A Volta escrita por Chibieska


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal, estamos aqui para mais um capítulo.

Boa leitura!



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Era domingo de manhã e os garotos brincavam diante da casa de Joaquim. Domingo era o dia que a rua ficava praticamente vazia. A maioria das famílias saia para visitar parentes e voltava apenas no final de tarde, mas a família de Joaquim nunca ia, porque segundo sua mãe, a relação com os parentes não era muito amistosa. Por isso, uma vez por mês, Antônio e Manoel também ficavam, para fazer companhia ao amigo.

Este era um domingo desses, que amigos ficavam para felicidade de Joaquim. Os três estavam agachados diante a calçada do garoto, jogando bolinhas de gude, quando uma das bolinhas foi lançada com mais força que deveria, rolou pela calçada e parou com um som engraçado, batendo no pé de alguém.

Joaquim desviou seu olhar das bolinhas alinhadas e encarou a solitária bolinha esverdeada, parada diante de uma pantufa encardida e velha. O calçado parecia muito maior que o pé do usuário, assim como o resto da roupa. Os olhos buscaram o rosto da pessoa, apenas para ver que era uma garota, a mesma garota que vira na janela da mansão.

– Ah, você pode devolver? – Se dirigiu a menina, apontado para o objeto parado aos seus pés.

A menina se abaixou e pegou a bolinha, girou nos dedos e então devolveu ao rapaz.

– Er... obrigado – disse ao sentir sua mão roçar levemente na dela enquanto recuperava o objeto. Vista de perto, era uma garota bem bonita, os cabelos negros cortados pela altura do ombro, rosto triangular e grandes olhos escuros, era verdade que ela era bem pequena e muito pálida, como se estivesse doente, mas não deixava de ser bonita. O pensamento fez com que seu rosto corasse instintivamente, diferente de Antônio, Joaquim não levava jeito com garotas e se restringia a conversar o mínimo necessário.

– Ei, você! Mora por aqui? Nunca te vi antes – Antônio chamou atenção, se levantando e encarando a menina do alto. Embora não fosse um tipo de beleza padrão, Antônio era muito bonito, além disso, era direto e espontâneo, o que fazia com que as garotas sempre gostassem dele.

– Ah, sim, eu moro ali – respondeu a garota, apontando para a mansão da velha Alvarez. A voz era muito baixa e eles tinham que se esforçar para ouvi-la.

– Então, você mora com a velhota? – perguntou o garoto, dando uma espiadela em direção a casa. Joaquim sentiu seu rosto corar, ficou imaginando que a garota não ficaria muito feliz de ouvir sua mãe ser chamada de velhota, mas a menina simplesmente sorriu e deu de ombros.

– Sei – Antônio coçou os cabelos negros. – Mas a gente nunca te viu antes e já faz tempo que você se mudou, não?

– Um mês aproximadamente - respondeu a garota, após contar nos dedos. – É que eu estou doente, então não posso sair muito.

– Ei, vocês, vão ficar de papo ou vamos continuar jogando? – Manoel chamou a atenção, impaciente, ainda sentado diante das bolinhas alinhadas.

– Já vamos – respondeu Antônio, mas sem se virar para o amigo, os olhos ainda estavam presos na garota e isso começou a deixar Joaquim incomodado. Já vira Antônio em ação com várias garotas, o olhar intenso, as perguntas preocupadas, tudo para mostrar interesse, nunca saia com nenhuma delas, mas as conquistava, só para ter agrados no dia dos namorados, presentes no aniversário e respostas durante os exames.

Embora Joaquim não admirasse a atitude do amigo, nunca se importou, mas agora, por algum motivo, não queria que Antônio fizesse isso, pelo menos não com aquela menina.

Se levantou, passou o braço pelo do amigo e praticamente o arrastou de volta ao jogo, desculpando-se sem jeito com a menina e acenando em despedida. Ela apenas corou.

=8=

– Então aquela é a criança misteriosa que vocês estavam comentando outro dia? – perguntou Manoel, depois que enjoaram de brincar. Manoel não era muito interessado em meninas, na verdade em pessoas em geral, ele preferia brinquedos e doces.

– Provavelmente – respondeu Antônio com um sorriso.

