Os Filhos de Umbra escrita por Rarity


Capítulo 21
Capítulo Vinte e Um: 1992 – 753 dias antes


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo e o próximo serão menores e mais descontraídos porque na distribuição de tarefas esses capítulos não tinham muito propósito além de trabalhar a dinâmica deles e deixar o Pablo e a Belle um pouco de lado. A Analícia sai de cena porque ela não anda com eles. Fora isso foi um capítulo curto e fofinho ♥



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Capítulo Vinte e Um: 1992 – 753 dias antes

O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida

 que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela.

Fernando Pessoa

31 de Outubro de 1992

Eu já devo ter mencionado aqui que eu amava o Dia das Bruxas. Mais do que o meu aniversário, me atreveria a dizer. Todo o processo era mágico, desde decidir a fantasia daquele ano até ajudar Berê a costurar e finalmente conseguir os doces. Naquele ano, eu e meus amigos tivemos a melhor ideia de todas para uma fantasia: iríamos fantasiados dos personagens de Scooby Doo! Literalmente. Eu iria de Fred, Pablo de Salsicha, Mel de Daphne, Belle de Velma, Leo de Scooby e Emily e Henrique seriam os monstros –Emily iria de cartomante e Henrique de fantasma, e foram as fantasias que deram mais trabalho para Berê. No final, Berenice até fez uma maquiagem em Henrique para que ele ficasse mais assustador e pó de arroz no rosto de Emily. Berenice nos emprestou pulseiras, brincos e anéis. Analícia decidiu ir de garçonete, saia azul rodada, blusa preta, avental e sapatos de sapateado que faziam barulho quando ela andava. Analícia estava sempre muito linda. Dete estava conosco, numa fantasia fofa de bruxa.

No final, enquanto Berê observava os resultados de seu trabalho, ela tirou uma única foto com a câmera fotográfica de todos nós juntos.

—Digam “X”! –pediu.

—X! –exclamamos, fazendo pose.

—Muito bem, estão lindos! –Berenice elogiou. –Prontos para pedir doces?

—Agora! –Leo gritou. –Vamos, vamos, vamos!

—Calma! –retruquei ao que ele puxou para fora da casa. Nossos amigos vieram atrás de nós –Leo, espera!

Berenice nos desejou boa sorte ao longe, enquanto nos apressávamos em direção à cidade. Henrique contava piadas no caminho para nos distrair, e na maioria das vezes, ele inventava as piadas.

—Ok. O que o gato disse pro peixe?

—Diga.

—“Vou te comer!” –E começava a rir sozinho.

Eu nunca disse que eram boas. Talvez não possam nem ser consideradas piadas, mas enfim.

—Você é horrível nisso, para por favor. –Leo implorou.

—Quietinho Scooby. –Henrique deu língua para ele.

—E a cada dia vocês ficam piores. –Emily reclamou. –Eu sei umas boas piadas.

—Eu adoraria tirar esse gosto de piada ruim da boca. –Belle comentou.

—Duas galinhas estavam fazendo café –ela começou.

—Galinha não faz café. –Analícia rebateu.

—Larga a mão de ser chata! –Emily brigou. –Duas galinhas estavam fazendo café. Uma falou “Pó pô pó?” e a outra respondeu “Pó pô!”.

—Nenhum dos dois sabe contar piadas! –reclamei, mas Mel riu da piada boba da prima.

—Pelo lado bom, vocês podem excluir “comediante” da lista de profissões. –brincou Pablo.

—Eu tenho uma! Deixa eu contar, deixa eu contar! –Leo pediu, quase pulando.

—Conta, criatura.

—Toc, toc!

—Quem é?

—Vera!

—Vera quem?

—Verá se abrir a porta! –ele brincou

—Jesus. –Dete balançou a cabeça. –Vocês são péssimos. Sério.

—Ah, essa foi melhor, vamos! –ele se defendeu.

—Não consigo escolher a pior. –Pablo piscou. –Doeu meus ouvidos.

—Vocês são muito chatos!

—E você sem graça. –Mel brincou, brincando com a echarpe verde da fantasia.

Ofensa!

—Vocês vão na nossa apresentação, certo? –Belle mudou o assunto, deixando os dois trocando farpas.

Agora que Belle e Pablo faziam parte dos alunos da escola, eles se apresentavam no Dia das Bruxas.

—Mas é claro, Bailarina. Não perderíamos nunca. –Emily respondeu, a abraçando de lado. –É claro que depois de comer alguns doces.

(***)

 -Doces ou travessuras! –gritamos.

—Como vocês estão lindos! Adorei as fantasias combinando! –Dona Marta exclamou enquanto apertava nossas bochechas. Seu Gilmar só riu enquanto nos estregava os doces, deixando Dona Marta nos mimar. –Esse é o desenho da corrida?

Rimos.

