A Volta escrita por Chibieska


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Cá estamos com um capítulo pós natalino! Espero que gostem.

Boa leitura!



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Os dias se arrastaram lentos, até que finalmente novembro chegou ao final. O único consolo que Joaquim tinha era que depois do episódio do casaco, ele passara a ver Elena com mais frequência. Às vezes, ela aparecia na janela e acenava timidamente para ele, às vezes, aparecia no jardim, quando já estava escuro e muito frio para ter alguém lá fora. Ele se perguntava por que ela usava roupas tão finas, mesmo em um inverno tão rigoroso e nunca conseguia pensar em resposta alguma. Talvez ela simplesmente gostasse de frio.

Com o início de dezembro, a rua ia ficando cada vez mais vazia, famílias aproveitavam o recesso de final de ano para viajar ou visitar parentes. Outras, como a de Joaquim, passavam a frequentar as novenas de Natal na igreja e outras, como a de Antônio, passavam muito tempo no centro comercial da cidade, fazendo compras de natal e era exatamente em um dia assim, com a família de Antônio fazendo compras e a mãe de Joaquim na igreja, que os dois garotos se encontravam no gelado jardim da casa do mais alto, na companhia de Elena.

– Por que você não vem com a gente ao cinema? – convidou Antônio.

– Cinema? – perguntou Elena apertando as correntes do balanço onde estava.

Estava muito frio e quase nenhuma criança se aventurava brincar na rua. Antônio, Joaquim e Elena estavam sentados nos balanços localizados no quintal dos fundos. Os balanços tinham sido construídos pelo pai de Antônio, quando os filhos eram crianças, agora nenhum deles ligava para o brinquedo, mas o velho tinha pena de desmontá-los. Os pais haviam saído para fazer comprar de natal e deixaram o garoto sozinho em casa. Fora muita sorte quando ao atravessar a rua para ir até a casa de Joaquim, encontrara Elena brincando sozinha na porta de casa. Convidara-a para tomar um chocolate quente em sua casa, o qual a garota só aceitou quando Joaquim se juntou a eles.

Mesmo com aquele frio todo e com a insistência de Antônio para que eles se abrigassem no interior de casa, Elena alegou que preferia ficar ao ar livre e por isso, eles estavam ali, congelando até o rabo, quando Antônio lhe fez a pergunta do cinema.

– Isso, nós vamos mais tarde, quando os meus pais voltarem das compras.

– Nós? – perguntou a garota, olhando de esguelha para Joaquim.

– Sim, eu e minha família: meu pai, minha mãe e minha irmã – respondeu o garoto. A irmã estava na casa de uma amiga e os pais passariam buscá-la quando terminassem as compras.

– Joaquim, você não vai? – perguntou olhando diretamente para ele.

– Ah... não vou poder, terei outro compromisso – disse encabulado. Na verdade, Joaquim não tinha sido convidado para o programa.

– Então acho que não poderei ir – respondeu mordendo os lábios, pensativa. A resposta da garota deixou Antônio bastante enfurecido, ele olhou para a garota e para o amigo e se perguntou como a garota podia rejeitar seu convite só porque seu amigo não iria. As garotas sempre gostavam muito mais dele do que de Joaquim. Balançou a cabeça e entrou em casa, pela porta dos fundos, iria preparar o chocolate quente. Joaquim e Elena o seguiram.

Antonio estava no fogão preparando as bebidas, enquanto os amigos aguardavam na mesa.

– Eu te vi outro dia brincando com um cachorro – disse a garota com um sorriso bobo – parecia divertido – o sorriso alargou e Joaquim sentiu o rosto incendiar.

– Era o Flecha, minha tia foi viajar e nós ficamos cuidando do cachorro dela. Foi divertido, mas minha mãe não gosta muito de animais, diz que fazem muita sujeira. – Se sentiu estranho ao saber que era observado pela garota, achou que apenas ele a espiava.

– Na verdade, você sempre está fazendo coisas interessantes – a menina constatou com naturalidade assombrosa. A verdade é que Joaquim não fazia nada de diferente do que outros garotos da sua idade. Ele não classificaria suas atividades como interessantes.

