Regis em busca de si mesmo escrita por Celso Innocente


Capítulo 5
Meu primeiro amor


Notas iniciais do capítulo

FELIZ NATAL a todos que sempre acompanham minhas estórias.



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Acompanhado pelo maninho Paulinho, cheguei defronte ao portão da casa de Elizabeth, pois, ela estava entre as pessoas que faziam parte de meu principal círculo de amizade e eu precisava me familiarizar consigo.

— É aqui — apontou-me o menino desconfiado. — Você já sabia que era aqui!

Bati palmas.

— Agora eu já vou — disse ele.

— Como você já vai? Sem eu!

— Por que eu preciso de você? Eu sei o caminho!

— Você é pequeno pra ir sozinho! — Me preocupei.

— Que pequeno o quê, owh! Tchau!

Antes que eu tornasse a interrompê-lo, se virou e sumiu correndo de volta pela mesma rua.

A porta da sala daquela casa se abriu e uma jovem senhora gritou animada:

— Regis! Quanto tempo! Entre!

Entrei-me cauteloso e ela, pelos ombros, acabou de me arrastar para dentro.

— Venha! A Beth está no quarto fazendo a lição.

Acompanhei-a até o dormitório de menina, onde a vi, enquanto tal mulher se afastou. Ela estava de bruços sobre a cama, escrevendo alguma coisa a lápis, em seu caderno de brochuras (nesta época, crianças na terceira série não usavam canetas e nem cadernos espirais tipo universitário).

Ao perceber que estava sendo observada, se virou sobre a cama e a me ver, se levantou rapidamente, sorrindo e arrumando os lindos negros e lisos cabelos longos.

— Oi, Regis! Que legal que você veio! Já fez a tarefa?

— Tarefa! — Me atrapalhei — Ah! Ainda não!

Ela era linda! Não me lembrava dela, mas meus olhos se deslumbraram com tal princesinha encantada, de sorriso conquistador.

— Por que não trouxe o material? A gente faria junto.

— É que... — Como teria dito o maninho, acho que estava no mundo da lua. —Acho que perdi meu material.

— Como perdeu o material? Já sei! Quis passar pelo aeroporto. Deve ter ficado brincando no mato e se esqueceu de onde deixou.

— Não fiquei brincando no mato!

— O que você foi fazer por lá?

— Sei lá! — Dei de ombros. — Que mato você tá falando?

— Ih! Tá esquisito!

Fiquei sério, perdidinho de tudo.

— Sente-se aqui na cama — convidou-me —Vamos brincar.

— Você está fazendo a tarefa.

— Ah! Eu já acabei! Vamos brincar.

— De quê?

— Sei lá! — Sorriu ela. — Qualquer coisa.

Sentei-me a seu lado, sentindo-me o menino mais feliz desse Universo. Há um milhão de anos que não me sentava ao lado de uma garota. Quer dizer: há um milhão de anos que sequer via uma garota. Teria acabado de ver Letícia, minha irmãzinha.

Ela apanhou um caderno velho e dois lápis, retirou duas folhas, me entregando uma das folhas e um lápis.

— Vamos brincar de “amor ou amizade”.

— O que é isso?

— Pare de fingir — reclamou ela. — Você já sabe.

— Tá bom! Como faremos?

— Eu começo.

Escreveu alguma coisa secreta em sua folha de papel.

— É alguma coisa de mim! O que é?

— Blusa!

— Blusa não é de mim! De mim quer dizer, alguma coisa em meu corpo.

— Ah tá! Cabelos...

Tinha que ser. Algo tão lindo teria que estar em primeiro plano.

— Não é!

— E agora? O que faço?

— Fale outro! Você parece que nem sabe brincar.

— Olhos!

— Não!

— Braços?

Gesticulou negando.

— Boca!

— Éh! — Riu, me mostrando o que escrevera na folha — Você fez sete pontos.

— Por que sete?

— Você não lembra as regras?

Dei de ombros como a dizer “sei nada”.

— Meninos! — Riu ela — São tão desligados. Se você acertar na primeira vale dez, se for na segunda tentativa vale nove, na terceira vale oito, na quarta vale sete.

— É isso! É que... faz tempo que a gente não brinca!

— Se tá é esquisito! Brincamos ontem no recreio da escola. Lembra que era sopa de fubá e a gente não gosta? Agora é sua vez! Escreva.

A obedeci, escrevendo algo em minha folha. Depois disse:

— Alguma coisa de meu corpo.

— Também?

Dei de ombros como a dizer “por que não”.

— É a boca?

— Não!

— Os olhos!

Acenei que não.

— Cabelos?

— Nã, nã, nã...

— Braços!

Acenei negando.

— Peito!

— Também não!

— Você não escreveu bobagem! Não é?

— Nãão! — Neguei forte.

— Tórax!

— Tórax e peito é a mesma coisa, Beth.

— Sovaco!

— Acha?

— Ah! Nariz!

