ApocalipZe escrita por Sr Devaneio


Capítulo 17
Sub Capítulo 4 - Para fora da Escola dos Mortos!


Notas iniciais do capítulo

Ma-oe marujos! Como vão?
Depois de uma semana (uma?) estou de volta trazendo um capítulo que, creio eu, vocês vão gostar bastante. Peço desculpas antecipadamente pelo tamanho deste. Realmente não havia mais como dividir e tive que postá-lo assim mesmo.
Não vai acontecer de novo! ~espero!
Espero que eu tenha conseguido surpreender o suficiente para que a leitura não fique cansativa nem chata. Mas vou logo avisando: creio que valerá a pena. ;)
Espero que gostem, mais uma vez, desculpem o capítulo recorde (sim, esse é o nosso maior até agora) e boa leitura!
Aguardo cada um de vocês, de braços abertos, nos comentários.
*Se houver erros os furos, por favor avisem. Terminei de revisar essa madrugada e conto com vocês para que ApocalipZe tenha uma leitura cada vez mais confortável e agradável.
Ah! Já ia me esquecendo: por ser um capítulo "do badalo", dedico este à minha grande recém-amiga, que está sempre acompanhando e me ajudando com comentários lindos e magníficos. PoppyMaun, obrigado. Este vai pra você! ;)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/572464/chapter/17

O plano era “simples”: Ao chegar perto da Diretoria, iríamos nos dividir em dois grupos. O grupo 2 ficava a cargo de distrair os “zumbis” (Vítor conseguira convencer-nos a chamá-los assim até que saíssemos da escola) com panelas (nos dois dias anteriores, tinha sido realizado o Festival das Tortas. Então, para nossa sorte, algumas ainda estavam no canto da sala), usando-as para fazer barulho. Seriam os “Paneleiros” (eu sei, é um nome horrível).

O grupo 1 esperaria em alguma parede próxima em silêncio absoluto, e quando a área em torno da Diretoria estivesse vazia, iríamos (eu, Emi e Verônica fomos escalados para essa tarefa) até a porta trancada e finalmente salvaríamos Thiago. Seríamos os “Ajudantes” (continuo sabendo).

Depois, todos nós sairíamos correndo para o portão da escola e fugiríamos o escalando. Essa última parte era meio suicida, visto que se alguém ficasse preso, estaria total e completamente ferrado. Mas preferimos não pensar nisso para não atrair energias negativas.

Segundo os outros, eu, Emi e Verônica éramos os mais corajosos e, portanto, deveríamos ficar com a parte mais arriscada. O grupo 2, pelos outros. Antes de sair, lembrei-me de mandar um SMS para Thiago. Expliquei resumidamente o plano e perguntei se ele estava bem. Era hora de agir.

Nessa hora, eu deixaria de ser isca por votação da maioria.

– Prontos? – Cochicou Emi.

Assentimos preocupados.

Ninguém estava pronto coisa nenhuma, mas assentimos.

Esperava que ninguém olhasse para mim, ia ser vergonhoso se alguém me visse tão assustado.

“Deixe de ser besta! Até parece que os outros estão em condições melhores. – Ela estava de volta – Olhe só para eles: tremendo feito vara verde!” – Até que nessas horas era bom ter uma consciência atrevida como essa.

– Tem razão. É melhor focar no plano. – Falei mentalmente a mim mesmo.

– Sigam o plano e ninguém morre – afirmou Verônica – a adrenalina em seus corpos deve ajudar bastante, também.

Olhei para ela horrorizado. Ela deu uma breve risada maliciosa. Seus olhos brilhavam.

Gente...

– Só um pequeno lembrete – respondeu casualmente -. Agora vamos sair daqui!

E então ela pôs a mão na maçaneta da porta e a girou. Abrindo-a o mais silenciosa e rapidamente que pôde, Verônica pulou para trás logo em seguida.

Não havia mais tempo para pensar.

