Neva no Coração escrita por Wendy


Capítulo 3
Céu de primavera




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– Zelão! – uma voz dócil chamou ao fundo.

O capataz abriu os olhos e se deparou com o menino Serelepe. As bochechas rosadas, um aspecto cansado. Mas o que lhe chamou mais atenção foram alguns pedaços de madeira que ele trazia consigo.

– Ocê demorou... – comentou o capataz.

– A neve tava muito grossa, a cada passo que eu e o Tuim dava nossos pés afundava... – O menino olhou em direção à fazenda e depois para a madeira que segurava. – Eu ressorvi passar na fazenda antes, vê se tinha alguma madeira seca. Alembrei que em casa tinha pouca e eu sei que ocês vamo precisar muito de fogo.

– Ocê é uma criança tão esperta, Lepe. – O capanga agachou, sorriu fraco para o menino.

– Como tá a professora? – perguntou a criança, notando o semblante abatido do capataz.

– Ô num sei... – apertou os olhos. – Ô num sei, ô num sei.

– O quê aconteceu?

– Nada aconteceu, Lepe. – disse, o tom frustrado. – Ela sêmplesmente num reage!

– Ocê num pode perder as esperança, Zelão. A professora Juliana vai sair dessa.

O capataz não falou nada. Apenas consentiu com a cabeça. Pegou as madeiras que Serelepe segurava, tirando o peso da criança e voltou a se levantar.

– Mêa mãe tá lá, rezando nela. Ô num sei o que fazer, eu me sinto tão inútil.

– Nós precisamos ser forte, Zelão. Pela prefessora. – dito isso, ele se aproximou do ‘irmão’, e o abraçou de lado. Zelão não se aguentou e mais lágrimas caíram de seus olhos.

De repente, a porta da casinha se abriu, só uma brecha, Mãe saiu de dentro. Serelepe foi o primeiro a perceber e logo ficou tenso pois não sabia que notícia a idosa viria trazer.

– Meu fio! – ela chamou. Ele ergueu a cabeça, os olhos fixos na mãe. – Eu preciso lhe dizer uma coisa! – notou o menino Serelepe, que havia sumido durante toda a tarde. – Entre logo, ocês dois.

Zelão e Lepe correram em direção à casa, que não estava muito longe.
–x-

Partiu o coração do capataz em ver que sua Juliana continuava imóvel sobre aquela cama, ele não sabia mais até quando iria aguentar ver essa imagem triste diante de seus olhos. Ele depositou os pedaços de madeira próximo ao fogareiro. Em seguida, voltou para o quarto da mãe, onde estava Serelepe, próximo a cama, os olhinhos tristes em direção a professorinha.

– Zelão... – começou a idosa.

– Que foi, mea mãe?

– A Dona Juliana... Ela falou.

– O quê?! – questionou, como se tivesse tomado um susto, andou em direção à cama, ajoelhando aos pés da mesma.

– Ela falou umas coisas sem sintido! – a idosa aproximou-se do filho. – Ela chamou por ocê, meu fio.

– E por que a sôra num me disse?

– Porque foi muito rápido, eu tava fazendo minha reza quando ouvi... – Serelepe se aproximou de Mãe, segurando a mão da idosa enquanto ela falava. – E eu tentei conversar com ela, mas parecia que ela num tava me ouvindo. E logo dispois, ela adormeceu de novo.

– Entonce... entonce, ela vai sobreviver. – olhou com firmeza na direção do rosto de sua amada. – Ela chamou por eu mãe. Será que ela sente minha presença?

– Parecia mais que ela tava sonhado, fio... – a idosa suspirou. – Ela chamou ocê. Ela falou “amor” e seu nome.

– Zelão, será que ela tava com a intenção de procurar ocê? Pra fazer as pazes? – Serelepe perguntou.

– Pra eu num importa mais se ela queria voltar pra eu ou não. O que importa é que ela viva. – Cuidadosamente, ele tirou as luvas grossas e colocou no bolso. Em seguida levou os dedos até o rosto da jovem. Pode perceber que a temperatura dela havia subido. Não estava mais gélida como quando a encontrou no bosque.

– Ieu vou para casa do Tuim... ele chamou eu pra dormir lá de noite. – Lepe comentou.

– Mas pur que? Ocê pode dormir aqui, meu fio. – disse a idosa.

– É verdade, Lepinho. – Zelão comentou.

– Mas acontece que a Dona Juliana está na sua cama, mãe. E eu sei que a sôra tem idade e precisa de um lugar macio para dormir. – sussurrou olhando com carinho para aquela senhora que tinha o acolhido com tanto amor.

– Nós dá um jeitinho, né mesmo, Zelão?

– Craro. Nós sempre dá um jeito.

