Os Filhos de Umbra escrita por Rarity


Capítulo 6
Capítulo Seis: 1987 –2527 dias antes


Notas iniciais do capítulo

ADIVINHA QUEEEEEM VOLTOU? POIS É!
São 23:56. Me desafiei mentalmente de postar o capítulo até 00:00, mas pra mim já está cumprido, obrigada :*
Sei que fiquei muito tempo sem postar, mas as aulas voltaram, eu fiquei numa sala ruim, sem meus friends e fiquei bem deprimida.
23:57.
Enfiiiim, eu espero que gostem, comentem muito para me animar e Marcela e Escritoraah, eu AMEI, AMEI, AMEI as mensagens



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Capítulo Seis: 1987 –2527 dias antes

Para quê preocuparmo-nos com a morte?

A vida tem tantos problemas que temos que resolver primeiro.

Confúcio

24 de dezembro de 1987

 

Minha mãe gostava de dizer que criança foi feita para andar em bando. Mas não é só andar em bando. É dar trabalho em bando, brincar em bando, conversar em bando e fazer tudo em bando. Eu sempre amei ter alguém pra brincar, e apesar da minha sina, não consigo me impedir de ficar feliz por ter meus amigos aqui, porque eles são uma constante lembrança da felicidade, do que eu fui, do que sou e do que não posso me tornar. Sou o Porta-Voz agora, mas nunca esquecerei o quanto foi bom ser só o Pedro. E como todo bom bando, existe o “comunicador”, o que faz o 1º contato e o que está sempre perto de outra pessoa. Eu era essa pessoa, a que manteve e mantem o bando unido. Belle, em muitos casos, foi a gravidade que nos aproximou, comigo sendo a energia que manteve isso acontecendo.

Agora, por outro lado, Pablo podia ser leal, amigo, focado, inteligente e tudo o mais, porém não era muito de sair por aí conversando com todo mundo, como eu. Pablo era mais na dele, fechado, mas legal. Essa característica dele explicava o motivo de, no pleno aniversário dele, apenas eu, Belle, Mel, Emily, Leo e Henrique estarmos presentes. Pablo não via a necessidade de estar perto de todo mundo, só de quem importava.

Com exceção de Mel, que estava vendo os vestidos das bonecas de Dete, todos nós estávamos na varanda, a melhor parte da casa, cada um com um pedaço de bolo de coco feito especialmente por Berê, como um presente.

—Para um menino especial como Pablo, o mínimo que posso dar é um bolo!—ela falou, entregando o bolo. Analícia, do seu lado, se contentou em fazer uma careta e cruzar os braços.

Imagina se ela tivesse um irmão— sussurrei pra Pablo.

—Poderia ser eu. Nascemos no mesmo dia. —ele respondeu, com um arrepio, mas rimos. Era uma ironia gigante tanto Pablo quanto Analícia nascerem em 24 de dezembro. A sorte é que Analícia nasceu na manhã, enquanto Pablo nasceu à noite.

—Você não existe, Berê.—dona Creuza agradeceu, com um grande sorriso. Apesar do convite, nenhuma das duas quis ficar, mesmo que dona Creuza tenha chamado as duas pra um aniversário duplo.

Além do bolo de Berê, havia sucos, biscoitos recheados de Maria, algumas balas de dona Rosa e uma salada de frutas feitas pela minha mãe. Nada de bexigas ou enfeites, tudo muito simples, mas eu via que Pablo estava mais que satisfeito. Com nossos pais na cozinha, jogando cartas, comemorando do jeito deles, eu acho, o almoço acabou agora há pouco, então tudo aquilo parecia muito confortável.

—Então, quando vocês estão indo? –Belle perguntou.

—Acho que depois do aniversário do Pablo. Antes da noite. –expliquei. –Mamãe quer ajudar na ceia. Se bem que vó Eunice faz uma comida muito boa também.

—Do que vocês estão falando? Quem vai viajar? –Melissa começou, quando se sentou do lado de Henrique. Ela ainda usava o véu, mas o cabelo preto dela estava preso num coque. A saia vermelha dela balançou quando ela se sentou, a regata branca estava suada e o sapatos pretos estavam sujos de areia.

