Silver Snow ESPECIAL DE NATAL DO TAP vol.2 escrita por Matheus Henrique Martins


Capítulo 11
Quebra de Feitiço




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Meus olhos se abrem e demoro dois segundos para entender aonde vim parar. Me lembro do bloqueio na borda da cidade. Do rio correndo abaixo dali. De uma cafeteria sem graça. De um beco e um garoto de olhos azuis frios e então do Motel.

Olho Felipe ao meu lado e meu coração bate rápido. Seus olhos estão fechados e seus lábios estão entreabertos, mas não é isso que me deixa nervoso. Ele esta com o braço debaixo das minhas costas e esta com o rosto a centímetros do meu.

Tento me lembrar de algo e o vejo no meio da noite abraçando minha forma peluda, se aninhando ao meu corpo animal e quente. É, pois é, agora estou apenas quente mesmo.

Por alguns segundos, fico ali, embasbacado enquanto sua respiração sopra em meu rosto. Ele parece achar isso tão natural – deve ser porque esta dormindo, obviamente.

Não quero mesmo sair da cama agora, não enquanto ele esta tão próximo e eu posso avaliar seu dorso e até mesmo toca-lo. Mas eu sei que tenho que fazer isso.

Tento me mover lentamente e consigo tirar seu braço debaixo de mim. Ele franze o rosto fechado para mim e se remexe um pouco, mas não acorda. Saio da cama e corro para minhas roupas no canto do quarto.

Depois que coloco a camiseta, viro-me e fico admirando a paz em seu rosto. Está deitado de lado e é tão lindo que tenho vontade de voltar a deitar ao seu lado.

Mas sei que se eu fizer isso na forma que eu estou ele vai socar meu rosto. Decido então sair para fora do quarto e esperar ele acordar, qualquer coisa é melhor do que ficar no mesmo quarto de Motel que ele.

Qualquer coisa é melhor do que essa sensação de não poder toca-lo.

* * *

Fico observando o estacionamento sem na verdade ver nada. Minha cabeça está bem longe dali, a uma cidade de distancia. O que será que Eduardo e Andressa estão fazendo? Será que arrombaram um Motel também? Será que estão sofrendo com tensão sexual como eu?

Mas então me recordo que eles ainda têm a pousada do lado deles e de que Andressa, com sua beleza mais do que apenas intimidante, se quisesse fazer com Eduardo já teria feito. Ou não teria?

– Acordou cedo, hein?

Olho por sobre o ombro e Felipe já esta vestido. O cabelo loiro escuro arrumado e a espada fiel guardada na bainha dentro da calça.

Engulo em seco enquanto ele me avalia com o olhar.

– Na verdade, mal dormi, pra ser honesto – eu solto automaticamente e franzo meus próprios lábios.

– Ah, mesmo? – ele se recosta na varanda e vira a cabeça de lado para mim. – Eu dormi muito bem. Como um bebe.

Penso em seus braços apertando o meu corpo – o corpo do lobo, tecnicamente – e enrubesço.

– Mesmo é? – aceno com a cabeça.

– Fernando – ele me chama em um tom alto. – Vamos, por favor, parar com isso e ir logo de uma vez ao ponto? Esta ficando muito chato.

Meus olhos se arregalam e eu o encaro seu olhar inteligente de volta. Meu Deus, ele sabe. Como não percebi antes, ele deve saber há muito tempo, desde a vez em que limpou minha ferida. Talvez tenha se cansado de vez ontem.

– Desculpa, como? – minha voz sai rouca.

Felipe revira os olhos e se senta ao meu lado na escadinha.

– Não precisa dizer nada, ok? – ele suspira e me olha nos olhos. – Eu não te acho um monstro, pode ficar tranquilo.

Respiro fundo pesadamente com o que ele diz e meu peito se enche de ar novamente. Ele não esta falando do que eu pensei que estava falando. Estava falando da minha transformação – e do meu enorme problema com isso.

– Ah – digo isso e sinto que deveria acrescentar. – Tudo bem, então.

– Na boa, é verdade – ele sorri para mim. – Acho seu poder melhor que o da Andressa e do Edu.