– Bem, eu tam... – começou, mas foi interrompido por Antônio que colocou as canecas com relativa violência em cima da mesa.

– Aqui – sua cara já não estava mais tão feliz como quando encontrou com Elena brincando diante da mansão e era visível que ele não estava nem um pouco feliz com a presença de Joaquim ali.

=8=

– Vocês estão namorando? – perguntou Antônio, contrariado enquanto eles lanchavam no recreio do colégio.

– Não – sentiu o rosto queimar – claro que não.

– Então por que ela nunca aceita meus convites? – perguntou furioso. Irritava o fato de nunca vê-la e quando isso acontecia, era sempre com Joaquim a tira colo. Depois de tomarem o chocolate quente, Joaquim disse que precisava voltar para casa, Elena se prontificou a acompanhá-lo, por mais que insistisse com que ficasse.

– Vai ver ela não gosta de caras como você – interferiu Manoel, que até então ficara quieto. Ele vinha percebendo que os amigos andavam meio estranhos no trato um com o outro, um olhar atravessado aqui, uma resposta grosseira ali, nem combinavam mais de brincar juntos, e isso para ele era estranho, pois os três sempre foram muito unidos.

– Calado – Antônio foi seco. Na verdade, Manoel não entendia porque seus melhores amigos vinham se estranhando por causa de uma garota. Elena era simpática e doce, mas existiam garotas muito mais bonitas na escola.

– Mas é uma possibilidade – filosofou o garoto rechonchudo – algumas garotas gostam dos acanhados.

– Ela gosta de você? – interrogou Antônio. O garoto estava falando muito alto e chamando a atenção dos outros estudantes. Era o último dia de aula antes das férias, Joaquim se perguntava por que tinha que passar por isso.

– Eu... eu não sei.

– E você gosta dela?

– Hum, ela... ela é legal – gaguejou, na verdade não sabia muito bem o que sentia pela menina. Mas sabia que não queria dividir a atenção dela com Antônio.

– Achei que você gostasse da Graça – desviou o olhar para a garota de óculos do outro lado do pátio.

– Eu... eu gosto, mas ela gosta de você – disse constrangido. Graça fora a única menina até então com quem ele gostaria de estar, mas ela gostava de Antônio, assim como várias outras garotas, então de que adiantava nutrir algo por ela?

– Que seja – resmungou Antônio chateado, ele odiava perder, fosse o que fosse, o que incluía a atenção de garotas. Saiu pisando duro, deixando Joaquim e Manoel no meio do pátio do colégio.

=8=

As férias não foram tão animadas como esperava, afinal, estava um frio terrível, o vento era constante e sua amizade com Antônio parecia balançada. Seu único consolo era que ainda podia ver Elena, às vezes, quando as luzes de ambas as casas já tinham se apagado e se encontravam no jardim dos fundos. Conversavam pouco, primeiro que Elena nunca tinha muito que dizer e segundo, porque estava muito frio e Joaquim detestava baixas temperaturas.

Era sua segunda semana de férias quando Joaquim ouviu a mãe o chamar na sala. O garoto desceu as escadas correndo, pelo tom da mãe, havia feito algo errado, embora não se lembrasse de ter aprontado nada. Quando chegou à sala, encontrou a senhora Alvarez sentada no sofá, com o mesmo vestido preto de sempre. Talvez não fosse o mesmo, mas como ela sempre usava preto, todas as roupas pareciam iguais. Ao ver a mulher ali, teve um mau pressentimento.

– Joaquim, você anda invadindo o quintal da senhora Alvarez? – Perguntou a mãe com uma cara nada feliz.

– Ah... – a sala de repente pareceu muito menor e muito quente, mesmo sendo meados de dezembro.

– E então? – pressionou a mãe.