—Eu. Vou passar o Natal na casa da minha vó Eunice com minha família, lá em São José do Rio Preto. –falei. –Vou viajar de ônibus!

—Quando volta? –Emily quis saber, com a boca cheia de bolo.

—Amanhã, acho. –tombei a cabeça pro lado.

—Vamos poder te mostrar os presentes! –Mel comemorou. –O que vocês pediram?

—Eu ganho os antigos brinquedos dos meus primos. –expliquei, porque era assim.

—Queria um boneco do He-Man. –Pablo contou, meio decepcionado.

—Eu pedi um cachorro, papai não fica comigo. –Belle comentou, acho que chateada pela distância do pai, que ficava cada mais ocupado. Sabia que isso a incomodava. –Eu gosto de animais.

—A Lana vai ser mamãe. Quem sabe papai não te dá um dos bebês dela? –Henrique animou ela, com um sorriso e um cutuque no braço, ganhando um sorriso dela. –Eu queria um Pogobol, como o que vi na loja.

—Eu pedi uma boneca. –Mel disse. –Uma bem bonita!

—Eu também. –Emily fez um sinal para Mel, indicando que pediram a mesma coisa.

—Meninas. –reclamei.

—Você fica com seu He-Man, eu com minhas bonecas. –Emily deu língua, me fazendo rir.

—Então, do que a gente vai brincar? Taco? –sugeriu Henrique, e vi os olhinhos de Belle brilharem.

Competitiva.

—Sem chance. Prefiro Amarelinha, ou pular elástico, ou... –Mel começou.

—Queimada. –fiz minha sugestão, interrompendo Mel.

—Tudo bem. Também é legal. –Henrique aceitou, e logo todo mundo concordou. Pablo foi pegar a bola, enquanto nós separávamos os times.

Acabou ficando: eu, Pablo, Leo e Emily. O outro time era Belle, Henrique e Mel, com uma vida extra. Pablo pegou uma bola que outrora fora branca, mas que já estava praticamente preta, surrada depois de tanto uso. Cara, precisávamos de uma bola nova.

—A gente começa com a bola. –Belle avisou, já pegando a bola.

—E se a gente quiser começar com a bola? –retruquei.

—Vão ficar querendo. –ela deu língua, mas conseguiu me fazer rir. Eu queria o campo mesmo.

O campo da época era a rua, e no caso, eu consegui a maior parte dela para ser meu campo. Henrique pegou duas das pedras da rua e a colocou, marcando o limite do campo. Uma árvore da rua era o meu limite, e uma roseira marcava o limite do outro time. Eu fiquei do lado esquerdo e o outro time ficou do lado direito.

—Eu quero brincar também! –ouvi uma vozinha, de Dete, na escadinha da casa, nos olhando como um cachorrinho carente.

—Vai pro outro time, Dete. –Pablo mandou. Acho que só quem tem uma irmã mais nova entende a relação dos dois.

Bem, eu só tenho o Leo, e eu gosto dele. Deve ser mais complicado quando se tem uma irmã mais nova, porque afinal de contas... É uma garota.

—Bem vinda a bordo, Dete. –chamou Mel, animada.

—Eba! –ela comemorou.

O jogo começou muito bem pra mim. Por conta da idade, eu não tinha uma mira tão boa, nem uma força, mas Emily estava na meu time, e ela tinha força, e melhor ainda: o Henrique era o alvo dela (provavelmente por ser o melhor do time). As bolas, que eram fracas, não doíam, e Dete foi a primeira a ser atingida. Bufando, ela se sentou na escada pra ver o resto do jogo. Logo Leo saiu, depois Mel e Pablo. Sobraram Belle e Henrique do outro lado, enquanto ficou eu e Emily de cá. Eu sentia que mesmo desengonçado, eu iria vencer. Eu era rápido o suficiente para as bolas e Emily era forte o suficiente para acertar. Mas Belle e Henrique realmente eram bom juntos, e desde pequena, a “elasticidade” dela é grande, então, por sorte, ela e Henrique aguentavam.

Em uma das vezes, Emily me deixou jogar a bola (o que era raridade). Belle estava parada, olhando um ponto fixo atrás de nós, por isso eu decidi jogar dela. Ela acordou no meio do caminho da bola, e não sei porque, colocou a mão na frente. A bola acabou indo com força para um ponto próximo e Belle gritou depois.