– Mas eu já decidi, já combinei com ele. A sôra, Mãe, vai dormir na cama onde eu durmo, num quero que ocê fique doente também.

– Mas que besteira, menino! – comentou. – Ocê pode dormir com eu.

– Mas o lugar é pequeno demais! – ele riu.

– Ocê, Serelepe, parece mais um adulto. – comentou Mãe. – sempre pensado nos outro antes de ocê.

– Ele é um menino de ouro, num é minha mãe?

– É sim. Muito precioso. – concordou, e depositou um beijo no topo da cabeça da criança.

–x-
Já era noite. Geralmente, na ausência do sol, costumava ficar mais frio. Porém, nessa noite, as rajadas de vento haviam cessado, não nevava forte, apenas partículas isoladas caíam do céu. Nos arredores da fazenda não se via uma alma caminhando nesse horário. Serelepe como combinado, havia ido dormir na casa de Tuim. Mãe estava recolhida numa cadeira no canto do quarto, fazendo crochê para passar o tempo, enquanto Zelão vigiava o sono de Juliana, sem descanso.

– Meu fio, num é mior ocê descansar um pouco? Eu fico olhando ela.

– Obrigada, Mãe. Mas ô num tô cansado.

Voltaram a ficar em silêncio por mais algum tempo. O capanga estava sentado na beira da cama, levantou e arrumou melhor os cobertores sobre Juliana. A idosa estava comovida com toda situação. Viu o quanto o filho amava aquela moça, e desconfiava, que a jovem também amava Zelão. Se sentia mal por ter, de certo modo, influenciado na separação dos dois. Talvez se ela não tivesse sido tão rude com Juliana, talvez se ela tivesse apoiado essa união... Mas naquela época, o caso dos dois parecia tão irreal. Aquela professora, estudada, apaixonada pelo filho dela, parecia que não tinha futuro. O silêncio foi quebrado. Juliana tossiu algumas vezes. O capataz ficou logo alarmado.

– Minha flor! – ele exclamou, esperançoso.

Ela se remexeu algumas vezes, continuando a tossir. Ele pode ver uma expressão incomoda se formar no rosto delicado dela. A idosa levantou.
– Meu fio, ieu vou esquentar um chá pra dar a ela.

– Tá certo, mêa mãe.

O capanga segurou o rosto da jovem entre as mãos.

– Fala co eu, Juliana, fala com eu.

Mas ela não respondia. Parecia abrir a boca para tentar pronunciar algo mas a voz não saia. A respiração estava pesada. O capanga colocou a mão sobre a testa dela, que agora estava um pouco quente, como se ela estivesse febril. Ele passou algum tempo nessa agonia até Mãe Benta chegar com uma toalha e uma caneca com o chá.

– Zelão, segure o queixo dela e faça a boca dela abrir. – O homem olhou confuso para a mãe e fez um sinal negativo com a cabeça.

– Faça o que ô tô lhe dizendo, Zelão!

Então ele fez. A idosa despejou a caneca com chá vagarosamente.
– Agora ocê fecha a boca dela para ela não colocar para fora.

Ele fez isso até perceber pelos movimentos na garganta de Juliana que ela havia engolido. Eles repetiram esse processo até o chá acabar da caneca.

– Sua prefessorinha vai ficar bem, meu fio. – Zelão suspirou ao ouvir as palavras da mãe.

– É tudo que eu mais quero nessa vida, mêa mãe.

– Agora se ocê permite, sua mãe precisa se deitar... ô sou de idade e me cansei muito hoje. – Não era bem um cansaço físico, mas um cansaço espiritual, pois Mãe havia lutado com todas as forças interiores em suas preces.

– Deite, mãe. – ele pegou a mão da senhora e beijou. – Sua benção.

– Está abençoado, filho. – ela repetiu o gesto com a mão do filho. – Tente dormir um pouco.

– Eu não preciso, mãe. Ieu tô bem.

A idosa se despediu mais uma vez do filho e subiu em direção até o lugar onde Serelepe costumava dormir e onde Zelão dormia quando ainda era uma criança. Antes do pai morrer.
–x-

Após tomar o episódio com o chá, Juliana tossiu algumas vezes mais. O capanga notou também que ela se movia algumas vezes, como se tivesse sonhando, e reagindo a esse sonho. Ele puxou a cadeira onde a mãe estava sentada antes e colocou do lado da cama, bem próximo a cabeceira. Para que pudesse ficar de sentinela, ao lado da amada, ele não iria sair dali nem um minutinho sequer. Mas o que ele mais queria nesse momento era que ela despertasse, queria ver aqueles olhos azuis clarinhos, como um céu de primavera. Queria olhar nos olhos dela por horas e horas e se perder dentro da imensidão deles.


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