A Volta escrita por Chibieska


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas! Tudo bom com vocês? Estou feliz com essa shortfic, ela era um roteiro e eu pretendia publicá-la em tal categoria, mas acabei mudando de ideia e reescrevendo e cá está ela como uma história.

Ela não é recente, escrevi em 2012 e decidi postar só agora, apesar de ter alterado de roteiro para conto, não alterei nada na história, então, ela está exatamente como foi concebida.

Qualquer um que me conheça, sabe que sou escritora de Fandom e tenho pouquíssimas originais postadas por aqui (embora escreva várias). Então, espero que gostem.

Boa leitura!



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Capítulo 1

Era 1980 e estava anormalmente frio para o final de outono. Era possível ver uma fina camada de geada cobrindo as plantas e o asfalto pela manhã e ouvir o vento fustigar as árvores, arrancando folhas no início da noite. O clima desmotivava os adultos irem ao trabalho, os casais de namorados se encontrarem no parque, as mães passearam com seus bebês e até mesmo os cães não pareciam ter ânimo para abandonar suas confortáveis casinhas de madeira e brincarem no quintal.

Entretanto, as crianças corriam animadas na volta da escola, enchiam os parques e praças, brincavam na calçada diante de casa, ignorando o frio congelante e o vento incômodo.

E era com esse estado de espírito que três garotos brincavam em uma rua sem saída em um bairro residencial no subúrbio da cidade do Porto, no noroeste de Portugal.

– Ei, isso é meu – gritou Manoel, garoto de rosto redondo e cabelos acobreados ralos, apontando para as bolinhas de gude que Antônio, alto e esguio, discretamente enfiava no bolso.

Os dois garotos começaram uma discussão sem sentido, acusando um ao outro de roubo, que terminou em trocas de socos e chutes, jeito simples dos garotos de 12 anos resolverem seus problemas, mas Joaquim, o menor dos três, franzino e com uma abundante cabeleira cor de trigo, não estava prestando atenção. Seu interesse estava preso à casa vizinha a sua. Era uma casa grande em estilo rococó que pertencera a família Amarantes por várias gerações, mas desde que último herdeiro vivia em Lisboa, a casa ficara fechada por muitos anos com uma plaquinha de aluga-se pregada a porta da frente. Agora, finalmente, parecia que alguém havia alugado a residência.

Os carregadores levavam os móveis para dentro da mansão, observados pelos olhos autoritários de uma senhora. Ela não era tão velha, mas o rosto estava bem mal tratado pelo tempo e seu olhar era duro e frio. O cabelo escuro estava preso em um coque apertado, e trajava um vestido preto. Os móveis eram grandes e antiquados, que lembravam a Joaquim a decoração que sua avó matinha. O menino mantinha seus olhos concentrados na mudança, a mulher, apesar de estranha, lhe parecia bonita. Os olhos se cruzaram, a mulher sustentou o olhar duro sobre ele, mas havia algo mais, algo que ele não saberia precisar o que era.

– Joaquim – Manoel gritou, pedindo que o amigo intercedesse na briga que perdia vergonhosamente. O garoto voltou a atenção ao amigo e antes de ir a seu socorro, encarou a mulher mais uma vez, mas esta já tinha entrado na casa, esbravejando com os carregadores.

Naquela noite, antes de dormir, Joaquim deu uma espiada através da janela de seu quarto para a casa da vizinha. Estava uma noite bonita, o céu estava claro e estrelado, de forma que ele podia divisar muito bem a casa ao lado. A moradia era grande, dois andares e não havia um muro que separasse a velha mansão da casa do garoto, apenas uma linha imaginária, ladeada por algumas roseiras serviam de demarcação entre as residências.

As cortinas da mansão estavam abaixadas e não havia luz alguma no interior, mas a mulher estava no quintal. Ela trajava pijama fino a despeito do frio enorme que fazia lá fora, o cabelo enrolado e preso dentro de uma touca de dormir. Iluminada pela luz azulada das estrelas parecia incrivelmente frágil e pálida. Ela encarava o céu e subitamente sorriu. Joaquim conseguiu desviar o olhar a tempo de ver uma estrela cadente cruzar rapidamente o céu. Encarando novamente a mulher pôde ver os lábios se moverem como se disse algo, provavelmente fazendo um pedido a estrela. Seus olhos grandes e negros encararam a casa de Joaquim e lentamente deslizaram até sua janela.

Antes que seus olhos se encontrassem, ele fechou a cortina e se agachou abaixo da janela. Tudo o que precisava era que a vizinha achasse que ele andava bisbilhotando.