—Ai! A bola torceu meu dedo! –ela reclamou, balançando o dedo.

—Deixa eu ver. –Henrique pegou a mão dela, e vi um dos dedos de Belle inclinado para trás.

—Tá doendo! –ela quase gritou.

—Pablo, chama a Maria! –pedi à Pablo, que observava a cena da escada.

—Gente, olha aquilo. –Mel apontou para algum ponto atrás de nós.

Quando me virei, entendi o que ela quis dizer. Tinha um carro vindo até nós, um carro desconhecido. Não tinham carros nessa parte da rua, quem poderia ser?

—Quem será? –perguntei em voz baixa.

—Vem, vamos sair da rua! –Emily mandou, e todos nós nos juntamos na escada. Nesse tempo, nem tinha percebido que Belle e Henrique já estavam na escada, com ele segurando a mão dela. Devia estar doendo, pois Belle estava chorando. Me senti culpado no mesmo instante.

O carro estava chegando perto, e Pablo apareceu com uma Maria muito preocupada.

—Belle! O que houve? Deixe-me ver o dedo. –ela pediu. –Vamos colocar ele no lugar, e vai doer um pouco.

Era um carro prateado, longo. Estava quase aqui. Ouvi Belle gritar quando Maria colocou o dedo dela no lugar, chorando logo depois.

—Pronto, pequena. Vamos ver se a dona Creuza tem algum curativo ou algodão para colocarmos aí. –então ela pegou Belle no colo, que se enroscou no pescoço dela.

E o carro parou na nossa porta. Uma loira desceu dela, com uma blusa rosada de decote em “V” e uma saia preta rodada com um cinto preto, além de saltos rosados. Os cabelos caíam em cachos e os olhos dela eram uma mistura de vários tons de azul. Me lembrou alguém.... E então, percebi que ela era parecida com Maria.

—Maria? É você? –a mulher perguntou para Maria, que a olhava descrente.

—Lerina? –Maria quase gaguejou de volta. Nesse instante, Belle levantou a cabeça, os olhinhos azuis brilhando por conta das lágrimas. A mulher, Lerina, olhou para Belle e depois para Pablo, com uma expressão meio assustado. –O que está fazendo aqui?

—Eu voltei dos Estados Unidos. Mamãe contou que você voltou para Sococó da Ema, embora eu não saiba o motivo, mas eu... Queria rever minha irmã. –ela contou, estendendo os braços e correndo para abraçar Maria, espremendo Belle junto.

—Bem, é bom ver você, Lina. –Maria agradece.

—E quem são eles? –a mulher aponta para todos nós. – Eu sabia que você morava nessa rua, mas francamente, você mora aqui?

—Bem, eles são o Pedro, o Pablo, o Leo, a Mel, a Emily, o Henrique e a Belle. Não são meus, estão aqui para o aniversário do Pablo. E não, não é minha casa. –ela explica, e vi o quanto Maria estava desconfortável.

—Maria... Tá doendo. –Belle pede, e Maria parece acordar.

—Claro... É... Lina, por que não entra? Crianças, vocês venham todos aqui para dentro. –Maria meio que mandou, nos colocando todos pra dentro.

Me sentei no sofá, olhando Lerina observar toda a casa, vendo a enorme semelhança entre ela e Maria. Maria fechou a porta da casa, e nisso Otávio chegou no batente da porta que dava na sala. Ele ficou branco ao ver Lerina.

—Lerina? –ele quase gaguejou.

A loira ficou branca ao olhar para ele também. Depois olhou para Maria, para Belle e Pablo, e se sentou no sofá.

—Eu vou ajudar a Belle, qualquer coisa estarei no quarto da Dete... Meninos, não querem vir comigo? –Maria chamou, dando uma olhada de Otávio para Lerina. Imitei, pensando... Acho que Maria queria nos tirar da sala.

Bem, eu não entendia na época, mas eu me sentia culpado pela Belle e acho que ficar com ela era um jeito de me redimir. Então, quando me levantei, e todo mundo veio junto comigo. Maria nos acompanhou e quando entramos no quarto de Dete, ela anos deixou lá e disse que iria buscar algodão para fazer um curativo.

