Regis em busca de si mesmo escrita por Celso Innocente


Capítulo 2
Em busca da felicidade




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Parei diante da porta do dormitório de Erick, que se abriu automaticamente e entrei. Ele estava seminu, deitado em sua cama, assistindo a um filme de ação em sua televisão de tela gigante, que se prostrava na parede a sua frente como se fosse uma bela moldura.

Ao perceber a porta se abrindo, se espantou, puxou um fino lençol de seda sobre seu corpo e reclamou:

— Por que entra sem chamar?

— Se quisesse privacidade, que travasse sua porta por dentro.

— Essas portas deveriam deixar de ser automática.

— Por que está com vergonha? Alguma coisa errada?

— Achei que fosse Leandra! — justificou ele.

— Ela jamais entra em seu quarto sem chamar — protestei. — Eu sim, não tenho privacidade. Todo mundo entra o dia inteiro. Inclusive você. E ela! Porque acha que sou um mero menininho.

— O que você quer?

— Eu, Arthur e Luecy faremos uma pequena viagem. Topas ir conosco?

— Pra onde a gente vai? Merlin? Seria uma boa! Nunca fui lá.

— Vamos pra Terra.

— Terra? — Sentou-se sobre a cama, ainda protegendo o corpo com o lençol — Tá ficando maluco?

— Todo mundo fala isso! — Reclamei. — Vai ou não?

— O que você quer fazer na Terra? Você sequer se lembra de lá!

— Vai ou não?

— Regis, você não tem ninguém na Terra! Nem eu tenho! O que pretende fazer por lá?

— Arthur me levará de volta à minha infância real. Vamos também pra sua!

— Pirou de vez! — Riu o rapazinho — Você sabe que isso é impossível.

— Não é impossível! — Neguei pausadamente, forçando os lábios.

— O senhor Frene já disse que é impossível. Luecy já disse também! Eu sei que é! Arthur também sabe. Todo mundo sabe que é. Só você que insiste nisso!

Levantou-se, vestiu uma bermuda e uma camiseta, enquanto continuava me questionando:

— Me diz uma coisa...

— Coisa? O que é coisa? — interferi com raiva. — Essa palavra nem existe! Vou fazer uma coisa. O que vai fazer? Uma coisa. Essa palavra foi criada pra sem ser nada, explicar tudo! Eu coiso, tu coisas, ele coisa...[1]

— Pare, Regis! Você sabe o que quero dizer!

— Então diz! — Sentei-me sobre sua cama e cruzei os braços.

— Você passou por uma cirurgia pra se esquecer da Terra. Parece que deu resultados. Você sequer se lembra de sua vidinha por lá. Não se lembra de seu pai... de sua mãe! O que quer fazer lá?

— Voltar pra minha verdadeira infância! Viver minha verdadeira vida! Isto aqui não é real! É uma mera fantasia. E triste por sinal.

— Por que triste? — Se sensibilizou Erick — Por que você não aprende a ser feliz? Este mundo é perfeito.

— Acabei de dizer para a Leandra o quanto a amo faz tempo e ela disse: também te amo meu filhinho.

— Claro! Nem eu posso me apaixonar por ela.

— E não pode mesmo! — reclamei forçando os dentes entre os lábios — Ela é minha namorada!

— Ela é cinco mil anos mais velha do que você moleque! — ironizou o rapazinho. — Vá tirar a fralda primeiro.

— Você vai viajar conosco ou não?

— Voltar pra minha infância? Eu? Jamais!

— Por quê?

— Regis, você não tem ninguém na Terra nesta época. Eu... Nunca tive! Nunca tive uma infância decente. Sempre fui jogado de casa em casa como cachorro sem dono, vivendo de piedade. Acha que tenho saudades dela? Não quero mesmo!

— Tchau!

Levantei-me, me retirando imediatamente.

Virei à esquerda no corredor, caminhei poucos passos e entrei em uma grande sala à direita, por outra porta que se abriu automaticamente.

— Regis! — insinuou o senhor Frene em tom animador, se levantando por trás de uma grande escrivaninha — A que devo o prazer de sua visita?

— Sempre venho aqui! — Justifiquei.

— Sei disso, filhinho — riu ele em tom sarcástico — A cada vinte ou trinta dias, quando quer alguma coisa.

— Eu, Arthur e Luecy faremos uma grande viagem.

— Ótimo! — riu ele, se afastando da escrivaninha e me arrastando para fora de tal escritório, abraçado a mim. — Leve Erick também.

Saímos pela porta e dobrando a esquerda seguimos assim abraçados, tal qual pai e filho, conversando, até chegarmos ao grande pátio de entrada e depois, em direção ao gigantesco jardim com belíssima e suave floresta nativa.

— Ele não pretende ir com a gente.

— Azar o dele! — riu o homem — Se eu pudesse iria com vocês.

— O senhor não se opõe? — estranhei a facilidade em aceitar nossa viagem.

— Imagine! Eu mesmo o aconselhei a viajarem. Lembra? Aproveite enquanto podem! Enquanto não tens compromissos reais.

Continuamos caminhando um pouco em silêncio, depois ele continuou:

— Onde pretender ir? Orington! Merlin! Que tal visitar uma de nossas luas? Já estive nelas! Um bom lugar pra brincar de flutuar[2].

— Vamos pra terra.

— O quê? — se espantou ele, sentando-se comigo em um dos lindos bancos de acrílico, sob uma grande árvore.

Dei de ombros como a dizer “o que o senhor ouviu”.