A verdade é que mesmo nas noites que Elena não aparecia no jardim, Joaquim ia até os fundos da casa e bisbilhotava os arredores da mansão. Vê-la esporadicamente ou sua silhueta pela janela já não parecia mais suficiente e ele buscava uma chance para vê-la com mais freqüência. Até onde sabia, ela não saia muito de casa por estar doente, não ia à escola ou tinha outros amigos. A mãe não deveria deixá-la sair por causa da tal doença, então Elena aproveitava quando a mãe saia ou se distraia para dar uma escapadela. Só que a senhora Alvarez raramente saia de casa e Joaquim procurava outros meios para vê-la.

– Bom – tinha que inventar uma desculpa e rápido, falar que ficava vigiando a casa esperando que a mãe saísse para brincar com a filha iria fazê-lo soar como um pervertido – é que a senhora tem plantas muito bonitas no seu jardim.

Desculpa esfarrapada, mentira deslavada. Tanto, que as duas mulheres curvaram as sobrancelhas e tiveram reações distintas, a senhora Alvarez queria esganá-lo, enquanto a mãe de Joaquim corava em constrangimento, nem mentir o filho fazia direito.

– Bem, se gosta de plantas, vá visitar o jardim botânico, seu moleque, minha casa não é centro de exposições – disse a velha, lançando lhe um olhar de desprezo, então se voltou para a mãe do rapaz. – Espero que isso não se repita, ou chamarei a polícia.

– Não se preocupe senhora Alvarez, isso não vai mais acontecer – tentou tranquilizar. Embora Joaquim reparasse visivelmente nos olhos da mãe que diziam um “vamos ter uma conversinha”, enquanto tentava despachar a velha.

Apesar da ameaça da senhora e do castigo que recebera da mãe, Joaquim não conseguira evitar seus encontros com Elena. Desta vez, a senhora Alvarez tinha provavelmente ido ao mercado.

– Então, onde vai passar o natal? – era uma pergunta simples, mas por algum motivo ele estava bastante nervoso.

– Bom, acho que em casa mesmo – respondeu Elena, preocupada em despetalar um botão do jardim. Ela estava no seu quintal, enquanto Joaquim no seu, separados pelo roseiral.

– Você e sua mãe poderiam passar conosco – convidou, mesmo imaginando que não seria nada agradável passar o natal com a senhora Alvarez e que sua mãe não seria muito favorável ao convite.

– Minha mãe? Tem certeza? – perguntou espantada.

– Bem, sim, vocês duas...

– Você é muito gentil, mas não acho que seja uma boa ideia – sorriu melancólica.

– Bom, preciso ir, nos falamos depois – disse se encaminhando para casa, então um pensamento passou pela cabeça de Joaquim e ele parou. – Elena, por que você vem brincar aqui fora quando não há muitos vizinhos na rua?

– Sério? – ela pareceu pensativa. – Acho que é só coincidência que a gente se encontre quando a rua esteja vazia, porque eu conheço os vizinhos, até vejo sua mãe com frequência.

Joaquim estranhou, pois sua mãe nunca comentara nada a respeito da filha da vizinha, entretanto podia ser apenas coincidência mesmo os dois se encontrarem sempre com a rua quase deserta.

Depois da conversa que tivera com Elena no jardim, Joaquim não a vira mais, mas apesar disso, não poderia dizer que as férias não estavam sendo ótimas, nada de preocupação com dever ou chateação dos professores, era só brincar, brincar e brincar. Até sua relação com Antônio havia melhorado e quase voltado ao normal, talvez fosse o espírito natalino, faltava menos de cinco dias para o natal. Apesar disso, todas as noites ainda espiava pela janela a procura da menina. A casa estava apagada e viu movimentos no jardim, mas desta vez, não era Elena, mas a senhora Alvarez. Ela usava um pijama largo e o cabelo estava solto, balançado ao sabor do vento. Era raro vê-la com o cabelo solto, geralmente ela usava um coque apertado, como uma rígida governanta. Trazia uma expressão leve e triste, exatamente como Elena fazia. E encarava as estrelas como se fossem as coisas mais belas do mundo.

Joaquim não soube o porquê, mas aquilo o deixou muito infeliz.