O quarto de Dete era menor que o de Pablo e bem mais colorido. As paredes brancas do quarto estavam sempre cheias de tinta, giz, nos “desenhos” de Dete. A cama de Dete era encostada na parede, com almofadas e as bonecas de pano da menina, um cordão preso na parede acima da cama guardava outros desenhos dela, presos com fita. Além disso, o guarda roupa de madeira também estava cheio das imagens que Dete colocava, um cesto cheio de papel, lápis e tinta estava perto da cama, uma cadeira e uma cômoda de 4 gavetas. Perto da porta, tinha um espelho e do lado, três prateleiras pequenas, além de um tapete colorido no chão e um baú de madeira em baixo da janela.

Belle sentou na cada, e vi que ela só soluçava. Me sentei do lado dela.

—Desculpa, Belle. –pedi.

—Tudo bem. Eu devia ter prestado atenção no jogo. –ela respondeu. –Não foi sua culpa.

—Vocês são bons nesse jogo. –Henrique elogiou, sentando do outro lado de Belle.

—Bem, vocês são campeões no Taco. –retribui. –Acho que todo mundo tem um palco.

Belle deu uma curta risada, interrompida por um soluço. A porta se abriu, e no lugar de Maria, os cabelos castanhos claros de minha mãe apareceram, até ela entrar, com uma caixinha branca.

—Belle, a Maria está meio ocupada agora e me pediu pra cuidar de você. Eu só vou colocar uma pomada gelada e colocar algodão, okay? Você ainda está sentindo dor? –mamãe se ajoelha na frente dela, tira uma pomada de embalagem vermelha e passa no dedo machucado de Belle, ainda falando enquanto Belle nega. Minha mãe então passa um algodão molhado com algo no dedo e coloca um curativo.

—Obrigada, tia Jasmine. –Belle agradece.

—Imagina, pequena. Agora, por que vocês não me contam como você conseguiu entortar seu dedo? –mamãe pergunta, se sentando na cama, do meu lado.

—Estávamos jogando Queimada. –contei. –E eu já pedi desculpas!

—Pedro, foi você? –mamãe ralhou. –Da próxima vez, seja mais cuidadoso. Quem ganhou?

Olhei de Belle e Henrique.

—Foi um empate. –respondemos juntos.

—Nada disso! –Emily discordou na hora. –Vamos terminar esse jogo depois!

—Até lá... Eu quero fazer alguma coisa que não tenha bonecas! –Pablo pediu, olhando Mel, Dete e Emily, que já estavam brincando de bonecas, e minha mãe deu uma risada com isso. –E que podia ser lá fora.

—Vamos deixar Maria se resolver com a irmã dela, tudo bem? –mamãe pediu. –O que vocês crianças fazem hoje em dia?

—A gente brinca. –respondi. –De um monte de coisa.

—Bem, quando eu tinha a idade de vocês, eu também não era de ficar muito em casa, costumávamos fazer carinhos de rolimã, patinetes, rodinhas de arame.... Tudo com as nossas próprias mãos. –ela contou. –Nós usávamos madeira, rodinhas de outros brinquedos, pregos... Meu pai me ajudava muito a construí-los.

—Você podia nos ensinar também, né tia Jasmine? –Pablo pediu.

—Quem sabe? –ela retrucou. –Mas que tal brincarmos de peão?

Tiramos o tapete e fizemos um círculo no chão. Dete pegou o pião e nós sentamos todos como indiozinhos.

—Vamos fazer, cada um vai lançar o pião uma vez e nós vamos contar por quanto tempo ele fica rodando. Quem conseguir fazer ele ficar girando por mais tempo, ganha... Hum... Um beijo. –mamãe falou. –E uma fita azul.

—Parece chato. –Pablo reclamou, ganhando um cutuque de Dete, junto com um “Shhh”.

—Vamos jogar. –mandou Dete, me fazendo sorrir com sua atitude “mandona”.

O primeiro a ir fui eu, de acordo com o sentindo horário. Lancei o pião, que conseguiu ficar rodando por exatos 47 segundos. Foi a vez de Leo, cujo pião durou 22 segundos. Depois passou para Emily, cujo pião girou por 66 segundos. Mel, de seu lado, conseguiu manter o pião girando por 38 segundos. Belle o fez girar 40 segundos, Henrique por 48 e Dete por 17. Pablo, com uma cara de tédio, pegou o pião e o lançou, desanimado. Então, contamos, esperando ele parar... Até que ele alcançou 60, 65, 67, 69 e 70, até parar. Pablo ficou com uma cara de espanto quando o pião ganhou.

