A Volta escrita por Chibieska


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Demorei, mas voltei. Capítulo final, espero que gostem.

Boa leitura!



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Já era segunda semana do mês de fevereiro, as aulas haviam retornado e as crianças tinham voltado a rotina de sempre. Joaquim não vira mais Elena desde o encontro no telhado, no final de dezembro, um pouco antes do ano novo e isso o incomodava. Nem mesmo a velha Alvarez parecia tanto na rua, talvez a garota tivesse piorado e a mulher gastasse mais tempo cuidando dela. E se ela estivesse realmente muito doente e ele nunca mais fosse vê-la? Tomou uma decisão, iria visitá-la no próximo sábado.

Quando o sábado chegou, ele dispensou os amigos e foi para a casa da vizinha. Deu uma espiada nas janelas, mas estavam quase todas fechadas, apenas uma janela no andar superior estava aberta, com as cortinas violetas balançando ao vento.

Bateu na porta e esperou, bateu de novo e mais uma vez, mas ninguém veio atendê-lo. Já estava desistindo, quando uma ideia lhe passou pela cabeça, colocou a mão na maçaneta da porta e girou. Vai estar trancada, ele pensou. Por isso se surpreendeu quando a maçaneta fez um clique e a porta abriu.

Empurrou a madeira devagar e entrou com cuidado. Sabia que entrar na casa dos outros sem autorização era errado, mas precisava ver Elena. Adentrou na sala de estar e chamou pela garota, sua voz ecoou pelo cômodo vazio. Nada. Andou pelo cômodo até chegar ao corredor. Pôde ver muitos quadros nas paredes, com fotografias de Elena e da senhora Alvarez, mas estranhamente não havia nenhuma com as duas juntas. Nas fotos de Elena, existia outra mulher, parecida com a menina, um rosto duro e marcado pelo tempo. Ela parecia ser mais rígida e autoritária do que a senhora Alvarez, e o semblante era sempre carregado e infeliz. Havia também algumas fotos de uma garota mais velha, por volta dos vinte anos, muito parecida com Elena, talvez fosse irmã, mas a garota nunca citara nenhum parente fora a mãe.

Chamou novamente e subiu a escada que levava ao andar superior. Se ela estava doente, deveria estar acamada. Foi espiando pelas portas dos quartos que estavam abertas. A maioria dos cômodos estava vazia, sem móvel algum. Por que uma casa tão grande para uma mulher velha e sua filha doente? Chegou à última porta do corredor, deveria ser aquela com a janela aberta, mas a porta estava fechada. Aproximou-se e abriu.

O quarto das cortinas violetas, que ele sempre julgou pertencer a Elena, na verdade tinha outra configuração. Uma cama de solteiro com roupas sóbrias, móveis grandes e pesados. Não havia nada colorido, bonito ou jovial, fora as cortinas. E uma estante de livros estava em um canto, pela lombada, a maioria eram religiosos ou clássicos portugueses, coisas que gente da idade de Joaquim raramente leria.

– O que está fazendo aqui? – gritou uma voz encolerizada. Virou assustado e viu a mulher parada diante dele, o rosto contorcido pela raiva.

– Eu... eu vim visitar a Elena.

– Acha que tem o direito de invadir a casa dos outros, seu moleque atrevido? – a mulher avançava na direção dele, assustadoramente.

– Me desculpe, eu só... Elena, eu preciso vê-la – tentou argumentar.

– Saia já da minha casa, isso aqui não é um bordel, onde qualquer um pode entrar – gritou, apontando em direção a escada.

– Mas senhora Alvarez, eu só...

– Fora! – gritou – fora daqui seu... – a voz falhou, a mulher empalideceu e sua mão procurou apoio na parede, como se todas as forças tivessem a abandonado. Pálida e frágil daquele jeito, do mesmo jeito que Elena.

– Senhora Alvarez – correu em direção a mulher, sem saber o que fazer – a senhora está bem? A senhora também está doente?”

– Vá embora – a voz soou baixa e sofrida, mal podia ouvi-la.

– Mas a senhora não está bem, a senhora... Eu não posso deixá-la sozinha. Eu não posso deixar...

– Vá embora – a mulher o interrompeu – vá, por favor! – Gritou reunindo o resto de força que possuía. Os olhos encararam o rosto infantil, e Joaquim gelou. Conhecia aquele olhar, não era parecido com o de Elena, era o olhar da menina. O mesmo jeito melancólico e indiferente. Sem saber o que fazer ou o que pensar, o garoto simplesmente obedeceu e saiu correndo da casa.

