que é? Cale a su...

–Cale a boca você! Agora você vai me escutar. Desde que eu cheguei naquela fazenda há dois dias, eu estou tendo que te aguentar, e aguentar seu gênio ruim. Eu sei que fiz coisas erradas, mas você é insuportável!- Cycero apontava o dedo para o rosto de Athame, que estava visivelmente assustada. - Você acha que eu caí naquela fazenda por acaso? Ou porque eu quis? Foi porque eu não tive escolha.

–Olha... Eu não tenho nad...

–Porra! Cale a boca por um instante, merda! Você quer que eu volte pra casa! Mas que casa? Minha mãe também era espancada e estuprada pelo meu padrasto, a mesma coisa acontecia com minha irmã mais velha e com a mais nova, de doze anos, e eu nunca pude fazer nada. Minha casa foi destruída, completamente queimada. Minha família está abrigada na casa da mãe do meu padrasto... Mas eu não poderia ir pra lá, é claro. Poderia ir pra casa da minha avó... Mas ela morreu. Foi morta. Pelos mesmos que mataram meu pai, seu pai, e todas as outras pessoas de bem que moravam neste solo maldito. A casa da sua avó foi minha única opção.

Athame estava sem palavras. Sentia-se envergonhada por ser tão egoísta todo esse tempo. Seu rosto queimava e seus olhos ficaram embaçados.

–Eu não espero que você se apaixone por mim, ou me aceite. Só queria que soubesse que outras pessoas sofrem. E que a deusa também reserva algo para nós. Para mim. – Cycero olhou para o horizonte. Com a voz embargada, disse. - Essa batalha não é só sua, Athame. Agora vamos. Você precisa se alimentar.

–Bem... Eu não... Trouxe o mapa...

–Você o que?

–Tudo bem, a culpa não foi minha... Não imaginei que fôssemos sair daquele jeito.

–E agora, o que vamos fazer?

–Eu não sei droga!

–Merda... Tudo bem... Vamos continuar andando.

Andaram por alguns quilômetros... Uns três, talvez. O frio só fazia aumentar a cada passo que davam. Os jovens estavam mui cansados e famintos. Andaram demasiadamente, no entanto não viram sinal algum do reino. Decidiram parar para descansar um pouco e então, avistaram um grande carvalho convidativo e Cycero logo sentou-se em suas raízes altas. Athame o acompanhou, mas quando foi sentar-se ouviu algo se rasgando e rompendo. Olhou para sua cintura. A boneca de Elisabeth, de tão velha, por simplesmente passar por uma uniformidade na superfície do tronco, partiu-se ao meio deixando cair alguns farrapos no chão. Enquanto Cycero descansava de olhos fechados, Athame abaixou-se para recolher os restos da boneca. Percebeu então que havia algo dentro da boneca. Puxou para fora e percebeu que um papel havia sido bastante amassado e enfiado no pequeno espaço junto com retalhos. Abriu-o e surpreendeu-se.

O mapa com a rota correta rabiscada felizmente estava em suas mãos. Athame sentia-se mais aliviada. Percebeu que não estava andando em vão; tinha seguido pelo lugar correto, e em pouco tempo chegaria ao reino de Geburah.

Notou então que outro papel havia sido posto junto com o mapa. Abriu-o e leu-o para si, confusa.

“Geburah, vinha de teus tambores fortes

Constantes notas ‘Do ‘

Que espantavam com severidade aqueles malditos.

Com o eclipse fez-se cinza a terra,

E a beleza da primavera esgotou-se em lágrimas;

Lágrimas que não encheram os rios e os lagos.

Lágrimas ácidas que destruíram os campos.

Campos que não mais riem com as crianças.

E o ar, frio que mata.

Até a morte chora.

As quatro torres principais comunicam-se,

E a pirâmide do reino reflete o sol.

O monstro perdido no deserto busca a estrela,

Aquela que caiu em mãos douradas.

PROSPERA NOSSO REINO!

O guerreiro prateado virá para defender a todos!