Seu Gilmar e Dona Marta eram um dos únicos casais na cidade que não tinham filhos, e por isso, podiam mimar os filhos dos outros. Eram aquele casal legal da rua que sempre lhe davam um pedaço da sobremesa quando você pedia. Generosos e gentis como dois avós.

—Obrigada, Dona Marta, Seu Gilmar. Boa noite! –desejei.

—Pra vocês também, queridos. Visitem mais vezes! –Dona Marta danou, mas se despediram com um aceno antes de fecharem a porta.

—Eles são tão legais. –Mel elogiou. –Seu Gilmar me deu cinco balinhas e três pirulitos.

—Eles são mesmo. –Dete concordou. –Puros.

—É... Tipo isso. –Mel franziu o rosto.

—Estranho. –Leo criticou. –Mas tudo bem.

—Próxima parada, a casa da Laura! –Henrique anunciou. –Eu e ela estávamos fazendo um projeto no quarto dela, fizemos todos os planetas para colocar no teto.

Me recordei de como Laura adorava as aulas de ciências da escola, sempre animada para entender como o mundo funcionava. Ela era muito curiosa e gostava muito de aprender sobre os animais e a natureza em si.

—É verdade que ela cria formigas no quarto? –Dete perguntou.

—É. Num pote, por quê?

—É diferente. Imagina o vidro quebrar e um monte de formigas subirem na sua cama.

—Dete, querida, nós moramos na roça. Sua cama já é parte da casa das formigas. –respondi, porque já estava tão acostumado a ver as pequenas correndo por aí e comendo as minhas coisas que não me incomodava mais.

A pequena me deu língua.

—Eu sempre quis perguntar se vocês já viram uma cobra. –Mel começou. –Não queria ser indelicada.

—Meu pai achou uma no quintal de casa uma vez, minha mãe tinha pirado. Acho que ela não dormiu por uma semana de medo. –Dete contou.

—Eu lembro dessa vez. Pablo e Dete ficaram na minha casa até que a Dona Creuza decidiu que estava tudo seguro. –ri ao me lembrar daquela vez.

—Papai já achou algumas em casa também, mas é mais difícil porque a gente cria animais e eles espantam as cobras. –Leo explicou. –O mesmo vale pros escorpiões.

Emily arrepiou.

—Credo em cruz, garoto, a casa de vocês é teste de sobrevivência.

—Ei!

—Chegamos, galera! –Henrique anunciou, subindo as escadas para bater na porta de Laura.

Ela morava numa casinha de dois andares alaranjada de telhas. Eu sabia que ela tinha uma irmã mais velha de treze anos e outra de cinco, sabia que os pais dela eram separados e que Laura morava com o pai. Sabia que Laura gostava de corridas e de insetos.

Margarida abriu a porta, a filha mais velha, e pareceu feliz de ver Henrique.

—Doces ou travessuras? –Henrique começou.

—Henrique! –ela cumprimentou. –Que bom ver você, entra aí! Oi galera!

—Boa noite! –respondemos confusos, nos entreolhando.

—Adorei as fantasias! São muito fofas! Qual é mesmo o nome do desenho? Tá na ponta da língua, é...-ela estralou os dedos, pensativa.

—Scooby Doo. –Mel respondeu.

—Isso! E você é?

—Mel. Mel Barros Bastos.

—Ah, tô ligada! –ela piscou. –O que vocês queriam mesmo?

—Os doces, Margarida, os doces de Halloween. –Henrique falou.

—Ah, mas é claro! Eu só preciso me lembrar onde eu os deixei...-ela continuou murmurando enquanto procurava pela casa. –Estava aqui em um minuto... Ou foi aqui que eu deixei ano passado?

Nos entreolhamos nervosos, parecia que Margarida ia achar as chaves perdidas bem antes de achar os doces.

—Olha! –ela nos mostrou um conjunto de chaves. –Eu tinha perdido isso faz um tempão!

Quase bati minha mão em minha testa.  

Flor, a mais nova, desceu das escadas. Ela tinha três anos e estava com um bico na boca –torci o nariz ao ver. Eu nunca achei bicos legais e sempre me perguntei o que as outras crianças viam naquilo. Flor desceu com um pote nas mãos.

Margarida voltou parecendo confusa:

—Eu podia jurar que deixei eles na cozinha! –ela pausou. –Flor, você sabe que não pode mexer nisso, a Laura vai ficar furiosa!

E eu vi que, dentro do pote, várias formiguinhas andavam. E Flor as carregava com muito cuidado, sem balançar o pote para que as formigas não se machucassem. Ela deixou o pote na mesa com cuidado, foi até Henrique a apontou algo que estava no topo de uma mesa de canto. Henrique foi sem entender e pegou para ela, uma vasilha amarela.

—Ai, é mesmo! Tava na hora de dar comida para as formigas da Laura, eu me esqueci! –Margarida exclamou, pegando a vasilha para alimentar as formiguinhas. –Flor, você sabe onde eu deixei os doces?