— Não é! Não vale de dentro da gente?

— Ah! Coração!

— Era! — Rindo, mostrei-lhe o papel. — Podia?

— Claro! Eu é quem bobeei! Quantos pontos eu fiz?

— Acho que foi... — Pensei — dois.

— Só?

Ela tornou a escrever e disse:

— Essa é fácil. O que quero de você!

— Um beijo!

— Regis! Tá exagerando!

— Carinho!

— Somos crianças, Regis!

— Carinho como amigos, ué!

— É outra resposta?

Pensei um pouco e decidi:

— Acho que não! Abraço?

— Quantos anos você tem?

— Hem?

— Se dizer que escrevi namorado te dou um beijo na boca! — Riu ironizando ela.

— Oba! Eu quero!— Esfreguei a mão na boca.

— Pare de ser safado!

— Estou brincando — ri disfarçadamente. — Amiza-de...

— Finalmente — Riu ela. — Deixe-me ver... sete pontos de novo. Você tem quatorze.

Tornei a escrever.

— O que sinto por você?

— Você não tem criatividade?

— Como assim? — Não entendi.

— Copia tudo de mim!

— Mas a resposta é outra!

— Vai dizer que escreveu amor?

— É sua resposta? — Dei leve sorriso safado.

— É!

— Errou.

— Amizade?

Acenei que sim, mostrando-lhe o papel.

— Nove pontos. Mais dois, onze — esclareci.

— Você disse que a resposta era outra.

— Tentei te engrupir! — Ri, franzindo os lábios.

— O que é engrupir[1]?

— Sei lá! Tapear eu acho!

E assim, embora eu não a tivesse reconhecido antes, em poucos minutos, já tinha conquistado sua simpatia. Quer dizer: acho que ela conquistou a minha, pois ela já me conhecia. Seja como for, criança é assim mesmo: mesmo que sejam desconhecidas, bastam apenas um minuto juntas e já são verdadeiras amigas.

— Posso ir à escola com você, amanhã?

— É lógico que você vai à escola comigo amanhã, Regis! — a estranhou. — Por que essa pergunta?

Dei de ombros, dizendo:

— Só quero ir com você!

— Todos os dias vamos juntos à escola! Por que esta pergunta?

— Sei lá! — Mostrei-lhe um leve sorriso fingido — Acho que só queria puxar assunto.

Permanecemos conversando e brincando juntos em seu quarto, até às seis horas daquela tarde.

Disse-lhe tchau no portão de entrada e ela retribuiu-me com acenos.

Depois de quase quatrocentos metros de caminhada, atravessei o portão de nossa casa e ao entrar na sala, encontrei o homem de lá, que acabara de chegar do seu trabalho.

— Oi! — Cumprimentei-o querendo reconhecê-lo.

— Oi — retribuiu-o, sem sequer olhar para mim.

Era triste, pois por mais de trinta anos, esperava por esse encontro e sua atitude até demonstrava desprezo.

Aproximei-me e o abracei, querendo reconquistá-lo.

Ele estranhou minha atitude, mas retribuiu o afeto.

— O que há, Regis? — Perguntou-me.

— Estava com saudades.

— Ah! — Apertou-me entre seus braços fortes.

— Quanto tempo que não vejo o senhor.

— É! — Riu ele — Quase metade de um dia.

— Gosto de seus abraços.

— Isto sim faz muito tempo. Não?

Olhei-me sério para seus olhos e cobrei:

— Faz tempo, é?

— Muito — riu ele.

— Por quê?

— Acho que você não tem me abraçado.

— Não é obrigação do pai?

— Obrigação do pai é trazer alpistes pra alimentar estes passarinhos.

— Será que um pouco de carinho não vale mais do que alpistes?

— Tá me cobrando?

Os ombros responderam por mim.

— Se o pai estiver cansado, estressado e se esquecer de abraçar o filho — o emendou — talvez então se o filho tomar a iniciativa de um abraço com carinho possa ajudá-lo a perceber o quanto isso seja importante.

— Me lembrarei disso — ri com sinceridade.

Só então ele me deixou. Acho que apenas estes segundos de afeto, já serviu para reencontrá-lo em meu ser.

Assim que ele terminou seu banho, pedi à minha mãe:

— Eu posso tomar um banho?

— O quê? — Se admirou ela.

— Um banho! Como o papai tomou!

— Você não só pode tomar um banho, como você tem que tomar seu banho e estou achando que você está muito estranho.

Sempre, por me sentir perdido, os ombros falavam por mim.

Segui ao banheiro e por pelo menos vinte minutos, deliciei-me com demorado banho, só desligando o chuveiro quando alguém bateu na porta.

— Regis, cai fora daí que tem outros que também gostam de banho.

Acho que era o irmão Luis.

Tudo bem. Embora não quisesse, obedeci-o.

[1] De fato esta palavra não existe, porém as crianças usavam para dizer, tapear.


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