=8=

O Natal foi chato, mais do que Joaquim esperava, sua tia viera passar com eles e trouxera Flecha, o que tinha sido divertido, mas outros parentes também apareceram, daqueles que Joaquim mal sabia os nomes e preferia continuar não sabendo. Antônio passou com a família, que fez uma ceia invejável, Manoel foi passar na casa da avó que morava em Lisboa, de forma que só voltaria após a virada de ano.

A única parte boa, é que ganhara vários presentes interessantes e isso o fez pensar que Elena não ganharia nada, talvez apenas da mãe e que seria bom, como prova de amizade, presenteá-la com algo, embora ele não fizesse ideia de que. Por isso, nos dias que seguiram ao dia vinte e cinco, ele matutou no que seria o melhor para a menina, mas era difícil, já que conhecia muito pouco dos seus gostos.

Elena não entendeu como estar no telhado da casa de Joaquim podia ser um bom presente de natal atrasado, ainda mais no meio da madrugada. Ela olhou para baixo e o chão pareceu muito longe, o medo de cair a deixou muito desconfortável. Na verdade, nem fazia ideia de como se deixou convencer a subir até lá.

– Bem – disse o garoto ajeitando-se ao lado dela – espero que você goste do presente, eu não sabia muito bem o que deveria lhe dar.

Ela olhou para ele, esperando. Ele parecia nervoso, mas reuniu o resto da coragem que tinha e apontou para o céu.

– Estrelas – disse meio sem jeito, ficou muito pior do que ele tinha ensaiado. Na sua imaginação tinha ficado romântico, como o que vira em um filme da última vez que foi ao cinema. – eu não sabia o que te dar e como sua mãe gosta de estrelas achei que você também pudesse gostar – complementou sem jeito.

– Minha mãe não gosta de estrelas – respondeu a garota – mas eu gosto muito delas, elas são lindas – voltando-se para observar o céu. Agora estar no telhado da casa fazia sentido, era um jeito de estar mais perto das estrelas que tanto gostava.

Joaquim ficou confuso, se a velha não gostava de estrelas então por que estava olhando para o céu? Mas não queria falar sobre isso, poderia ser mal interpretado se a menina soubesse que acidentalmente, ele espiara também sua mãe.

– Sua mãe parece não gostar de muita coisa – disse mais para si, mas o comentário não escapou aos ouvidos da jovem.

– Ela não teve muito tempo para apreciar a vida, na verdade nem eu tenho muito. Eu sempre quis ajudá-la com as coisas, e ter tornado a vida dela mais leve. Mas eu estive doente.

– Não é culpa sua estar doente.

– Mas eu acabei me tornando um estorvo para minha mãe, ela sempre foi muito infeliz, até o fim.

– Fim? Que fim?

– Bem, ela fez o melhor que pôde – sorriu amargo e ficou muito parecida com a mãe – eu deveria estar no campo agora, os médicos disseram que seria melhor, mas agora que posso escolher, preferia a cidade, é muito mais divertido.

– Você fala como se tivesse a idade da sua mãe – ele observou, melancólico. Era tão estranho ver crianças falando como velhos.

– Eu acho que é normal quando já não se tem mais muito tempo.

– Muito tempo? Do que você está falando?

– Joaquim – ela olhou diretamente nos olhos dele – eu estou bem doente, sempre estive, tenho uma saúde muito frágil, os médicos disseram que eu não vou durar muito. – Joaquim ficou horrorizado com as palavras da menina, já era ruim ouvir alguém velho falando assim, imagine uma menina.

– Não diga essas coisas, você vai melhorar – tentou transmitir confiança, mas suas mãos estavam tremendo. E se ela realmente morresse?

– Quem sabe – ela deu de ombros como se o assunto não fosse grave ou importante e voltou a observar o céu.

Joaquim sentiu a mão dela envolver a sua, discretamente. Os dedos entrelaçados, o calor, eram coisas tão boas. Joaquim nunca tinha pegado na mão de uma garota antes.

– Obrigada por estar comigo – ela agradeceu, num tom de voz quase inaudível, seus olhos ainda focavam o céu. Ele também estava feliz por estar com ela, mas a conversa o deixara bastante preocupado.


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Notas finais do capítulo

N/T: Obrigada por lerem. Comentários são sempre bem-vindas!



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