Desde aquele dia Joaquim nunca mais viu Elena ou a senhora Alvarez. Ninguém mais parecia ter contato com elas, e ninguém parecia se importar com essa ausência. Pensou inúmeras vezes em contar a mãe, mas como explicaria que invadira a casa da mulher? Todas as noites buscava com afinco qualquer uma que fosse, mas a casa sempre parecia vazia, todas as janelas agora ficavam fechadas.

=8=

Já era meados de março, o sol estava morno e as plantas recuperando o verde inspirador, quando Joaquim viu Elena no quintal. Ela trajava branco e o cabelo estava solto. O rosto estava magro, com os ossos salientes e o queixo pronunciado. Ela corria os dedos pelos botões do roseiral que separava as duas casas e mas não sorriu quando avistou o menino, como geralmente fazia.

– Elena – chamou animado. Havia uma pontada de alívio por vê-la viva, embora se sentisse desconfortável em se dirigir a ela depois que invadira sua casa. – Está melhor?

– Dentro do possível – respondeu – mas isso não significa muito. – O garoto enfiou as mãos no bolso sem saber o que dizer. – Mas, obrigada por tudo. – Joaquim não entendeu o que ela estava agradecendo. – Eu nunca tive amigos antes, pode-se dizer que você foi o mais perto disso...

– Mas, e seus amigos antes de se mudar para cá? – Curvou as sobrancelhas.

– Minha mãe nunca me deixou se aproximar de ninguém.

– Mas, a senhora Alvarez não parece ser assim tão ruim...

– Ela não é ruim, mas algumas mulheres não nasceram para ser mãe – um sorriso amargo adornou o rosto como um lamento. – É engraçado, você fala da minha mãe como se a conhecesse.

– Mas eu conheço, ela é nossa vizinha...

– Do que está falando, minha mãe nunca abandonou o campo – Joaquim encarou-a sem entender.

– Mas... – as palavras não se formaram.

– Bem, eu só gostaria de te agradecer por ser meu amigo e ter me dado a chance de fazer tantas coisas legais na sua companhia. – Joaquim realmente não estava entendendo, tinha certeza que a mulher o odiava. – Oh, talvez eu devesse agradecer a estrela também, mas não tenho muita certeza sobre isso... – Do que ela estava falando? – Bem, eu preciso ir.

– Eu vou te ver amanhã?

– Não e provavelmente não nos veremos mais. Então por favor, não fique bisbilhotando – usava um tom leve, apesar de repreendê-lo como uma adulta.

– Mas eu não estava bisbilhotando...

– Você estava... – E sorriu de um jeito muito agradável, maroto até – de qualquer forma é bom que você não se intrometa, não creio que você entenderia a situação nem eu a entendo... – E deu de ombros como sempre fazia quando não queria pensar em determinado assunto.

– Que situação?

– Às vezes, tenho a impressão que existem duas de mim, mas deve ser bobagem. De qualquer forma, não precisa pensar nisso, um dia você será adulto e vai esquecer tudo isso, então não creio que você precise entendê-la.

E se virou, deixando Joaquim sozinho e confuso. Ele pensou em contar o diálogo que teve com a menina aos amigos, mas nenhum deles iria acreditar e mesmo que fossem ele sentia que aquilo era um segredo e ele deveria guardá-lo para si.

=8=

Era um fim de semana excessivamente quente para o início da primavera, e embora o desejo de qualquer criança fosse estar correndo pelas calçadas e se divertindo das mais diversas brincadeiras, a maioria estava enfurnada dentro de casa, se preparando para as provas que se aproximavam, até mesmo Joaquim, que sempre ia bem, estava em seu quarto, revisando a matéria.

– Vamos, se arrume – a mãe entrou no cômodo sem nem bater na porta. Rumou direto para o guarda-roupa e começou a revirá-lo.

– Aonde vamos?

– Enterro – respondeu simplesmente.

O garoto abandonou o livro e fico encarando a mãe remexer em suas coisas. Será que sua avó tinha falecido? Ela já era bem idosa, mas certamente sua mãe não estaria calma dessa forma.

– De quem?

– Da senhora Alvarez

O garoto levantou com um salto, derrubando a cadeira, espantado.

– Ela morreu? Como? Quando?

– Ela estava muito doente – a mulher encarou o menino sem entender, desde quando seu filho era tão preocupado com a vizinha?

– Mas e Elena? – Seu corpo formigava.

– Elena? Mas desde quando você a chama pelo primeiro nome? – Indagou a mãe.

– Eu sempre a chamei assim, é o nome dela.

A mulher não entendeu, franziu os lábios e deu de ombros, voltando a mexer nas roupas do filho.

– E então? O que vai acontecer com Elena? – Repetiu.

– Velada, enterrada, talvez cremada, não sei qual era o desejo da família – os olhos miúdos se arregalaram, sua mãe não tinha dito que era a senhora Alvarez quem tinha morrido.