PROSPERA NOSSO REINO!

A escuridão em nossos pés deitará e dormirá.”

–Cycero, achamos algo.

***

Em uma fazenda perto de Malkuth, os ventos sopravam violentamente.

A manhã estava nublada, e as nuvens estavam escuras anunciando que muita chuva estaria por vir.

Por volta das dez horas da manhã, Elysia se encontrava na cozinha preparando café para si e sua filha Ernestine, que estava sentada no canto do cômodo, calada e pensativa; havia chorado bastante desde o fim desastroso do Sabá até ali.

Elysia estava extremamente indignada com o que havia acontecido. Mesmo que fossem contra sua cultura, seus costumes, não tinham direito de fazer o que haviam feito. Isso não justificava tal comportamento. Fervia o café no fogo à lenha enquanto praguejava entre murmúrios.

Ernestine, ainda se mantinha quieta. Seus pensamentos davam inúmeras voltas ao redor das lembranças de suas filhas. Sua pequena Elizabeth... “Onde ela estará? Será que está em segurança?”. Seu peito doía de infelicidade. “E Athame? Espero que esteja bem...”. Fechou seus olhos e pensou “Deusa... proteja minhas pequenas...”.

–Mãe... Preciso ir... Respirar um pouco.

Elysia olhou para sua filha; seus olhos, cheios de preocupação.

–Tudo bem, filha... Você realmente precisa. Vou ficar aqui e rezar um pouco por nossas pequenas...

Ernestine assentiu e virou-se em direção à porta que levava ao local onde na noite anterior havia acontecido o Sabá.

Antes de sair, ouviu sua mãe dizer:

–Volte para o almoço...

A mulher já havia saído de casa e atravessara o terreiro vazio. Só o que sobrara da noite anterior eram algumas cadeiras jogadas no chão e as mesas grandes partidas ao meio. No centro do terreiro a fogueira repousava triste, apenas com as cinzas que hora se mantinham deitadas na madeira enegrecida, hora flutuavam no ar. O vento frio soprava as folhas das árvores caídas e fazia a relva crescida movimentar-se. Ernestine movia-se devagar em direção aos altos e espessos pinheiros escuros e antigos. Adorava aquele lugar. Sempre ia ali quando mais nova para pensar. Estava desesperada, não sabia o que fazer.

Na verdade, sabia.

Sabia, e era exatamente o que iria fazer.

Caminhou na direção oposta, para a estradinha de terra batida que ficava em frente à casa de sua mãe e seguiu por ela.

Andou por mais ou menos duas horas. O vento frio fustigava seu rosto cansado arrastando suas lágrimas quentes para fora de seus olhos.

Sempre tentara proteger suas filhas, livrá-las de um peso que não mereciam segurar; porém tudo o que fizera tinha sido em vão. Todos os sacrifícios agora não significavam mais nada. Sua criança, sua pequena e especial Elizabeth havia sido levada. Nada a importava mais. Não lhe importava mais a vida, a liberdade, a felicidade. Faria o possível e o impossível para resgatá-la.

Faria o que fosse preciso.

Seu coração apertou ainda mais quando reconheceu as pequenas casinhas amontoadas e as ruas tortas do pequeno reino que havia deixado para trás há alguns meses. Malkuth lhe era completamente estranha. A poeira que levantava do chão da cidade e pairava no ar, parecia querer expulsá-la dali. “Aqui não é o seu lugar.”

Continuou andando de cabeça baixa pela rua principal; levantou-a apenas para fitar uma grande cruz feita de estacas de madeira situada no centro da grande praça. Ela era rodeada por incontáveis fogueiras prontas para serem acesas e fazerem arder corpos injustiçados. “Isso há de acabar.” Murmurava silenciosamente consigo mesma, enquanto lembrava-se de sua Athame, partindo para nordeste segurando sua espada, juntamente com Cycero. “Que a deusa os acompanhe.” Rogou, pela centésima vez.