Ele me abraçou apertado, percebendo que tudo o que sempre me dera, nunca foi o suficiente para alegrar meu coração, que teve um destino alterado para todo o sempre.

— Meu filhinho — sentiu as palavras embargadas por emoção. — O que posso fazer para vê-lo feliz algum dia?

— Me deixar voltar pra casa — respondi com tristeza.

— Você sabe que se eu pudesse, faria isso com certeza.

— E pode. E eu vou.

— O que você imagina fazer é impossível, garoto. Já lhe expliquei isso.

— Não é impossível. E eu vou tentar.

— Se você fizer uma viagem em altíssima velocidade em torno de sua Terra...

— Quando eu parar estarei no mesmo tempo de agora... — interferi — O senhor já me disse isso. Mas não acredito.

— Suponha que você consiga realmente voltar ao passado. É muito perigoso.

— Sei! — balancei a cabeça um tanto nervoso. — Vou alterar o destino na Terra pra sempre. O destino da minha vida foi alterado e ninguém se importa com isso, senhor Frene.

— Não é isso que estou falando — negou o homem. — Se você realmente conseguisse voltar no tempo, a energia que isso causaria seria enorme. A reentrada para o passado seria muito perigosa. Arthur, com certeza seria apagado. Luecy deixaria de existir. Você seria despedaçado em bilhões de fragmentos de átomos. A nave seria extinta.

— Não é verdade!

— Você nunca estudou ciências, meu filhinho! Arthur sim estudou. Ele não lhe falou sobre isso?

— Não! Ele concorda em ir comigo.

— Digamos que mesmo que você consiga voltar ao dia e hora em que foi tirado de lá e tudo se parecer como se você nunca de lá tivesse saído, sinto muito meu filhinho, mas acho que ainda assim, sua vida não será a mesma que deveria ter sido.

— O que quer dizer?

— Ninguém jamais poderá devolver sua verdadeira infância.

— Eu vou em busca de reconstruir meu passado. Eu mesmo devolverei minha verdadeira infância. O senhor verá. Basta me autorizar a ir.

— Está disposto a correr tal risco?

Acenei tristemente que sim.

— Já preparou alimentos para a longa viagem?

— Leandra está cuidando disso.

Ele forçou meus braços, para que me levantasse e ficasse à sua frente que continuava sentado, colocou as mãos sobre meus dois ombros e disse:

— Se você conseguir tal façanha prometo que jamais lhe tirarei de seu mundo. Eu te amo tanto e o que mais quero é ver um sorriso bonito em seu rostinho, espalhando felicidade.

— Senhor Frene, Arthur voltará pra viver feliz com o senhor.

— Se você conseguir o que almeja, ele deixará de existir, meu filhinho. Você estará voltando para um lugar, antes dele ter sido criado.

— Ele continuará existindo! Tenho certeza. O que foi criado não se apaga.

Ele se levantou, me deu um beijo na face e disse tão triste quanto eu:

— Continuarei te observando na Terra — pensou um pouco e concluiu:

— Só observando.

©©©

Entre lágrimas, principalmente de Leandra, que jurava seu amor para conosco (amor de amiga ou no máximo de mãe) e do senhor Frene, que sabia de seu fracasso em sempre querer minha felicidade, sabendo que foi seu maior erro, alterar meu destino, em tentativa frustrada de que eu lhes desse felicidades, simplesmente por ter um rostinho infantil; embarcamos, apenas os três (eu, meu irmão clone, idêntico a mim e o robô Luecy) para talvez a mais perigosa viagem de nossas vidas. Perigosa, porém decisiva, em busca de uma felicidade perdida em um tempo distante.

— Quer que convide Tony e Rud pra ir com vocês? — Perguntou-nos o senhor Frene.

— Não! Obrigado! — Neguei convicto.

— Lembre-se, vou acompanhá-los daqui. E vou torcer muito... muito... muito mesmo, por todos vocês.

Em menos de um minuto susteriano (oitenta segundos), a nave já estava ligada e menos de outro minuto depois, já iniciava sua levitação em grande potência, para voar por trinta e um dias (setenta e um dias terráqueos), através do vácuo de tal espaço sideral, em uma deslumbrante aventura interplanetária.

Menos de outro minuto e já estávamos fora de tal sistema estelar do planeta Suster. Longe do calor provocado pela estrela Brina, que iluminava tal planeta naquele momento, com sua luz azulada, até puxando pra um tom violeta.

Um relógio calendário que estava em meu pulso, dizia que em Brasília, na Terra era Sábado, dia três de Agosto do ano dois mil e quarenta e um, quatorze horas e doze minutos.

O robô Luecy, estava frente aos comandos de nossa nave espacial, que graças a tal velocidade de dobra, já cortava o hiperespaço a cento e trinta e quatro milhões, trezentos e oitenta e seis mil, trezentos e sessenta e três quilômetros por segundo e com isto, eu, sabendo de sua genialidade, perguntei-lhe:

— Luecy, que tal calcular a data terráquea em que chegaremos à minha querida terrinha?

Fiz a pergunta exata para que ele não me desse tal data de seu mundo susteriano.

— Dia treze de Outubro do ano dois mil e quarenta e um às onze horas, vinte e nove minutos e quarenta e nove segundos.

[1] Obrigado ao Pastor Claudio Duarte por me emprestar esta ideia.

[2] As duas luas de Suster são semelhantes a da Terra, com gravidade muito baixa, fazendo com isso com que seus visitantes consigam grandes saltos de distância e altura sem o mínimo esforço.


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Notas finais do capítulo

Comentes por favor.



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