Mamãe pegou Pablo no colo e deu um beijo na bochecha dele.

—Achamos nosso vencedor! –então, deu um abraço apertado em Pablo, que sorriu.

—Eu quero um abraço também! –reclamou Leo. Mamãe puxou ele, e então me juntei no abraço. Logo, nós jogamos mamãe no chão num super abraço.

—Ei, ei, ei! –ela pedia. Começamos a fazer cosquinhas, e logo o quarto foi preenchido pelo som das nossas risadas. –Okay... Chega, por favor.

Paramos, ofegando. Bastou olharmos uns pros outros que comecei a rir de novo, e fui acompanhado.

(***)

Mamãe foi realmente boa em nos entreter. Ela nos contava histórias de brincadeiras da sua época e nos mostrou os projetos de tudo o que ela havia brincado. Mal podia esperar pra experimentar descer um carrinho de rolimã pelo quintal. Então, acredito que quando fomos parar, já devia ser umas 16hs, 16:30hrs, da tarde.

No meio disso, a porta do quarto foi aberta e vi papai, provavelmente atraído pela gritaria. Mas sua expressão estava mais séria.

—Jasmine, Otávio vai nos levar para a rodoviária agora... Maria e Lerina precisam de um tempo. Matheus e Rosa estão indo também, se é que você me entende. –papai avisa. Mamãe parece pensar naquilo por um tempo, então se levanta.

—Pedro, Leo... Hora de irmos ver a vovó. –ela chama, e nos levantamos. Saímos todos juntos do quarto, e nenhum sinal de Maria e Lerina na sala. Matheus, dona Rosa e seu Otávio conversavam na varanda, como que esperando por nós.

Papai e mamãe se despediram, e quando eu me virei para meus amigos, Belle e Pablo me sufocaram num abraço.

—Vamos sentir sua falta. –eles falaram.

—Eu volto amanhã. –falei, meio brincando com a preocupação deles.

Belle puxou Leo no abraço e logo, um abraço coletivo se formou. Mesmo que eu voltasse amanhã, acho que ainda incomoda quando um amigo seu vai pra outra cidade. Se dependesse da gente, ficaríamos grudados o tempo inteiro –e bem, eu nunca quis dizer 20 anos, mas....

—Agora é hora de ir. –mamãe avisou.

—Estamos indo! –respondi. Eu e Leo descemos a escada, e antes de entrar na caminhonete, me virei, a tempo de ver Belle, Pablo, Mel, Dete e Emily acenando pra mim. –Feliz Natal!

E bem... Ter amigos é uma sensação maravilhosa.

(***)

—Não vão levar malas? –perguntou Otávio, logo depois de passarmos pela casa de Belle.

—Estamos indo pra casa da minha mãe. Lá tem roupas para todos nós, vamos dormir lá e amanhã de manhã pegamos o ônibus de volta. –papai explicou, dando de ombros.

—Eu já estou levando minha bolsa. –mamãe mostrou sua bolsa vermelha, que combinava com sua saia e com as flores de sua blusa.

—Entendo... Eu tenho que dar uma passada na casa da Berenice, se importam? Vai atrasar vocês? –ele perguntou.

—Não. Temos bastante tempo ainda. –mamãe respondeu, passando a mão nos meus cabelos. Eu estava no colo dela, Leo no colo do papai e Otávio dirigia.

—Fico feliz. Eu e Maria concordamos que Analícia merecia um presente, agora que ela não tem mais o pai no Natal, e achamos um desenho dela que ela deve ter esquecido lá em casa, o do Chocolate. –ele contou. –Acho que ela vai gostar do presente.

—Analícia precisa muito de atenção. Sorte dela ter a atenção da Berê. –mamãe comentou. –Chegamos.

A casa de Berenice estava muito iluminada, e cheia com crianças que reconheci sendo da zona mais pobre da cidade, cujos nomes eu não sabia. Berê estava na porta, com várias tupperwares, distribuindo entre eles.