Ao som do badalar dos sinos da igreja local que anunciavam o meio dia, Ernestine atravessou a rua debaixo da fina chuva que caía, contendo as lágrimas e engolindo a tristeza e a dor. Estava feito; não havia como voltar atrás. Entrou em uma apertada e escura viela, e avistou uma porta que mais parecia estar se escondendo. Esperava que a solução para o seu problema estivesse atrás daquele portal, mesmo que o preço a ser pago fosse de alto valor.

Dentro do casebre, um homem alto e robusto, de cabelos louros e barba por fazer, dava goles de uma bebida alcoólica qualquer e tragava brutalmente um cigarro pútrido. Ao seu lado, em sua cama, uma prostituta de longos cabelos ruivos e bem provida de seios remexia-se nua sob os lençóis, acordando. Machas roxas e arranhões faziam-se visíveis sobre toda a extensão de suas costas e braços. O homem estava incomodado; não ficara satisfeito na noite anterior e seu corpo estava pedindo mais. Passou delicadamente o indicador nas costas da meretriz traçando uma trilha desde o pescoço ao fim de sua coluna; sua pele era macia e fina. “Bem cuidada demais para uma puta que vive jogada sobre mesas de uma taberna imunda...” Sussurrou em seu ouvido. A mulher tomou aquilo como um elogio, e respondeu com gemidos fracos.

Tocou em seu cabelo que ostentava grandes cachos vermelhos, e puxou-o com força fazendo com que sua cabeça fosse trazida violentamente para trás. A mulher ofegou de dor. Lembrou-se da noite anterior.

Estava na taberna bebendo com alguns soldados que comentavam com grande excitação sobre a “caçada” da noite anterior. Diziam que haviam conseguido capturar uma pequena bruxa; uma criança. Mas que a melhor parte sem dúvida era o ritual satânico que haviam interrompido. Haviam morrido muitos, de outros não se sabia o fim. “Mas nós escapamos sãos e salvos e ainda trouxemos uma bruxa imunda pra ser queimada... Merecemos recompensa!” gritou um soldado de pele morena, bêbado, seguido de urros e copos levantados - como um brinde-. Foi então que viu o homem calado entrando no bar. Fumava um cigarro e olhava com desprezo o interior do local. Sentou-se numa mesa distante, no escuro. Reconheceu-o imediatamente; o famoso capitão Hilder, conhecido por participar ativamente da “caça às bruxas” em nome da igreja há uns anos atrás. Havia perdido sua patente por decapitar pessoas inocentes incluindo Asmir Sivor, o conhecido ferreiro da cidade que na época tinha esposa e filha pequena. A prostituta havia ido até ele oferecer uma garrafa de Rum, e a si mesma. O achava bonito e interessante.

Ele a levou para sua casa. Estava demasiado embriagado e tinha um forte cheiro de fumo. Segurava forte em seu braço e a arrastou para seu quarto, jogando-a com força na cama. Rasgou suas roupas com violência e, sem nenhuma cerimônia, penetrou-a brutalmente. A prostituta gritava de dor e seus gritos eram recebidos com fortes tapas na face. Nunca havia passado por aquilo. Tinha sempre os homens aos seus pés, a bajulá-la. Nunca fora espancada, muito menos estuprada. O homem tinha fúria em seus olhos e parecia não ligar para as unhas que ela enterrava em seus braços, ou os pontapés desajeitados que dava na tentativa de se libertar. Continuava possuindo-a com violência.

A noite de agressões fora longa.

Agora ele estava determinado a continuar de onde parara.

Mordia com força seu pescoço enquanto continuava a puxar seu cabelo. Levou a outra mão a um dos seios da mulher e apertou-o. Passava as mãos em seu abdômen liso, quando batidas na porta o surpreenderam. Ficou em silêncio esperando que, quem quer que estivesse ali, desistisse de tentar vê-lo. As batidas, no entanto, tornaram-se cada vez mais insistentes. Explodindo de raiva, o homem levantou-se da cama, enrolou-se no lençol branco e caminhou até a porta.