– Se fosse um menino ao menos poderia brincar conosco – disse o garoto sem muito ânimo.

– E qual o problema dela brincar conosco? – questionou Antônio.

– Ela é menina, vai querer brincar de boneca e casinha – o gordinho comentou com uma careta.

– Eu não vejo problemas em brincarmos dessas coisas – e realmente parecia não se importar.

– Nem pensar, você não concorda comigo, Joaquim? – Manoel desviou a pergunta para o amigo, que até então estava alheio à conversa.

– Esqueçam isso – respondeu irritado, enfiando as mãos nos bolsos. Joaquim não ligava muito para garotas, não que não gostasse delas, mas ele realmente não levava jeito para interagir com elas. Então não entendia porque a garota não lhe saia dos pensamentos e como a atitude de Antônio o deixara bastante irritado. Espiar da janela de casa e tentar adivinhar quem era aquela criança era seu passatempo noturno, agora ela estava ali, diante deles, como se um grande segredo fosse revelado. Mas Joaquim queria que fosse um segredo só dele.

De repente, o domingo perdeu toda a graça e ele quis voltar para casa.

=8=

Fazia uma semana desde que encontraram a garota na rua, depois disso, mesmo espiando atentamente as janelas e o jardim, Joaquim nunca mais a viu. Nem mesmo sua silhueta através da cortina.

O trio estava sentado na sarjeta da calçada, diante da casa de Antônio, o tempo não estava dos mais agradáveis. Nuvens grandes e cinzentas se arrastavam lentamente pelo céu, em um prenúncio que o dia seguinte seria chuvoso.

– Aquela garota não apareceu mais – suspirou Antônio, encarando a mansão.

– Esqueça aquela menina – resmungou Joaquim, intimamente furioso. Na verdade, ele também estava desapontado com o desaparecimento da garota, mas não queria compartilhar isso com Antônio.

– Talvez ela tenha piorado, talvez devêssemos fazer uma visita – sugeriu esperançoso.

Joaquim engoliu em seco, sentia como se seu território estivesse sendo invadido, preparou-se para uma resposta bem grosseira.

– Acho que não seria uma boa ideia, aquela mãe dela me dá medo – respondeu Manoel, automaticamente, concentrado na revistinha em quadrinhos que lia.

– Manoel tem razão – suspirou a contragosto.

Joaquim também concordou, com um muxoxo fingido, diferente do resto das crianças da rua, ele não tinha medo da senhora Alvarez, achava-a estranha, mas o ar misterioso o deixava intrigado. Mas não lamentava em usá-la como artifício para que Antônio não pudesse visitar a garota.

Exatamente como as nuvens haviam anunciado, uma garoa fina e fria caia regularmente, estragando qualquer plano de brincar na rua. Por isso, os garotos se amontoaram na varanda da casa de Joaquim e se revezavam jogando xadrez. Não que fosse algo realmente divertido, mas não havia mais nada a fazer.

– Tédio – resmungou Manoel, esfregando os olhos. Eles estavam sentados no chão de madeira, o tabuleiro posicionado entre Antônio e ele.

– Pare de reclamar e jogue – disse Antônio, com o rosto apoiado na mão.

– Não podemos jogar outra coisa? – reclamou o garoto, empurrando o bispo pelo tabuleiro sem realmente analisar sua jogada.

– Você só está reclamando porque é a quinta vez que você perde. Xeque – anunciou Antônio, posicionando a rainha em posição de xeque-mate.

Joaquim estava sentado entre eles, as costas apoiadas na parede de casa. Revirava um peão eliminado entre os dedos.

– Eu posso brincar? – A voz soou tão baixa que mal podia ser ouvida através da chuva. Joaquim olhou para fora, em direção ao quintal, os outros dois levantaram os olhos do tabuleiro e viram a garota, filha da vizinha parada no arco da varanda, os cabelos e roupas úmidos pela chuva. Antes que Antônio pudesse se levantar e ir em direção a menina, Joaquim saltou por cima do tabuleiro de xadrez e foi até o arco, pegou a menina pela mão e arrastou para a parte coberta.

– O que está fazendo aqui? – Perguntou preocupado, tirando seu casaco grosso e oferecendo a menina.

