Histórias de outros universos - Terras Geladas escrita por Alessandro Costa
*
Entro na pequena cabana do velho. Não tem janelas. Algumas velas cinzento-azuladas estão sobre a mesa. Iluminam o lugar de modo suave. As chamas das velas trepidam.
Vejo algumas pequenas prateleiras de madeira. Alguns frascos de vidro. Algumas ervas dentro dos frascos.
Velhos livros. Estão enfileirados. São grossos e das mais diversas cores.
Gorudo senta-se em uma cadeira. Ela range. Ele se levanta.
— Você me conhece? — pergunto.
O velho segura os óculos e me olha bem de perto. Sinto sua respiração em meu rosto.
— Sim. Claro que te conheço criança.
Ele se vira. Vai até a prateleira. Meche em alguns livros. Pega um.
É bastante grande. Vermelho. O segura com um pouco de dificuldade. Coloca-o sobre a mesa em um forte baque.
Abre-o já na metade. Aproxima bastante seu rosto. Parece, mesmo com os óculos, enxergar com dificuldade.
Tento ver o que ele está olhando.
Ele passa algumas folhas.
Aproxima o rosto novamente.
Aproximo meu rosto do livro.
—Achei! — grita.
Assusto-me, puxando a cabeça para trás rapidamente.
— Achou o que? — pergunta Gorudo.
— Vejam vocês mesmos. — diz.
Arrasto o livro em minha direção. Pesado.
— Leia. — diz.
“Aquela de pele como a neve e cabelos como o vento juntará os povos e os moverá para liberdade”
— O que quer dizer? — pergunto.
Gorudo respira fundo.
— O Reino Gelado já foi um ótimo lugar para se viver. A comida não faltava. Podíamos beber sem nos preocuparmos com o amanhã. Caçar não passava de um esporte entre os homens.
Depois da morte do antigo rei, seu único filho assumiu o trono. Não era algo para se preocupar. Ele sempre foi um bom garoto. Frequentava nossa antiga cidade com bastante frequência.
Mas, com o passar tempo, sua personalidade mudou bastante. Ele alegava pertencer a uma raça superior a qual nós não fazemos parte.
Dizia também que o Reino Gelado não poderia ter suas terras sagradas manchadas pela nossa imunda presença.
— Que horrível...
— Sim. Ele nos caçou incansavelmente. Matou centenas de nós.
Homens, mulheres, crianças e velhos foram capturados, torturados e mortos sem piedade alguma.
— Porque não se juntaram e lutaram contra ele? — pergunto.
— Nós e o povo das Planícies Geladas somos os únicos a serem caçados. Acredito que seja por termos um distante parentesco. Porém, o povo das Planícies Geladas é contra qualquer tipo de violência, mesmo que para defesa. Preferem se esconder. São uma raça de intelectuais e não de guerreiros.
No final, nossa única opção foi a de nos escondermos também. Viemos para o meio da Floresta Negra e construímos nossa pequena cidade com os sobreviventes.
Eles não se atreveriam a vir aqui. É um lugar bastante perigoso até para nós que o conhecemos desde crianças. Também se torna uma muralha natural para nos proteger.
Foi realmente um milagre você ter sobrevivido.
O velho aproximou-se de mim.
— Agora você nos guiará para liberdade.
— Eu?
— Sim. Olhe para si mesma. Sua pele é branca como a neve. Seus cabelos são leves como o vento. Seus olhos são tão claros que são quase violetas. Nunca vi alguém como você em todos os meus anos de vida.
— Pode ser outra pessoa. — insisto.
O velho vira a página.
Um desenho.
Uma garota.
Sou eu.
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