Aceno com a cabeça novamente.

– Eu estava justamente pensando neles agora – lanço um olhar para longe. – Como será que eles estão? Será que a Bruxa...

Mas então os olhos de Felipe se arregalam e ele bate na própria coxa antes de se levantar ruidosamente. O degrau de madeira range.

– Caramba, eu lembrei! – ele leva a mão aos cabelos.

Lanço um olhar interrogativo para ele.

– O feitiço! – ele guincha. – Já deve ter acabado a essa hora.

Eu pisco com isso, mas então balanço a cabeça.

– Você disse que é uma probabilidade – eu o lembro.

Seu sorriso de vitória murcha um pouco.

– É verdade – ele assenti, mas então me olha atentamente. – Mas vai me dizer que você não quer ir ver? Que não está louco para tentar?

Penso a respeito e me lembro do impacto quando tentei passar pela borda do feitiço e de cair na grama. Balanço a cabeça enquanto olho Felipe de volta.

– Não estou louco para tentar – engulo em seco.

Ele revira os olhos e chuta meu joelho.

– Se for algum problema pra você, eu tento passar pela borda – seus olhos escurecem. – Pensa bem, Fernando, não quer ir ver se seus amigos estão bem? Não é você que esta com medo de que a Bruxa faça algo com eles?

– Não é medo – eu sibilo. – Só estou preocupado.

Ele dá de ombros.

– Pra mim dá no mesmo.

Minha expressão vacila e sinto lentamente que ele vai tentar ficar manipulando minha decisão o tempo inteiro se eu continuar hesitando – e sinto que ele vai conseguir.

Suspiro e me ergo do chão.

– Tudo bem – suspiro. – Vamos sair dessa cidade.

* * *

Uma hora e meia depois estamos de frente para a borda da cidade, encarando a familiar placa BEM-VINDO A VALLYWOOD. Esfrego as palmas de minhas mãos na barra da calça, um pouco nervoso e Felipe respira fundo enquanto olha atentamente para a borda.

– Você tem certeza que quer fazer isso? – pergunto.

Ele balança a cabeça e continua olhando a borda intensamente. Como se a barreira magica fosse uma velha inimiga mortal que ele sabia que cedo ou tarde ele teria que enfrentar.

– Não tenho – ele admite. – Mas seus amigos estão lá, e eles meio que são meus amigos agora, também.

Semicerro os olhos para ele.

– Estou cansado de te ouvir falando isso. Eles gostam de você, Felipe. Para de ficar pensando nisso, a Andressa mesmo me disse no primeiro dia que te achava legal.

Felipe gira a cabeça com tudo na minha direção.

Ela disse isso? – ele pergunta em uma voz um pouco estridente demais.

Faço que sim com a cabeça lentamente.

– E tenho certeza que vai dizer muito mais – sugiro olhando para a borda. – Logo depois que você conseguir fazer isso.

Ele semicerra os olhos dessa vez para mim.

– Não era você que estava duvidando? – ele pergunta com um sorriso brotando do rosto.

Não consigo conter um sorriso estonteante em resposta.

– Eu estava ponderando – me defendo.

– Estava é azarando – ele provoca e eu o chuto na perna.

– É sério, Felipe – eu o olho atentamente. – Você tem que fazer isso.

Ele me olha de volta, desvia o olhar e respira fundo.

– Vou fazer.

Felipe caminha tão normalmente que, se alguém passasse por ali, pensaria que ele esta apenas tentando passar para a outra cidade. Olho ao redor da borda, bem lá para baixo e arfo quando encontro um carro despedaçado quase caindo para dentro do rio.

Alguém provavelmente deve ter tentado passar pela borda além de nós, penso enquanto encaro as fitas de isolação ao redor do acidente. Quando isso aconteceu? Dois minutos depois que saímos? Quantos acidentes mais aconteceram? Quantos mais devem ter tentado?

Estou prestes a me virar para Felipe para avisa-lo, mas é tarde demais. Ele esta a um passo de entrar em Vallywood.