—O que Berenice está fazendo? –papai tombou a cabeça, confuso. Seu Otávio saiu do carro, e eu também o segui, junto com mamãe. Enquanto ele foi tirar algo da caçamba da caminhonete, acompanhei Berenice distribuir tupperwares para as crianças, que depois de agradecerem, saíram, mal se contendo para abrir as vasilhas e comer... Doces?

Achei Analícia na varanda, olhando a mãe acenar para as crianças, Berenice com uma blusa branca de botões, saia rosa rodada, avental e um saltinho pequeno. Analícia usava um vestidinho lilás com strass, a cabeleireira loira voava ao redor dela, uma sapatilha roxa e a varinha de condão de brinquedo dela, com a cabeça encostada na mureta da varanda, meio desanimada.

Corri até ela, colocando meus pés na parte de baixo da mureta e segurando na parte de cima, do lado dela.

—O que foi? –indaguei.

—Esses meninos chegaram aqui, pedindo comida, e mamãe arrumou doces da minha festa pra eles. –ela contou. –Arrumou nas tupperwares e tudo.

—E qual o problema de dividir os doces da sua festinha solitário de aniversário? –eu retruquei, meio que zombando dela, que me olhou brava.

—Eu só queria passar um tempo assim com mamãe, sem mais ninguém, só a gente. Como era antes do papai. –ela respondeu, emburrada. –Não é algo solitário.

Parei para tentar entender a Analícia, a Analícia de verdade, do jeito que ela via. Via as crianças como intrusos, que roubaram um momento mãe e filha e levaram doces que eram dela (mesmo que bem, ela não fosse comer).

—Sabe, Analícia. –falei, jogando a cabeça pro lado, vendo Analícia de outro ângulo. –Devia começar a ver as coisas de um jeito diferente.

—Analícia! –Berenice chamou, junto com Otávio e Maria, além de algo coberto por um pano. Nós dois fomos até lá, encarando o pano branco. –O seu Otávio tem algo para te dar.

Ele tirou o pano, nos dando a visão de um cavalinho alado de madeira, num pedestal e com sela, com orelhas grandes, que se mexia, como um balanço.

—É como o Chocolate do meu desenho! –Analícia comemorou, abraçando o cavalinho. –E nesse eu posso subir!

—Agora você tem seu próprio Jumento Voador. –comentei pra ela, que pareceu levar bem à sério.

—Quer saber? É um bom nome. –ela concordou. –Ele vai se chamar Jumento Voador. Jumentinho para os próximos.

—Fico feliz que tenha gostado, Analícia. –Otávio disse.

—Ana, agradeça ao seu Otávio. –Berenice mandou.

—Obrigada, seu Otávio. –ela agradeceu.

—Bom, Berê, acho que é hora de irmos. –mamãe começou a se despedir de Berenice com um beijinho. Ela se abaixou até Analícia. –E é bom que o Jumento Voador tenha encontrado uma casa.

—A casa do Jumento Voador. –repeti. –E como é a sua casa Berê, acho que você é como a Jumenta Voadora.

—Jumenta Voadora... –Berenice ecoou. –Nome legal, Pedro.

—Enfim, não podemos ficar pra sempre. Feliz Natal, Berê. –Otávio se despediu.

—Feliz Natal, Berê. –foi minha vez. –Feliz Natal, Analícia.

—Feliz Natal! –responderam as duas, enquanto eu voltava para a caminhonete. Ao sair, vi as duas rindo, observando o bichinho.

—É, parece que achamos a casa da Jumenta Voadora. –mamãe deu um risada com o apelido.

—Eu achei um nome bacana! –me defendi.

—Claro, meu amor. –ela respondeu. –Duvido que vá pegar.

—Você vai ver. –dei língua. –Pablo iria concordar que é um nome bacana.

—Sei, seu Pedro. Agora vamos. –ela me pega no colo, à caminho da casa de Vovó.

(***)

Vocês já sabem que Sococó da Ema é uma cidade pequena. Temos ônibus, mas eles não chegam a ir até lá em casa, por exemplo, e nem são lá essas coisas. Não temos lotação, ou gente desconhecida te olhando. Pelo menos de rosto, sei reconhecer 90% das pessoas. Em São José do Rio Preto, tudo era novo, e maior, e mais cheio. Estava acostumado à conseguir cumprimentar todo mundo na rua, e quando se vai à algum lugar só no Natal, eu meio que não conheço ninguém.

