Alleine In Die Nacht escrita por Maty


Capítulo 18
Capítulo 18 - Faça ele parar




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Mais um mês se passou sob meus olhos, pouca coisa mudou. Eu ficava horas com Carl em minhas aulas de violão diárias. Elas se tornaram uma parte importante do meu dia, eu gostava de tocar violão, apesar de isso acabar com minhas unhas e formar bolhas e calos em meus dedos. Tocar violão fazia eu me sentir mais perto de Tom, o tempo passava rápido e as memórias desagradáveis eram momentaneamente esquecidas.

Arabella era a pontinha de luz no meio da escuridão que tomava conta daquela clínica. Ela me fazia sorrir dia após dia e aos poucos eu fui aprendendo a conviver com seu jeitinho. O tempo que passava com ela era repleto de brincadeiras bobas, palavras sem sentido e pequenos atos que significavam grandes coisas. Eu a tratava como um bebê, uma criança, uma companheira, uma amiga. Precisava dela nem que fosse por um minuto, sem ela o dia não estava completo. Eu não a via muito. Tínhamos nosso espaço.

Naquele dia, quando eu me encontrei com o Doutor Mayer para a minha consulta eu não senti vontade de mentir sobre as vozes em minha cabeça. Não senti vontade de esconder a verdade para sair daquele lugar o mais rápido possível. Afinal de contas, agora eu já tinha algo que me prendia á ele.

-Bom dia, Bill! – ele sorriu quando eu abri a porta de sua sala. Entrei e a fechei, em seguida apertei sua mão e deitei na já tão conhecida espreguiçadeira. – E então? Sobre o que quer falar hoje? – era a pergunta que ele sempre me fazia. Mais cedo ou mais tarde ele conseguia direcionar a conversa para as coisas que lhe interessavam de qualquer maneira.

-Eu ando mentindo. – confessei, a culpa me impediu de olhá-lo nos olhos ao dizer isso, então eu continuei olhando para o teto.

-Sobre o que? – ele não parecia bravo ou surpreso. Eu acho que psicólogos nunca ficam bravos ou surpresos. Eles devem ser treinados para estarem sempre sob controle e prontos para qualquer coisa na frente de um paciente.

-Sobre tudo. Eu ainda ouço a voz do meu irmão na minha cabeça diariamente, ele ainda me chama de fraco, ainda diz que morreu para me salvar. Tom continua aparecendo em meus sonhos, que ás vezes se transformam em pesadelos. – inquieto, eu me sentei na espreguiçadeira apertando minha mão contra o couro preto. – Mas eu segui seu conselho! Eu ouço o que a voz diz, eu obedeço quando ela me dá uma ordem, isso realmente diminuiu um pouco a freqüência, mas ela ainda está lá! Se recusa a ir embora!

-E por que você está me contando isso agora?

-Por que eu quero me curar. Eu quero voltar a ser normal, por que se eu não for normal eu não vou voltar a ser feliz, e se eu não for feliz eu não vou conseguir fazer aqueles ao meu redor felizes também.

-E quem você quer fazer feliz? – ajeitou seus óculos e estreitou os olhos.

-Minha família, meus amigos... Todas as pessoas que se preocupam comigo. – “ Arabella “ o nome surgiu automaticamente em minha cabeça.

Soltei um grande suspiro quando sai daquela sala. Pode parecer patético, mas as longas conversas com o Doutor Mayer me deixavam exausto. Pensei em ir ao meu quarto e ficar deitado na cama ouvindo um pouco de música até a hora da janta, mas meus pés acabaram por me guiar até a conhecida sala de música. Mas dessa vez foi diferente, antes que alcançasse a porta o som do violão se tornou audível e eu espiei do lado de dentro. Era Carl que tocava.

Estava prestes a adentrar o cômodo quando a melodia entoada em seu violão se tornou estranhamente familiar aos meus ouvidos. Eu conhecia aquela música. Sabia exatamente quem a havia composto. Tom me acordou de madrugada dizendo que havia achado a melodia perfeita para a música que eu havia escrito. Ele estava tão orgulhoso... Eu fiquei nervoso por ele ter me acordado, mas Tom não deixou que aquilo o desanimasse, continuou sorrindo e me chacoalhando até que eu concordasse em ouvir o que ele havia composto. Realmente era a melodia perfeita, Tom realmente tinha o dom para essas coisas.

Cambaleei alguns passos para trás até que meu corpo alcançasse a parede, deixei que ele deslizasse e caísse pesadamente no chão. O ar faltou e eu o inspirei com alguma dificuldade, o coração batia apertado e dolorido em meu peito. A memória da primeira vez que Tom tocou In Die Nacht para mim, se transformou nas memórias de todos os palcos que dividimos e cantamos juntos aquela mesma música, e então o barulho que as fãs faziam foi sendo silenciado e substituído pelo silêncio mortal e desagradável daquele hospital. Aquele hospital onde eu cantei a nossa música pela última vez.

“ -Du bist alles was ich bin, uns alles was durch meine adern fließt… – cantarolei baixo. Talvez por que todas as minhas palavras já tivessem se esgotado. Cantar era a única ação que eu ainda parecia ser capaz de processar, mesmo que minha voz saísse abafada e tremida. Tom fechou os olhos e finalmente lágrimas jorraram deles, ele sofria tanto quanto eu. – Ich will da nicht allein sein, lass uns gemeinsam in die Nacht... – segurei forte em sua mão. Um pedido silencioso para que ele continuasse comigo.

-And if our final day has come, let’s pretend to carry on, and if the end has now begun, live on… Live on… - cantarolou em resposta. Nos olhamos por uma fração de segundo antes que com um fraco sorriso ele voltasse a fechar os olhos, a máquina ao lado de sua cama apitando e me avisando que era pela última vez. “


O peso de meu corpo pareceu duplicar de valor. Não sabia se ele tinha se tornado mais pesado, ou se minhas forças que haviam diminuído de valor, mas eu já não conseguia mantê-lo sentado. Era mais do que eu podia agüentar. Deixei que ele tombasse para o lado. Minha cabeça atingiu o piso frio e as lágrimas passaram a escorrer para o lado pingando no chão. Minhas unhas se cravaram em minha camiseta com força, esperando chegar ao meu peito onde meu coração batia dolorido. Cada nova batida parecia uma tortura. Por que ele não podia simplesmente parar e acabar logo com todo esse sofrimento?

-Você sente minha falta, não sente? – a voz era debochada. – Mas você nunca mais vai me ver. Vai ter que conviver com isso para sua vida inteira!

-Não! – exclamei em desespero. Soltei minhas mãos que apertavam meu peito e as levei até minha cabeça, passando minhas unhas entre meus cabelos e os puxando com força.

-Você está sozinho! E é assim que vai ficar! Eu nunca mais vou estar ao seu lado!!

-Eu!? Eu quem?! Você não é ninguém! Saia da minha cabeça! – me enrolei em posição fetal e bati repetidas vezes em minha cabeça.

-Bill?! – a voz de Carl soou extremamente abafada e distante. A única coisa clara em minha cabeça era a voz de Tom. Suas mãos me tocaram, mas eu me recusei a me mover. – Eu preciso de um calmante aqui!! – o ouvi gritar. – Bill!!

-Faça ele parar... – consegui sussurrar. – Faça ele parar!!!

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