De repente um chiado estala por toda a borda da cidade e me jogo para frente automaticamente. Uma parede invisível impactante começa a tentar jogar Felipe para longe e olho impotente sua camiseta bater contra a brisa.

Mas ela não consegue empurrar. Felipe ainda continua ali na borda, as mãos empurrando o nada enquanto a borda começa a oscilar. O chão começa a vibrar e me pergunto o que diabos esta acontecendo.

E então escuto um estrondo enorme e depois disso todo o lugar fica em silencio.

Quando dou por mim, estou agachado no chão. Assustado demais com o impacto. Olho para cima e vejo Felipe. Ele esta ofegante e se sentando no meio da estrada enquanto tenta manter um ritmo normal de sua respiração.

E outra coisa: Ele está do outro lado da placa – ele está em Vallywood.

* * *

Felipe conseguiu quebrar o feitiço. Não sei como fez isso, mas ele o fez. A vibração e o estrondo que presenciei lá na borda da cidade é a prova disso. Mas quando comemorei isso, ele não me pareceu muito surpreso. Apenas tenso.

– Você esta bem? – pergunto enquanto adentramos a cidade.

– Claro – ele ofega. – Estou ótimo. Por que a pergunta?

Franzo as sobrancelhas para ele.

– Felipe, você acabou de quebrar um feitiço – eu aponto com o polegar para trás. – Não esta sentindo nada de diferente?

Ele balança a cabeça e não devolve meu olhar.

– Não.

Fico confuso e nervoso com seu tom de resposta. Por algum motivo, vê-lo estressado não me deixa nem um pouco bem. Meu estomago se revira por dentro.

– O que você tá olhando, Fernando? – ele questiona em um tom impaciente.

Dou de ombros e continuo seguindo seu andar rápido.

– Só estou preocupado.

Ele para de andar de repente e me encara.

– Com o que?

Franzo a testa.

– Com você, obviamente.

– Comigo? – ele repete. – Por que estaria preocupado comigo? E por que obviamente? O que tem de tão obvio em você se preocupando comigo?

Fico nervoso enquanto o encaro de volta e minha expressão vacila. Ele é muito bonito, mesmo nervoso. E só mesmo essa confissão para mim mesmo me deixa de rosto vermelho.

– Você faz parte do meu Pack – eu me recomponho. – Eu tenho que me preocupar com você, Felipe.

Ele afasta um pouco a cabeça para trás, me olhando de um jeito estranho e fico confuso. O que diabos ele esta fazendo?

– Você não sabe mais mentir Fernando – ele fala. – Não sabe mais mentir, não pra mim.

Felipe volta a andar e fico ali chocado com suas palavras por um segundo. O rubor volta ao meu rosto. O que ele quer dizer com mentiras? Ele anda sabendo de algo?

Corro atrás dele de novo.

– Não, espera um pouco – endureço meu tom. – O que esta acontecendo com você? Por que esta agindo tão estranho?

Ele se vira com tudo para mim, os olhos em brasa.

Comigo? – ele aponta o próprio peito.

– Sim, sim – eu cruzo os braços. – Desde que voltamos da borda da cidade você esta todo caladão e estranho.

Ele fica em silencio, me olhando de um jeito esquisito.

– O que tá acontecendo, Felipe? – eu abaixo meu tom. – O feitiço afetou algo em você? Está sentindo algum efeito colateral?

Me aproximo mais e ele dá um passo para trás na hora. Franzo a testa e ele aperta os olhos pra mim.

– Eu é que pergunto – ele me analisa. – Alguma coisa te afetou ultimamente?

– Não entendi. Eu estou bem.

– Mesmo? – seu tom é cético.

Fico sem o que dizer e ele pega minha mão de repente. Minha pulsação acelera e o ar vai se esvaindo aos poucos do meu pulmão.

Felipe então larga minha mão e arregala os olhos pra mim.

– Não acredito – ele sussurra tão baixo que acho que foi mais para si mesmo.

– O que foi?

– Você não ousaria...

– Fernando? Felipe?

Olhamos para o outro lado e Andressa e Eduardo estão correndo na nossa direção. Andressa sorri ao me ver e usa roupas diferentes. Eduardo parece levemente aliviado, mas usa as mesmas roupas de sempre – e sua jaqueta preta inseparável.