A Rodoviária era algo cinzento, até que grande, movimentado, várias faixas e um movimento constante de pessoas, que chegaram a me empurrar, fazendo mamãe me pegar no colo e dar um olhar irritado às pessoas que trombaram em mim.

—Vamos achar logo seu tio. –ela mandou.

—Ali está ele! –papai apontou para um homem de cabelos castanhos com um Monza 1980, de calças escuras e camisetas brancas de algodão, além de botas e um jeitão de cowboy de filme. –Osmar!

Tio Osmar parou de encarar uma mulher num vestido azul e se virou para nós, acenando. Me soltei dos braços de mamãe (que não eram divertidos por muito tempo) e corri até ele, que me pegou nos braços e me rodou.

—Como você cresceu, Leo! –ele comentou, e fechei a cara.

—Eu sou o Pedro. –reclamei, fazendo ele rir.

—Eu sei, pirralho. O Leo é mais bonito. –ele gargalhou, mas eu cruzei os braços. –Vamos, não seja tão sério. É Natal!

—Tio Osmar! –gritou Leo, prolongando as palavras.

—Feliz Natal, Osmar. –mamãe desejou, abraçando-o.

—Feliz Natal, mano. –papai chegou, o colocando no abraço também.

—Feliz Natal “procês” também. –ele agradeceu, abrindo a porta do motorista. – ‘Vambora’!

Mamãe foi comigo e Leo no banco de trás enquanto papai e tio Osmar foram na frente. Os três foram conversando alegremente sobre a vida, impostos, preços, Sococó da Ema, as “namoladas” de tio Osmar, que eu não tinha a mínima ideia do que eram, e etc. Mesmo com seu jeito largado, tio Osmar era uma ótima pessoa. Eu olhava pela janela, sempre procurando alguma mudança desde a última visita, Natal passado. Era até que uma cidadezinha agradável, em constante movimento (comparando à Sococó da Ema, lógico).

A casa de vovó era de madeira, recentemente pintada de branca. Tinha dois andares e um sótão, que era bem arrumado, onde eu e Leo dormíamos quando íamos pra lá. Era bem confortável, com uma janela arredondada, dois baús e duas camas. Sim, era especialmente pra gente. Fora isso, tinha uma cozinha ampla que sempre tinha cheiro de bolo com biscoito, uma sala com três sofás de estampas berrantes, cheios de plástico, onde até a tampa do vaso tem capa bordada, cujos cômodos eram todos amplos e podíamos desenhar nas paredes, correr, largar brinquedos no chão e comer quantos doces você conseguir.

Era um lugar bem legal.

Vovó nos esperava na porta, em seus vestidos com estampas de flores, os cabelos brancos cacheados que caiam até os seus ombros, sapatos pretos, um avental sempre sujo e um cheiro de chocolate. Essa era a minha avó Eunice. E cá entre nós, ela me amava. Do lado dela, minha tia Lila esperava também, com cabelos castanhos mais escuros lisos curtos, uma calça preta e uma blusa do Michael Jackson. Tia Lila era a caçula dos filhos de vó Eunice, sendo papai o mais filho, e ela estava na faixa dos 28 anos, e tinha apenas o João de 8 anos, como filho, que era bem legal. Ainda tinha o tio Ricardo, que vinha depois do papai, a tia Tina, entre tio Osmar e tia Lila, e o tio Paulo. E isso são só meus tios.

—Olavo! Jasmine! Leo! –ela cumprimentou. –Pedro, querido!

—Bença, vó. –pedimos ao mesmo tempo, a abraçando, e repetindo o ato com tia Lila.

—Vamos, vamos, vamos, vou terminar a ceia daqui a pouco! Seus tios já estão aqui, os meninos também! –ela chamou, nos puxando todos para dentro da casa.

Como uma boa vó, vovó tinha tudo que era tipo de erva em seu jardim, e achava que qualquer doença se curava com um chá. Alguma árvores estavam enfeitadas com fitas e pinhas, algo que eu achei muito bonito. Mas nem me importei em entrar. A diversão se encontrava no quintal.