Flor aponta para a cozinha, e Margarida voltou com uma vasilha de vidro cheia de doces.

—Graças a Deus! –Margarida fala. –Pronto galera, podem pegar quantos quiserem. –e nos passou a vasilha de doces.

Flor chupa mais uma vez o bico, o som sendo irritante aos meus ouvidos.

—Flor, sabe onde eu deixei sua mamadeira? –Margarida se volta mais uma vez para a irmã, que confirma. –Ótimo! Você já deve estar com fome! Obrigada pela visita!

Nos entreolhamos enquanto Margarida voltava pra cozinha com Flor, a garota ainda fazendo barulhos ao chupar o bico e acenando para nós em despedida. Leo olhou para a vasilha de doces e lambeu os lábios.

—Se a gente correr bem rápido...

—Leonardo! –Mel gritou horrorizada. –Sua mãe não te ensinou nada sobre honestidade?

—Ele só não aprendeu. –balancei a cabeça. –Pegue quantos doces sua consciência aguentar, Leo.

Ele juntou os lábios, culpado. Seria um milagre se ele pegasse algum doce agora.

Emily suspirou.

—Já temos doces o suficiente. A apresentação da Belle e do Pablo deve estar começando e eu já tive o suficiente de vocês.

Henrique gargalhou.

—Tchau, Margarida, tchau Flor!

Até mais!

(***)

Por incrível que pareça, a praça estava cheia quando chegamos. Não ia dar pra ver nada dali, então decidimos subir no pinheiro mais próximo de onde conseguiríamos ter uma visão melhor.

—Não, não mesmo. –Mel bateu o pé. –Não vou subir nisso!

—Mel, larga a mão de ser medrosa!

—Eu vou cair!

—Claro que não, a árvore é enorme, ela aguenta nosso peso.

—Será que estamos considerando o peso da Emily?

—LEO!

—Ai! Não precisa me bater também, foi só uma ideia!

—Uma ideia idiota, Leonardo.

—A gente vai subir ou não?

—Sim!

—Não!

—Ai meu Deus! –Dete gritou. –Mel, nada de mau vai acontecer. É só confiar na gente.

—Você está realmente se ouvindo?

—Mel!

—Tá bom, tá bom. Subir na árvore grande e velha que pode quebrar a qualquer momento. Entendi! –ela suspirou. –Por que eu sou amiga de vocês?

—Ninguém mais queria o cargo. –Henrique replicou, e Mel deu língua pra ele.

—Eu vou primeiro, Mel, pra te ajudar. –Henrique ofereceu, pulando no tronco com experiência. Ele subiu até o primeiro galho, sinalizando para Mel se aproximar.

Precisou que Emily “desse pezinho” para que Mel pudesse agarrar a mão de Henrique e ser puxada para o primeiro galho, e depois a ajudamos a subir os outros galhos.

Depois de gritos, reclamações e ofensas, estávamos numa altura suficiente para enxergar o palco de cima. Belle e Pablo acenaram para nós assim que se aproximaram, rindo da nossa posição. Emily gritou em comemoração e eu bati palmas.

A orquestra fica no fundo, onde Seu Vinicius comandava a turma dos melhores alunos da escola. As bailarinas foram pro centro, onde a música começou a tocar. Belle não estava no centro, mas dava muito bem para vê-la. Ver as apresentações de Belle me deixava orgulhoso e triste, porque eu sabia que Belle não teria o destaque que ela merecia em Sococó da Ema, então toda apresentação parecia a última que teríamos aqui.

Henrique me passou um saco de pipoca doce do galho de cima, onde estava com Mel, que eu dividi com Leo, que estava do meu lado. Emily estava no galho abaixo junto com Dete, que estava praticamente agarrada com o tronco. Nos divertíamos enquanto a apresentação rolava, e era até divertido jogar folhas em Mel, ela surtava achando que era um bicho, era hilário.

—Vocês são horríveis. –ela reclamou. –Sério, eu vou procurar novos amigos.

—Eu sou inocente. –Dete afirmou.

—Eu sei, Dete, você é a única que se salva desse grupo. –ela retrucou, e não precisei vê-la para imaginar sua expressão, o nariz empinado, as sobrancelhas cerradas e o olhar sou melhor que você.

E por ali ficamos. Depois da apresentação, descemos da árvore para terminar de brincar. Conseguimos tantos doces que começamos a comer ali mesmo no balanço, entre corridas e brincadeiras. Rolou uma partida de futebol no meio da rua e Henrique nos ensinou a usar as pernas de pau. Fizemos uma aposta pra ver quem conseguia contar as estrelas mais rapidamente, e Mel ganhou.

Infelizmente todos nós passamos o dia seguinte vomitando o excesso de açúcar do corpo.

Mas valeu a pena.

 


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Notas finais do capítulo

Esse gif poderia muito bem ser o resumo geral da fic, não?
P.S: Erros, por favor, os apontem.



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