Minha visão fica embaçada e cinzenta. O quarto ainda é escuro, mas as cores que enchiam a decoração ficam todas brancas e pretas. A luz de Natal que pisca do lado de fora é um branco seco.

Eu olho para Felipe na minha frente e seu cabelo é cinzento. A cor de seus olhos é um preto com alguns pontos brancos. Ele paira acima de mim com uma expressão carregada de espanto e eu tenho certeza que, se eu pudesse ver seu rosto na cor normal agora, diria que ele esta pálido.

– Fernando – ele sussurra enquanto me avalia da cabeça aos pés. Olho para baixo também e vejo quatro patas me sustentando e uma pelugem. Um lobo, eu sou um lobo agora.

– Esse é o seu grande segredo? – ele questiona, se aproximando com passos cautelosos de mim.

Como sou um Lobo e não falo, me espreguiço no carpete e me desvencilho de minhas roupas, afastando-as com o focinho. Felipe me olha enquanto eu descanso em minhas patas.

– Foi por isso que a Andressa quis dormir com você – ele sussurra. – Porque ela sabia... Ela sabe o que você é.

Enquanto penso no que ele pensa que eu sou, Felipe se agacha na minha frente e vejo um brilho em seus olhos. Fico confuso quanto a isso. Ele não deveria parecer espantado?

– Isso é muito incrível – Felipe parece responder ao meu pensamento, mas sei que só esta falando porque gosta de falar. – Você pode ser qualquer animal que quiser?

Faço que sim com minha cabeça enorme de animal. Felipe ri ainda mais alto e franzo minha cara de Lobo para ele.

– Por que não me contou antes?

Se eu pudesse falar, eu diria que é vergonhoso demais para mim. Eu não gosto da ideia de não ser eu quando chega à noite, de ser um animal. Parece até que estou amaldiçoado. Amaldiçoado a não ter uma noite humana normal.

– Não é algo que te deixe muito feliz, não é? – ele sussurra em sua observação.

Eu pisco meus olhos enormes e descanso minha cabeça enorme em minhas patas. Felipe tem um sorriso admirado no rosto.

– Cara, não fica assim – ele encara meus dois olhos enormes. – Em um mundo desses em que vivemos, você não é um dos monstros, você é especial.

Balanço a cabeça enorme para ele, deixando bem claro que o que é especial para ele é muito bizarro para mim. E então, assustando a mim por dentro, ele ergue a mão esquerda e afaga a minha cabeça.

Fico nervoso com esse simples gesto e dou graças a Deus por ser um animal nesse momento. Olho para Felipe e vejo que me encara profundamente. Meu coração pulsa rapidamente e tenho certeza que ele me escuta.

Eu sinto algo por ele. Não sei dizer bem o que é, mas fico nervoso quando ele esta por perto. Tipo agora. Tipo quando nos cutucamos perto do rio. Tipo quando ele limpou minhas feridas. Eu gosto dele. Desse olhar inteligente e ousado. Gosto muito dele.

Felipe se levanta de repente e fico em alarme ao imaginar que ele possa ler meus pensamentos, mas então ele sorri para mim e se senta na beira da cama.

– Está com sono? – ele me pergunta enquanto começa a tirar os próprios tênis com os pés. Meu Deus, estou fascinado até mesmo com os pés dele.

– Você parece bem cansado – ele ri e começa a tirar a camiseta. – Mas eu não sei interpretar bem porque você é um animal agora, então você pode estar só com fome – ele ri e solto um ganido animal em resposta.

– O que esta esperando? – sua voz sobe uma oitava enquanto ele bate ao seu lado na cama. – Anda, vem deitar!

Acho que eu teria ficado rubro se estivesse em minha pele humana. Mas o sorriso dele é tão gentil e acolhedor que eu crio coragem para andar em minhas próprias patas e subir ao seu lado na cama.

Ele se deita e me olha de cima e me imagino de quatro patas olhando para o seu rosto. Não demora muito para ele começar a piscar e bocejar e descanso minha cabeça em minhas patas, torcendo para dormir logo.

E então ele fala:

– Gosto de você assim – ele murmura e afaga minha cabeça com a ponta do pé. – Parece ainda mais humano do que já é.

Ele adormece e, dentro de alguns minutos o olhando com admiração, eu também caio na inconsciência.