– Eu vi vocês aqui, pela janela, achei que não haveria problemas se... eu gostaria de... bom, eu queria... atchin! – A garota espirrou, encolhendo-se dentro do casaco que Joaquim tinha colocado sobre seus ombros.

– Você está doente, não deveria sair na chuva – repreendeu o rapaz, esfregando lhe os ombros, numa tentativa de aquecê-la.

– Mas... eu queria brincar com você – disse numa voz chorosa, encarando-o com os olhos grandes. Joaquim apenas sorriu, trazendo-a mais para o centro da varanda. De onde havia surgido tanta coragem para interagir assim com uma garota, ele não fazia nem ideia.

A garota se chamava Elena e era muito boa no xadrez. Ela venceu os três meninos com enorme facilidade, e embora nenhum deles gostasse de perder, principalmente Antônio, o jeito meigo da menina impedia que eles se chateassem pela derrota.

Elena não falara muito de si, apenas que antes de se mudar, morava nas montanhas e que o seu pai era um homem muito autoritário. O que era estranho, porque como Joaquim já havia observado, a senhora Alvarez não tinha marido e nem usava aliança, talvez o pai de Elena tivesse morrido, e se assim fosse, entrar no assunto poderia deixá-la triste, então achou melhor não perguntar. A garota tinha muitos traços parecidos com o da velha senhora, entretanto era muito mais simpática e sorridente.

Joaquim e Elena estavam diante do tabuleiro, o rapaz moveu o cavalo e aguardou, tinha armado uma estratégia para vencê-la dessa vez. De repente ouviu o assoalho da sala estalar sob passos, era um som baixo, quase imperceptível, mas que ele conhecia bem. A garota também pareceu ouvir, olhou apreensiva para a porta.

– Eu preciso ir – disse apressada, nem esperou os garotos se despedirem e saiu correndo. Atravessando rapidamente o jardim enlameado e se enfiando no roseiral que separava as duas casas.

– O lanche está pronto – avisou a mãe, ao abrir a porta e encontrar os meninos na varanda, olhando espantados para a casa da vizinha.

– Ela corre bem rápido para alguém doente – observou Antônio.

– Ela quem? – perguntou a mãe de Joaquim, curiosa espiando na mesma direção que as crianças olhavam.

– Lanche! – Gritou Manoel alegre, como se tivesse processado a informação agora. – Vamos comer, vamos, vamos. – Empurrou os amigos para dentro, ele não entendia como uma garota magricela poderia ser mais interessante que os deliciosos lanches feitos pela mãe de Joaquim. E sem responder a pergunta da mulher, os garotos entraram para lanchar.

=8=

Na segunda-feira, Joaquim voltava da escola, com passos arrastados e distraídos, estava sozinho, o que era bem incomum, mas Manoel e Antônio estavam de castigo após a aula por terem brigado dentro da sala. Joaquim não via à hora de chegar as festas de fim de ano e ter umas férias da escola, mas novembro parecia não acabar nunca.

– Ei, moleque – uma voz áspera e amarga chamou sua atenção, mal teve tempo de olhar na direção de onde a voz o chamava, pois sentiu algo atingir seu rosto e quase derrubá-lo no chão. Olhou para o amontoado de pano que o havia atingido e percebeu ser seu casaco, aquele que havia agasalhado Elena, ela ainda o vestia quando fugiu para casa.

Viu então a senhora Alvarez parada diante da mansão, com a cara ainda mais irritada e desgostosa.

– Não vai me agradecer, moleque mal educado? – disse ranzinza. O casaco estava lavado e trazia um delicado perfume de jasmim.

– Ah... obrigado, senhora – agradeceu, ia tomar seu caminho quando se lembrou. – A Elena está...

– Já devolvi seu casaco, pode ir pra casa – finalizou dando as costas ao garoto, se encaminhando para dentro da mansão.

– Mas ela.. – a mulher bateu a porta com força, deixando o garoto sozinho na calçada, segurando o casaco. – Depois eu é que sou mal educado – resmungou fazendo uma careta.

Apesar da reação da mulher, ele não podia negar que gostava do perfume que seu casaco trazia e se perguntava por que sua mãe não deixava as roupas cheirosas daquela forma.


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Notas finais do capítulo

N/T: Comentários e opiniões são muito bem-vindos!



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