– Graças a Deus – Andressa me abraça. Eu a abraço forte de volta, sentindo alivio em meus pulmões. – Por onde diabos vocês se meteram?

– Aquela Bruxa, ela nos colocou pra fora da cidade – eu explico. – Naquele momento em que estávamos lutando; ela nos colocou pra fora da cidade com algum feitiço.

– Feitiço? – ela se vira e troca um olhar com Eduardo. – Tipo, um feitiço pra bloquear a borda da cidade?

– Esse mesmo – faço que sim com a cabeça e ela e Edu trocam outro olhar preocupado. – O que foi? O que esta acontecendo?

Eduardo engole em seco e olha ao redor, se certificando que não tem ninguém prestando atenção em nós o suficiente.

– Venham conosco – ele sussurra. – Precisamos mostrar algo a vocês.

* * *

Seguimos Andressa e Eduardo até a Trystal Reech, a capela oficial de Vallywood, com cores brancas e amarelas que pareciam tentar enviar o recado de "paz". Passamos ao lado do jipe estacionado na frente e Eduardo e Andressa se viram para nós, as expressões sérias.

– Ela nos atacou ontem à tarde – Eduardo fala de uma vez.

Ele nem precisa me dizer quem foi, só pelo tom tenso já da para saber que a Bruxa os encontrou novamente.

– Atacou? – questiono. – Ela perseguiu vocês?

Andressa solta um gemido de frustração.

– Estou começando a achar que a vadia não precisa nos seguir. Ela deve ter algum feitiço de rastreamento, só pode.

– É uma possibilidade – Felipe dá de ombros e eu o observo. Parece um pouco menos calado, quem diria.

– É tudo uma possibilidade, né? – solto essa e ele me lança um olhar mordaz.

– Enfim – Eduardo nos traz de volta ao foco. – Enquanto estávamos correndo dela, tivemos tempo suficiente para sair pesquisando um pouco.

– E descobriram algo?

– O feitiço que ela usou contra vocês – Eduardo faz uma pausa dramática. – Ela quer aperfeiçoar ele.

Meu estomago da um salto nervoso com o que ele diz.

– Aperfeiçoar? Aperfeiçoar como?

– Quer estender o limite do feitiço – diz Andressa. – Não só aqui, mas em outras cidades.

– Talvez mesmo em um país inteiro – Edu acrescenta.

– Em um país inteiro? – guincho. – O que ela pretende colocando uma barreira em um país inteiro?

– Não sei bem porque, mas com certeza não é por um motivo bom.

Fico embasbacado enquanto escuto o silencio da capela. Colocar um feitiço de proteção que impeça qualquer um de entrar ou sair de um país inteiro – o que alguém teria a ganhar com isso?

Penso nas palavras de Anna e Layane antes de partirmos da missão, sobre elas não terem certeza do que Denise queria, mas que provavelmente era algo pior do que queimar a própria casa com a família inteira dentro.

Isso se encaixa perfeitamente na categoria.

– Só o que sabemos é que ela pretende realizar um feitiço desses na noite de Lua Cheia – Andressa interrompe meus devaneios.

– O que é amanhã – Eduardo acrescenta e Dessa revira os olhos.

– Mas um feitiço desses é praticamente impossível – eu me viro para Felipe. – Não foi você quem disse que o uso de muito poder assim pode trazer consequências?

– Disse sim, mas não disse que é impossível – ele arregala os olhos. – E ela ainda esta usando a oportunidade perfeita.

– Como assim?

– Lua Cheia – ele bufa. – É praticamente um segundo réveillon do ano para as Bruxas. É o evento onde elas mais conseguem canalizar energia. Nada é impossível pra uma Bruxa em uma noite dessas.

– Então temos que impedi-la – eu digo. – Temos que impedir que ela continue viva até lua cheia de amanhã.

– Eu vou adorar ver vocês tentarem.

A voz que diz isso não pertence a nenhum de nós e todos olhamos na direção da capela.

Denise nos encara com um sorriso de orelha a orelha.


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