Liderados por Matheus, os Paneleiros praticamente voaram para fora. Desviando das coisas que estavam no caminho, batendo panelas e fazendo uma algazarra quando estavam a cerca de sois metros do ponto de partida.

Ao ouvir o barulho, os zumbis começaram a ir em direção ao som, desnorteados e trôpegos como sempre, liberando a área aos poucos.

– Vai dar tudo certo, gente! – Emi lançou-nos palavras de ânimo antes de começarmos nossa parte.

Cerca de dois minutos depois, era nossa vez de agir.

Corremos para a parede. Dali era só seguir em frente, passar por algumas janelas, uma divisa e, quando a outra parede acabasse, já poderíamos ver a porta da Diretoria. Fui seguindo as duas em silêncio e orando rápida e repetidamente enquanto passávamos as janelas das salas de português, literatura e produção de texto. À nossa volta, alunos e alunas cambaleantes gemiam numa marcha que os levaria até o barulho que os Paneleiros faziam.

Aqui fora, o coro de gemidos era mais alto, mais carregado e mais medonho. Na divisa, quase esbarramos em alguns deles. Nós três levamos um baita susto, mas (não sei como) apesar de tudo, ninguém gritou. Lembrei-me da pobre menina de cabelos pretos e curtos que fora atacada no intervalo e imaginei onde ela estaria agora. Talvez em um corredor sujo e assustador, talvez caminhando em alguma sala de aula... Onde quer que tenha se enfiado, espero que esteja bem longe. De qualquer forma, era só dar mais alguns passos e já poderíamos ver a porta...

Em algum momento eu havia parado no início da fila. Foi quando parei de súbito e Verônica acabou esbarrando em mim e Emi nela.

Um corpo cambaleante havia surgido à nossa frente completamente do nada, caminhando em direção ao som das panelas.

Era um garoto. Tinha mais ou menos o meu tamanho, cabelos pretos, vagos olhos castanhos e um dos braços completamente vermelho, devido ao sangue que escorrera de seu ferimento no ombro. Poderia ser apenas um garoto morto qualquer, apenas mais um deles, se não tivesse uma cicatriz acima do olho direito, causada por uma queda de árvore quando tinha seis anos. Sei disso porque estava presente.

– Marcos... – Sussurrei não completamente abalado devido á toda a adrenalina correndo solta por minhas veias.

Aquele garoto era meu primo. Pelo menos, havia sido um dia. Éramos muito amigos. Antes de entrar completamente na tristeza, um som alto puxou-me de volta. Um toque crescente e contínuo, bem familiar, vindo do meu bolso.

O “garoto” parou. Com um movimento terrivelmente lento, virou a cabeça e me encarou. Mais uma vez, congelei por causa do pânico. Ele estava a menos de um metro de mim.

– Aaaamm... – Gemeu alto o suficiente para que eu pudesse ficar à beira do desespero. Se ele avançasse, eu não teria como recuar – Verônica e Emi, aparentemente, haviam congelado também.

Quando ele deu um passo para frente, Emi saiu de trás da fila como um raio. Num movimento habilidoso com as mãos, cortou o pescoço do meu primo com sua espada.

A cabeça dele caiu no gramado. O sangue fluía em jatos do pescoço, mais abundantes quando o coração batia, numa tentativa inútil de levar sangue ao cérebro, que estava agora a um metro e setenta centímetros de distância.

Para evitar que o sangue respingasse em nós, Emi chutou o corpo, que caiu com um som abafado pela grama. Eu estava sem reação nenhuma. Ao encarar a cabeça no chão, fiquei estupefato.

Apesar de ter sido separada do corpo, a boca continuava se mexendo, num abre-e-fecha frustrado por não poder nos alcançar. O.k., aquilo era completamente bizarro. Bizarro e impossível.

Olho para Emi. Com as sobrancelhas franzidas, ela me fitou assustadoramente e falou num assustador e baixo tom:

– Você quase se matou. Quase nos matou.