– Não a senhora Alvarez, a filha dela – gritou em desespero.

– Filha? Mas do que você está falando? A senhora Alvarez não tinha filhos.

– Mas ela disse que te conhecia, que vocês se falavam às vezes, eu brincava com ela.

A mãe se aproximou e colocou a mão na testa do garoto, ele não estava febril, então o que eram aquelas bobagens que estava falando?

– Não tem graça, Joaquim – disse a mãe, séria – vamos, se vista logo – jogou as roupas sobre a cama e saiu do quarto batendo a porta.

Os garotos se encontraram no enterro da velha senhora, apesar de ninguém gostar muito dela, todos os vizinhos estavam lá, dizendo palavras bonitas e gentis que eram deslavadamente mentira.

Não havia parente algum nem ninguém que realmente parecesse se importar com ela. Elena não estava lá e ninguém parecia estranhar isso.

O padre fazia a última solenidade diante do caixão, antes de baixá-lo para o túmulo. Os três garotos mantinham certa distância, nenhum deles gostava dessas coisas. O padre terminou de dizer as últimas palavras, as pessoas jogaram flores sobre o caixão e os coveiros começaram a cobrir a sepultura com terra.

– Filho, vamos? – Chamou a mãe de Joaquim.

O garotou fez um sinal para mãe e se aproximou do túmulo para depositar a única florzinha que havia trazido Os dois amigos o acompanharam. Os coveiros já tinham preenchido o túmulo com terra e se retiravam com suas pás. Acima do monte de terra recém assentada, havia uma lápide simples, adornada por uma placa com o nome e a data de nascimento e óbito da mulher.

– Que engraçado, ela também se chamava Elena? Achei que só os homens dessem os nomes para os filhos – Manoel disse displicente.

Antônio lançou um olhar para Joaquim, mas este estava preso aos escritos da lápide, a mão apertando a flor nervosamente.

=8=

A mansão permaneceu fechada por um longo tempo, até que o senhor Amarantes veio de Lisboa e fez um inventário. Não havia ninguém para herdar os móveis e pertences da senhora Alvarez, assim o que não poderia ser doado acabaria indo para o lixo. Joaquim tentava esquecer Elena e tudo relacionado a ela, mas quando viu carregadores enfiando os pertences da mulher em um caminhão, através da janela de seu quarto, não conseguiu se segurar. Quando deu por si, já estava parado diante da porta da mansão, encarando nervosamente os móveis serem levados.

– Quer alguma coisa? – Questionou um dos carregadores.

– Não, eu só... – mas não sabia o que fazia ali, de forma se só lhe restou ir para casa e ficar observando a movimentação da sua varanda.

Levou a tarde toda até que os carregadores encaixotassem tudo e embarcassem na traseira do caminhão. Quando finalmente foram embora, os vizinhos curiosos que tinham se amontoado na rua já tinham voltado para suas casas.

Joaquim encarou a casa vazia e se sentiu melancólico, saiu da varanda e encarou o jardim, através do roseiral florescido. Então percebeu um livro caído, pisoteado e cheio de grama. Era o livro que ele vira a senhora Alvarez ler quando estava na varanda de casa.

Pegou o exemplar, antes que alguém o notasse e o levou para casa. A capa tinha um desenho abstrato, na primeira página uma dedicatória para Elena Alvarez de uma pessoa que Joaquim não fazia ideia de quem era, mas pelas palavras bonitas e animadoras parecia ser alguém bem querido.

O livro se chamava A Volta e Joaquim não nunca ouvira falar dele ou de seu autor, mas se surpreendeu que a leitura era rápida, interessante e prazerosa. A história era sobre um homem velho que se tinha grandes arrependimentos na vida e desejava ter uma segunda chance. O pedido era feito a uma estrela cadente, e quando ele acordava na manhã seguinte, estava jovem novamente. Entretanto, ele tinha a mesma mentalidade de quando jovem, sem trazer os arrependimentos da velhice, de forma que acabou por cometer os mesmos erros.

Então se lembrou da noite em que viu a senhora Alvarez no quintal e uma estrela cadente cruzou o céu. A mulher balbuciou algo, como se fizesse um pedido. Será que ela tinha feito um desejo similar ao homem do livro?

Isso explicava muita coisa, mas ele não era do tipo que acredita em magias ou desejos. Talvez Elena estivesse certa, ele não estava pronto para entender a situação.


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Notas finais do capítulo

N/T: Is the end... Ok, e a história termina por aqui, o que acharam? Eu não tenho muita experiência com originais, espero que tenham gostado.

Comentários são sempre bem-vindos.



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