=8=

Os garotos estudavam em uma escola próxima, no bairro vizinho. De forma que iam e voltavam caminhando do colégio. Naquele dia em especial, Manoel não estava nem um pouco animado em ir para a escola. Eles estavam prestando os exames de final de semestre, e o garoto gordinho não estava indo nada bem. Joaquim era o mais inteligente do trio, mas sua mente estava presa a cena que presenciara na noite anterior, quando sua nova vizinha encarava as estrelas, e por isso fez a prova com menos atenção do que deveria. Antônio não levava os estudos muito a sério, era popular com as garotas e uma delas sempre acabava soprando as respostas para ele, por isso nunca se dava ao trabalho de estudar.

Apesar dessa vantagem, a professora o colocara sentado ao lado de Graça, que nem de longe era inteligente. Então, apesar da menina ter lhe passado as respostas do exame, ele não confiava muito nos acertos da jovem.

No fim do dia, quando voltaram para casa, nenhum deles parecia muito animado com seu desempenho no exame e nem estavam com disposição para brincar. A mãe de Joaquim estranhou ao vê-lo chegar tão cedo, mas não questionou.

Naquela noite, assim como na anterior, Joaquim puxou as cortinas do quarto e observou a mansão ao lado. Desta vez, a mulher não estava presente, e ele se sentiu aliviado por isso. A noite não estava tão iluminada como a anterior, e era possível ver algumas nuvens cruzando o céu. A casa estava mergulhada na escuridão, se não fosse por uma janela, coberta com uma grossa cortina violeta que deixava vazar um pouco de luz.

Joaquim podia ver uma silhueta se movendo de um lado para o outro, carregando um livro nas mãos. Julgou que deveria ser a dona da casa, embora ela parecesse muito mais baixa do que quando a encontrara no jardim. De repente, a cortina foi puxada, mas antes que ele pudesse se esconder, se deparou com dois grandes olhos negros. Mas eles não adornavam um rosto velho e cansado, mas redondo e infantil.

Uma menina, aproximadamente da mesma idade que a sua, o encarava na noite. O cabelo negro caído sobre o ombro e trajava uma camisola que parecia muito grande para ela. Os lábios rosados se moveram, formando uma palavra, mas antes que Joaquim pudesse deduzir a palavra, algo fez um barulho alto dentro da velha mansão. A menina se assustou e rapidamente puxou a cortina. O garoto pôde ver a silhueta se afastar e então desaparecer do cômodo, como se tivesse saído por uma porta.

Joaquim ficou encarando a sala por um longo tempo, mas a menina não voltou, quando o sono finalmente o venceu, fechou sua própria cortina e se aninhou na cama. Era estranho, não se lembrava de ter visto criança alguma durante a mudança.

=8=

– Minha mãe disse que ela é bastante antipática – disse Manoel, as palavras emboladas, a boca cheia de biscoitos. Se a mencionada mãe o visse, teria um ataque, dizendo que os biscoitos estragariam seu apetite para o jantar, o que não era verdade, Manoel estava sempre com fome. Era sexta-feira e os garotos andavam pela rua voltando do colégio, animados por aquele ser o último dia de aula da semana. O assunto era a nova vizinha, a senhora Alvarez. – Ela não gosta de crianças – complementou o garoto, lambendo os dedos cheios de farelos de polvilho.

Joaquim a tinha visto poucas vezes desde a mudança, diante da porta de casa, ralhando com os garotos que brincavam na calçada diante de casa. Sabia, pela própria mãe, que a mulher tinha descendência portuguesa e espanhola, e a maioria dos vizinhos não a viam com bons olhos, atribuindo seu jeito soturno e grosseiro ao seu lado espanhol. Apesar da época em que vivia, em algumas regiões de Portugal ainda não viam estrangeiros e mestiços com bons olhos.

– Se ela não gosta de crianças, por que então tem um filho? – perguntou Antônio inquisitivamente.

– Que filho? – perguntou Manoel.

– Então você também viu a menina? – questionou Joaquim, saindo de seus pensamentos.

– Bom – começou Antônio, como se escolhesse as palavras – mais ou menos, minha casa é do outro lado da rua, então não dá pra ver direito, mas eu achei ter visto uma criança na janela numa noite dessas.