Fiquei vermelho ao encará-la. Mais vermelho ainda com o fato dela estar me passando um sermão. Mais ainda, pela impressão/esperança de ela deve ter me reconhecido agora, se lembrado de que estudávamos juntos (não sei porque pensei numa coisa dessas num momento como aquele).

Senti um puxão. Virando-me, encaro uma Verônica terrorista, que me bombardeava com uma expressão irada:

– Você. Está. Maluco? – Pergunta ela, antes de me acertar um tapa na cara.

Eu realmente não esperava por aquilo.

Minha bochecha ardia enquanto eu tropeçava em mim mesmo e esbarrava desengonçadamente em Emi, que estava bem atrás de mim.

Em uma fração de milésimo de segundo, meu corpo pensou por si e novamente agi por instinto.

Quando me dei conta, Emi ela estava meio inclinada e minhas mãos estavam em suas costas. Seu rosto estava bem paralelo ao meu e podíamos nos ver muito bem. Tanto que meus olhos estavam presos nos seus, pequenos e completamente surpresos. Reparei mais uma vez em como não eram puxados ou pequenos demais; as duas mechas soltas de seu cabelo pendiam ao lado da cabeça de uma forma charmosa, considerando que ela acabara de quase cair.

Aquela era uma posição de dança. Uma das mais comuns... em danças românticas.

Mas não é possível! Até caindo ela é bonita!

De seus olhos, desço o olhar, sem perceber, ao seu nariz afilado. Do nariz (ainda sem me dar conta), desço o olhar para sua boca. Seus lábios esculpidos e cheios tomam conta de minha atenção.

Ao me dar conta da situação, minha timidez me puxou as orelhas. Com mais um movimento rápido e gracioso, levantei-a girando suavemente em seguida e deixando se equilibrar sobre suas próprias pernas.

Fiquei surpreso ao notar o quão graciosos e leves foram meus movimentos. Começo a sentir a ardência do tapa ir sumindo aos poucos, conforme minha bochecha foi se anestesiando de tão vermelhas que deviam estar.

“Elas vão achar que foi o tapa. Sim, foi o tapa que me deixou tão vermelho.” – pensei, tentando em vão enganar a mim mesmo.

“O tapa? Meu filho, elas não são idiotas! Principalmente a Emi...”

– Ora, cale-se. Não preciso dos seus sermões agora. Só preciso de um buraco para me jogar dentro.”

Paro de discutir com minha consciência ao notar o olhar estupefato (agora, sim! He-he-he) de Verônica. Caramba! Verônica estupefata.

Se estivesse com minha câmera fotográfica...

– D-desculpe... – Dirijo-me à Emi, evitando olhar em seus olhos, ainda surpresos. Por hora, chega de troca de olhares.

De repente, lembro-me dos outros. E se eles tiverem visto? Ai, meu Deus!

– Tudo... Bem... – Ela murmura em resposta.

Minha esperança de ela ter me reconhecido se esvai. Fico levemente frustrado. Que situação!

Tento mudar o foco das coisas olhando discretamente na direção dos outros.

O único que olhava para mim era Vítor. E olhava com um olhar malicioso acompanhado de um sorrisinho cínico. Os outros estavam ocupados demais com os “alunos” à sua volta. Eles estavam quase cercados.

O.k., chega dessa distração toda. Hora de voltar ao plano. Então me lembrei do toque.

Enquanto tirava meu celular do bolso, ia ficando aliviado à medida que a atenção ia saindo de mim e grudando-se ao celular.

– É uma mensagem... Do Thiago. – Digo ao ler seu nome na tela do meu celular.

Imediatamente o olhar de Verônica suaviza:

– Leia logo! – Ela apressa. Pelo menos, essa quase morte me serviu para alguma coisa!