–Fique aí vagabunda! Não se levante desta merda de cama. - Disse para a mulher na cama, que chorava baixo com o rosto enterrado no travesseiro.

A sala estava um caos. Cadeiras caídas, cacos de garrafa de bebida espalhados e sangue seco respingado no chão. Nervoso com as batidas urgentes abriu a porta e olhou –a fúria crescendo em seu peito- a mulher que estava ali parada.

Uma mulher incrivelmente bonita o aguardava do outro lado da porta. Tinha longos cabelos negros cacheados e usava um vestido que lhe fazia ser cobiçado o corpo. Era-lhe familiar.

–Nunca pensei que fosse dizer algo assim, mas preciso da sua ajuda. Só você pode me ajudar, John. Eu estou disposta a fazer o que for necessário para ter minha filha de volta.

***

–Quer que eu lhe carregue nas costas, lindinha? – Disse Cycero sorrindo ao ver como Athame andava aos tropeços de tanto cansaço.

–O que foi que eu já lhe disse sobre me chamar assim garoto?

–Vai cortar minha garganta... – disse rolando os olhos.

–Muito bem.

Depois de andar por duas horas inteiras, Athame e Cycero não estavam nada menos que exaustos, quase mortos. A fome, a sede e o cansaço os acompanhavam desde muito cedo, e mesmo a animação de terem encontrado o mapa e um poema misterioso não foi suficiente para mantê-los completamente firmes. Haviam achado algumas frutas horas antes e bebido um pouco de água da enxurrada que conseguiram parar com as mãos, no entanto ainda precisavam de mais suprimentos e um bom repouso. Continuaram em frente, na esperança de encontrarem algo que lhes satisfizesse.

Avistaram, ao longe, o pequeno reino.

O ar gélido fazia os jovens tremerem. O vento frio que soprava dava mais ênfase à tristeza da cidade. Os poucos pinheiros que se encontravam na entrada do lugar, aparentavam estar mortos. As demais árvores e arbustos que deveriam ser frutíferos jaziam secos; como se não tivessem visto uma gota d’água a pelo menos um século. Seus troncos retorcidos como que pedindo piedade, e seus galhos sem folhas, davam à paisagem um ar de morte. De dor. Os campos, secos e sem plantações, pareciam chorar lágrimas sêquidas.

Mesmo de longe, se fazia visível o enorme e dourado sino da igreja cristã. Badalava sem cessar, e seu som lembrava um canto fúnebre. Havia um enorme crucifixo também dourado sustentado em cima da pequena torre situada sobre a construção religiosa. Ao seu redor, casas pequenas e aparentemente pobres repousavam tristemente no chão. O lugar aparentava ser escasso de riquezas se fossem observados apenas os casebres que abrigavam as famílias famintas.

No entanto, quatro poderosíssimas torres semelhantes a obeliscos descansavam simétricas em forma quadrangular com igual distância de uma para a outra. Quatro grandes e imponentes torres espetaculares, cada uma com o símbolo de cada elemento em seu teto. O ar, a água, o fogo, a terra.

No centro das quatro construções – logo, no exato centro da cidade-, entretanto, estava localizada uma pirâmide, construção bastante incomum para aquele ambiente. Uma pirâmide grande e dourada, que parecia refletir a luz do sol.

Athame pegou novamente o poema que havia guardado junto com o mapa e os restos da boneca de sua irmã no bolso de Cycero. Releu-o mais uma vez e encontrou tudo que estava escrito ali, diante dos seus olhos, no reino a sua frente. Sentiu um grande medo quando seus olhos encontraram novamente a frase “O monstro perdido no deserto busca a estrela”. Uma forte náusea encheu-lhe o corpo.

–Ei... Você está bem?

–Não sei... Cycero, nós chegamos. – Athame disse apontando para as cinco construções esplendorosas.


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Notas finais do capítulo

Bem, esperamos que tenham gostado de verdade :3
Até o próximo capítulo...
Beijos, Lilith.
P.s.: Adoramos reviews :3