A casa de Antônio era exatamente em frente a velha mansão, enquanto a casa de Joaquim a avizinhava pelo lado direito. A residência do menino era última antes do final da rua, que acabava em uma grande parede de pedra cortada, que delimitava uma antiga pedreira. O bairro onde viviam, aliás, surgiu inicialmente para suprir as necessidades dos donos e trabalhadores da pedreira. Manoel morava no começo da rua, em uma casa de esquina.

– Poderia ser uma boneca – interferiu Manoel, ele não tinha visto menina nenhuma e como os amigos pareciam tê-la visto apenas de relance, nada impedia de terem se confundido. – Minha mãe guardou todas as bonecas da infan...

– Não é uma boneca – interrompeu Joaquim – é uma criança, eu a vejo da minha janela. – os dois amigos o encararam – bom, vi apenas uma vez, depois apenas a silhueta através da cortina. – Sentiu o rosto corar, como se estivesse tentando convencer alguém de uma mentira.

– Que sorte – Antônio sorriu – eu nunca a vi pessoalmente, só através da cortina. Isso fez Joaquim suspirar aliviado, por várias vezes achou que estava vendo coisas, afinal nunca vira a criança em outro lugar que não fosse através da silhueta pela janela. Mas, se realmente havia uma criança, por que ela nunca saia para brincar? – Você falou sério da sua mãe guardar as bonecas? – o mais alto se voltou para Manoel.

O garoto encarou o amigo de esguelha, mas concordou.

– Isso é assustador – gemeu o menino em tom dramático.

– Ei, não diga que a minha mãe é assustadora – Manoel pareceu aborrecido.

– Mas ela é, quem guarda as próprias bonecas? Se você fosse menina, até poderia dizer que era uma herança, mas quem vai brincar com aquilo? – Provocou.

– Não diga essas coisas da minha mãe, ela guarda porque acha bonito – mas não podia negar que ele mesmo achava meio assustador.

– Aposto que sua mãe gosta mais delas do que de você, mas eu até entendo, com um filho feio desses...

Não demorou para que os dois entrassem em nova discussão, resolvida com chutes e socos, que Manoel sempre perdia. Joaquim estava perdido em seu próprio mundo, pensando na menina misteriosa, que sequer deu atenção a briga que se desenrolava. Afinal, não era novidade nenhuma, Antônio e Manoel estavam sempre brigando.

A briga terminou rápido, assim como começou e minutos depois, o trio já estava diante da casa de Antônio, jogando bolinhas de gude. Vez ou outra, Joaquim lançava um olhar para a antiga mansão dos Amarantes, procurando nas janelas do segundo andar, na esperança de encontrar a menina misteriosa, mas a casa parecia totalmente vazia. Por isso se surpreendeu quando a porta da frente se abriu e a senhora Alvarez arrastou uma cadeira na varanda de casa. Acomodou-se e deu continuidade ao livro que trazia nas mãos finas e longas.

Ainda estava frio, mas o clima estava mais ameno, talvez isso tivesse incentivado a mulher a sair de casa, mas ela parecia bastante desgostosa com o movimento na rua. Homens voltavam do trabalho, um grupinho de crianças entre seis e sete anos brincavam de bola, usando uma marcação a giz na parede de pedra cortada como gol. Um vendedor ambulante passava de casa em casa, conversando animadamente com as donas de casa que cuidavam dos jardins judiados pelas geadas matinais.

Quando começou a escurecer, a mãe do Joaquim o chamou, na verdade já era terceira vez, pois o garoto sempre pedia mais alguns minutos de brincadeira na rua. A mulher não estava disposta a dar mais nenhum segundo, naquela terceira tentativa, e só sobrou parar a brincadeira na metade e se despedir dos amigos. Quando chegou a calçada de casa, lançou um olhar a senhora Alvarez, que parecia ter esquecido o livro e estava mais interessada em vê-lo atravessar a rua. Acenou em cumprimento, mais por educação que por desejo e observou a mulher ter estranhas reações. Primeiro, a mulher pareceu corar, como as meninas do colégio ficavam diante de um simples oi de algum garoto popular, depois ela pareceu enfurecida, lançou-lhe um olhar carregado de ódio e voltou para dentro de casa, arrastando a cadeira pelo piso de madeira, antes mesmo que ele pudesse ter com a mãe, que o esperava na varanda, segurando a porta aberta. A mulher também não entendeu a reação enérgica da vizinha e se limitou a bagunçar os cabelos gelados do filho, quando ele atravessou o batente da porta.


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Notas finais do capítulo

N/T: Críticas e sugestões são sempre bem-vindos!

(para quem acompanha meu perfil, Rota Zero está de capítulo novo e AGCL deve ser atualizada ainda este mês)



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