17:39

DE: Thiago Escola

Ok estou esperando. Estou com medo, mas, pelomenos a porta ainda está de pé. NÃO DEMORA!

Achei que Verônica fosse chorar ao ler aquilo. Em vez disso, ela apenas disse, com um sorrisinho meio triste:

– Ele escreveu “pelo menos” junto. Ah Thiago...

– Ele está a poucos metros. Como disse, e como podemos ver, a porta está firme e forte. Ele está bem, Verônica. E vamos salvá-lo agora. - Falei tentando consolá-la.

– Sim. Agora! – Ela concordou. Depois, contornou-nos determinadamente e sumiu pelo corredor sem mais uma palavra.

Quando a alcançamos, ela já havia batido na porta e Thiago estava respondendo:

– Finalmente! – Sua voz ecoou um pouco abafada, mas estava audível o suficiente.

Enquanto esperávamos, notei pela primeira vez que havia um som suave ao fundo do som produzido pela pesada mesa sendo arrastada pelo chão do outro lado da porta, pelos gemidos e pelas batidas de panela do outro grupo. Um som que denotava uma bagunça, uma multidão falando ao mesmo tempo, gritos e outras coisas mais. Um som que denotava caos, mas era bem suave. Se meu ouvido não fosse apurado por causa da música, provavelmente eu não teria notado.

Algo estava acontecendo do lado de fora. Aquilo só aumentou minha curiosidade e ansiedade de sair dali.

– Rápido gordo! – Verônica não conseguiu segurar o nervosismo nem disfarçar a ansiedade estampada na própria voz.

Emi a olhou, confusa. Dei de ombros, gesticulando um rápido “é assim mesmo.”. Ela sorriu rapidamente, e seus pequenos olhos se fecharam. Ela era tão linda... Ri também, sem saber realmente por que, tentando ignorar a timidez que ameaçava reforçar a vermelhidão que insistia em permanecer em minhas bochechas (principalmente se eu me recordasse dos recentes fatos de alguns instantes atrás).

A porta finalmente abriu.

– Thiago! – Verônica pulou em cima dele, abraçando-o com força.

Ele, sem esperar tamanha demonstração de afeto, ficou meio sem ar.

– Er... Oi. – Respondeu um pouquinho sufocado.

Dando-se conta do que fizera, Verônica o soltou e rapidamente tratou de dizer:

– Quer dizer... Que bom que está bem. – Disse de olhos fechados e testa franzida ainda tentando manter sua superioridade.

Ela também não enganava ninguém. Claramente se via que estava louca para se atirar no buraco mais próximo.

Verônica envergonhada, estupefata, assustada e... Completamente “desarmada”. Hoje era um dia de recordes. Belisquei meu braço discretamente, para ter certeza de que não estava sonhando, aproveitando aqueles poucos e (até então) únicos segundos.

– Agora, com licença. Temos pouco tempo. – Verônica falou e logo em seguida sumiu novamente. Desta vez, para dentro da sala.

Thiago olhou para mim:

– Ei, Enzo. Tudo bem, cara? Está parecendo um pimentão meio pardo, meio vermelho. Só que muito mais vermelho.

Ah, minhas bochechas!

– N-não é nada... Obrigado.

Senti o olhar de Emi pousado em mim. E olhando pelo pouco relance que me era possível sem mostrar que eu a encarava, acho que vira Emi um pouco vermelha também.

– Tem certeza de que está bem? – Perguntou Thiago novamente, desconfiado.

– S-sim... É melhor ir atrás de Verônica. – Desconversei.

Notei que o barulho das panelas havia mudado. Olhando para os Paneleiros, me dei conta de sua situação nada boa. A esta altura, estavam cercados e agora usavam as panelas como instrumento de defesa.

Cada vez que uma coisa se aproximava, levava uma panelada digna e recuava um pouco, cambaleando. Mas eles não podiam nem conseguiriam ficar daquela forma para sempre.