Eu tinha vários primos. Primos de 1º, 2º, 3º, 4º e até 5º grau. Logicamente, alguns eu nunca nem cheguei a conhecer, mas os que eu mantinha contato.... Eram maravilhosos. Primeiramente, tinha o Samuel, que mantinha os cabelos castanhos da família, filho do tio Ricardo, a irmã dele, a Isabel e o irmão Arthur. Tinha a Amélia, a Ana, a Misha, o Peter, o Robert, o Lucas, o Cris, o Daniel, o Rafael e por aí vai. Era um Natal muito animado, pois todos nós combinávamos de comemorar na casa de vovó.

Deve estar se perguntando sobre meu avô. Ele ainda está vivo, mas não é tão fã de criançada, então prefere ficar dentro da casa. Porém, eu tinha a sorte de ter primos grandes que ainda eram crianças.

E acredite, era impressionante o que podíamos fazer com blocos e fita. Construíamos uma cidade com os blocos e dividíamos os quarteirões com fita. Pronto. Além disso, tínhamos tia Tina, que era boa em criar alguns “circuitos”, como ela chamava.

—Atenção soldados! –ela começava. –O nosso planeta foi invadido por ET’s! Para salvar o planeta e todos nós, primeiro precisam achar o plano dos ET’s que está aqui no quintal! Valendo!

E assim se seguia. Nós tínhamos duas equipes, e precisávamos completar essas atividades para tirar os ET’s do planeta Terra. O melhor de tudo era a sensação. Eu me sentia um herói, como se estivesse realmente salvando a Terra, pelo menos nas vezes em que minha equipe ganhava. Depois disso, se sobrasse tempo, brincávamos de pique-pega e de esconde-esconde, então, já era a hora da ceia. O tempo sempre parecia passar mais rápido na casa de vovó. Mamãe arrumava meu prato e o de Leo, e todos nós comíamos no quintal, em bancos, ou até no chão mesmo. O importante era que a comida não era muita, mas era maravilhosa. As pessoas eram especiais, todo mundo estava feliz e era Natal.

Vovó colocava músicas antigas, então muita gente começava a dançar. Era muito legal ver papai chamando mamãe, pois foi como eles se conheceram. Depois desse momento dança, entrava as bebidas e era quando mamãe nos colocava pra dormir. Depois dela descer, eu ia pra janela circular que ficava no sótão e lembrava dos meus amigos e de todo mundo lá em Sococó da Ema. Mentalmente, desejava um “Feliz Natal” pra cada um deles.

Mesmo longe, ainda é possível ficar mais perto do que você acha. E se não for mesmo ficar perto, guarde um espacinho no coração. Afinal, esse é o espírito do Natal: o amor, que pode vir de diferentes formas.

—Feliz Natal, Pepê. –Leo desejou, com voz de sono, quase pegando no sono.

—Feliz Natal. –retribuí com um sorriso.

 


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Notas finais do capítulo

Oi Oi Oi Oi. 23:59. Eu tentei. Enfim, lhes apresentei a família do Pedro, afinal ele é o protagonista, e eles provavelmente vão aparecer futuramente. Sinto muito se ficaram sentidos pelos Filhos de Umbra, eu quis.
Por que o capítulo se passa na véspera de Natal se estamos em fevereiro? PORQUE EU QUIS. OBRIGADA.
Tivemos os primeiros doces da Berê e o Jumento Voador, que acaba virando o nome da Berê. Confesso que amei essa parte. O final do capítulo que ficou meio corrido, maaas.
Tivemos o aniversário do Pablo, que foi bem à lá Pablo. Vocês podem não ter aprovado, mas esse é o meu Pablo :simples. Não gostou viva com isso :* Brincadeira, amo vocês.
00:02.
Enfim, o aniversário do Pablo foi característico dele e não me arrependo disso. A estreia da Lerina, que é uma personagem muito importante, que vai passar a morar em Sococó da Ema a partir de agora, não esqueçam dela! Me deu a loka, decidi que a Maria não vai ser a mãe da Belle e do Pablo e pronto #SPOILER. Aí criei a Lerina, e vai ser tudo explicado mais pra frente. Por ora, aproveitam essa vadia dessa mulher



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