– Temos que fazer alguma coisa. – Falou Thiago.

– Tipo o quê? – Perguntou Emi.

Uns sons estranhos vindos de dentro da sala despertaram minha curiosidade. Ao entrar para perguntar se Verônica tinha alguma continuação para seu plano brilhante, deparei-me com ela mexendo nos arquivos na gaveta do diretor.

– Ei. O que está fazendo? – Perguntei.

– Ajudando os outros. – ela respondeu, curta e grossa.

– Não entendi...

– Verônica? – Thiago entrou com Emi. Ambos exalando confusão assim como eu.

– Como arquivos e fichas nos ajudarão? – Perguntei novamente.

– A questão não são os arquivos. – Ela havia se deslocado para um dos armários. Agora estava num abrir e fechar frenético de gavetas – Agora, façam algo de útil e levem nossas mochilas lá para fora.

– Podemos ajudá-la? – Perguntou Emi.

– Não, não... Pode ir lá com os outros – respondeu distraída em seguida mudou o foco totalmente - Vejamos... Se eu fosse o diretor, aonde eu guardaria? - Depois, sua expressão iluminou-se como se tivesse tido a ideia das ideias. – Mas é claro! Como não pensei nisso antes?!

Ela correu para o porta-arquivos central, situado atrás da mesa do diretor. O único porta-arquivos trancado.

– Droga! Não temos tempo para procurar a chave! – Puxando inutilmente o puxador metálico, disse para ninguém em particular. Na verdade, acho que disse para si mesma.

– Verônica, os outros estão em perigo. Um grave perigo. Então, deixe de lado suas loucuras e... – Thiago foi interrompido por uma voz gritante feminina:

– Malditos!

Corremos para o exterior da sala.

– O que vocês estão fazendo? Acham que viemos até aqui para ficarmos cercados de gente morta – Vanessa parara seu discurso para dar uma enérgica e rápida panelada na cabeça de um zumbi que estava peto demais em seguida continuou - enquanto vocês ficam aí fofocando? – Sua expressão estava completamente irada - E O PLANO? – gritou mais alto.

Depois precisou fazer uma segunda pausa para acertar outro aluno que havia se aproximado bastante. Com o golpe, ele cambaleou para trás, tropeçou no próprio pé e caiu mantendo certa distância da menina e dos outros vivos do local.

Tornando a olhar para nós, sua ira voltou:

– Parem de namorar e vamos acabar logo com isso! Essas coisas não param de se levantar! – Fez outra pausa quando outro aluno surpreendeu-a chegando pelo lado. Num movimento desesperado e irado, Vanessa acertou a panela que segurava na cabeça do garoto. Ele cambaleou para trás. Levando mais duas paneladas, finalmente caiu.

Fiquei mais vermelho ao escutar a palavra “namorar”.

Apesar da vergonha que sentia, a pontada de culpa crescente era maior. Nathália, Matheus e Vítor não paravam de “panelar” os outros. Estavam cansados e a luta era bastante desigual, já que os inimigos estavam em um número muito maior e levantavam-se segundos após terem caído sem muito dano aparente.

O espaço entre eles havia reduzido bastante e o número de inimigos, crescido igualmente. Se Verônica não parasse com aquela loucura e corrêssemos agora para ajudá-los, teríamos mais ou menos 90% de chance de perdermos nossos amigos. E seria logo depois de ter perdido meu primo...

Ouvi um som de metal contra metal, seguido de outro que lembrava uma gaveta se abrindo. Mas não consegui tirar os olhos daquele grupo quase perdido. A expressão de todos, principalmente de Vanessa me fez sentir uma sensação horrível. Como se eu estivesse os traindo.

E então ouço a voz de Thiago:

– Verônica?! Mas... O quê...?

E então ela surgiu ao meu lado. Quando deu alguns passos para frente, fiquei pasmo ao ver o que ela segurava: um objeto facilmente identificável, mas que não se encaixava de forma alguma no contexto atual. Um objeto que ela com certeza não deveria nem achar, sequer segurar, apesar de seu uma escola militar.

Aquilo tudo tinha se tornado algo surreal: Uma escola cheia de alunos “mortos”, só pra começar; um grupo dos vivos cercado em uma área verde, segurando nada menos que panelas e prestes a serem devorados; o outro grupo, pasmo e confuso como nunca esteve na vida.

E quando uma integrante do segundo grupo surgiu da sala do diretor da escola, trazendo consigo uma arma de fogo, eu decididamente, não sabia de mais nada.

Durante um tempo, fiquei sem reação nenhuma. Toneladas de pensamentos choviam em minha mente. Pensamentos envolvendo armas, o diretor, gavetas, perigo, medo...

Nesse meio tempo, Verônica levantou seu brinquedinho e apontou para frente, mirando. Segurou o cano com a mão direita e abriu a palma esquerda sobre a parte traseira do revólver.

Mirou uma última vez.

O barulho cortou meus pensamentos, martelando meus tímpanos com força.

Num instante, um BANG! ecoou por todos os lugares.

Verônica foi sacudida e quase voou para trás com o coice que a arma lhe deu. Meus ouvidos zuniam e tudo à minha volta girava com a leve tontura que havia me acometido subitamente.

No instante seguinte, tudo e todos pararam. E a escola inteira ficou num silêncio sepulcral.

Ainda meio atordoado, olhei ao meu redor. Emi e Thiago estavam imóveis com olhos arregalados. Thiago tinha uma boca escancarada. A cena se repetia mais à frente, só que nos rostos de Vanessa, Vítor, Matheus e Nathália. Até mesmo as coisas haviam parado. Não pude deixar de notar que até assustada, Emi continuava linda.

Era como se o tempo realmente tivesse parado, todos tivessem sido congelados em plena ação. Até a coisa que estava prestes a receber o golpe de Vanessa virar lentamente a cabeça para trás. As outras a imitaram e, em questão de segundos uma multidão de alunos pôs se numa marcha lenta e medonha, vindo agora diretamente para cima de nós.

Verônica se recompôs e manteve uma pose confiante, como se soubesse exatamente como fazer a coisa certa pelos próximos dois dias sem errar em nada. Virou a cabeça para o lado, na direção do portão e conclui algo.

– Acabou a diversão. – Falou antes de gritar – Hora da parte 2, galera!

Todos nos olhamos realmente confusos.

– Parte 2? – Perguntou Emi.

– E qual seria? – Perguntou Thiago.

– É tão óbvio! A parte 2 consiste em... Correr!

Dito isto, ela disparou, pegou sua mochila no canto da parede junto com uma outra (que no momento não pude identificar) e foi corredor adentro.

– O quê? – Perguntei sem saber se a acompanhava ou não.

– Vocês ouviram. Vamos! – Falou Thiago.

Emi se virou e gritou para os outros:

– A parte 2 consiste em correr. Mexam-se agora!

Enquanto todos disparavam em nossa direção, desviando dos zumbis, nós fomos até nossas mochilas.

– Acho que entendi. Peguem a de vocês e mais duas, assim os outros não terão que perder tempo pegando as mochilas. – Emi falou pegando a sua e a de Matheus.

Peguei a minha, ajustando uma alça no ombro e o case do violino, ocupando assim minhas duas mãos. Thiago pegou a dele e a de Vítor.

Uma tinha faltado.

– Eu pego. Vão! – Emi praticamente havia gritado a ordem.

– Não, deixa comigo. – Peguei a mochila que restava antes dela dizer qualquer coisa. – Por favor. - acrescentei, antes de disparar atrás de Verônica, sem dar-lhe tempo para pensar em dizer mais nada.

Era bom manter valores como cavalheirismo numa situação dessas?

E lá estávamos nós três, correndo atrás da outra.

E pensar que tudo havia acontecido em menos de cinco segundos...

Felizmente, as mochilas estavam em posições que facilitaram nossa vida.

Enquanto corríamos, tentei organizar meus pensamentos antes que a confusão tomasse conta de mim e me deixasse maluco, acompanhando Verônica, que corria como louca para o fim do corredor.

Eu não entendia... O plano não resultaria em fugir da escola? Por que estávamos adentrando–a novamente, fazendo assim o contrário do que fora proposto? E logo agora que estávamos tão perto do portão...

“Ah, Enzo. Você é tão devagar. Eu deveria ter pegado outro humano na hora da seleção... Alguém como ela, por exemplo.” – meu subconsciente referia-se à Verônica.

– Ora, cale-se! Não é hora para suas chatices! – respondo igualmente petulante.

“Apenas observe, pequeno tolo.”

E como é prudente seguir conselho de consciência, obedeci.

– Ei... Ela está correndo para... A sala de limpeza.

“A-há!”

A sala de limpeza era a única que possuía um duto de lixo. Portanto, a única que possuía uma “saída” dentro da própria escola.

A alegria momentânea que senti logo passou.

– Duto de lixo?! Ah, não!

“Eu sabia! É só dar um tempinho, que ele pensa. Esse é meu garoto!

Desta vez, ignorei.

Como eu não tinha outra opção e não havia tempo para protesto, corri. Quando alcancei o duto, dentro da sala já aberta, Verônica já havia descido. Antes, porém, pude ver como fez:

Primeiro, as mochilas.

Uma, duas, três. O case...

– Agora, eu! – Felizmente (ou não?) eu não tinha muito tempo para pensar em como aquilo era nojento. Mais felizmente ainda, ao que parecia, desde o começo da semana o duto fora usado apenas para lixo seco.

O mais rápido que podia, coloquei um pé seguido do outro. Como era de se esperar, o duto fedia pra caramba. Bastou eu me deitar para escorregar, com o duto soltando uns guinchos conforme minha velocidade aumentava. Nem pude “curtir” a descida, pois dois segundos depois eu estava envolto em sacolas fedorentas que – apesar do lixo seco - deixavam escorrer um líquido viscoso e igualmente fedido em minha roupa. Eca!

– Saia rápido, o Thiago já vai descer! – Verônica ajudou-me a me levantar e sair do contêiner de lixo.

Assim que me levantei, uma brisa fresca soprou em meu pescoço. Senti naquela brisa muitas mensagens a respeito da situação lá também, mas não tinha tempo para prestar atenção agora.

Antes mesmo de o meu pé sair das últimas sacolas, duas mochilas desceram. Ágil, Verônica as tirou e pôs no chão. Flagrei-me perguntando se o Thiago caberia no contêiner. Seu corpo mergulhando em várias sacolas segundos depois, foi o que tive como resposta.

Ainda bem! Se por azar, ele tivesse ficado preso... Fiquei aliviado.

– Rápido, a Emi logo vai descer! – Verônica repetiu a frase, ajudando Thiago a sair das sacolas malcheirosas.

Mais alguns segundos e outras duas mochilas afundaram nos sacos, já bem “amortecidos”. Peguei uma, Verônica pegou outra, quando terminamos de colocá-las no chão, Emi caiu com um som macio. Verônica e Thiago foram mais rápidos e a ajudaram a sair.

– Obrigada! – Disse, assim que seus pés tocaram o chão de onde quer que estivéssemos. No meio daquela adrenalina toda, esqueci de verificar o ambiente.

Enquanto aguardávamos mais uma chegada, me dei conta de que estávamos no estacionamento. O amplo estacionamento da escola. Em todos aqueles anos, acho que eu nunca tinha ido ali antes. A área estava limpa e sem sinal daquelas coisas.

Outro som de deslize, seguido de um som macio depois e Matheus emergia do lixo.

– O que é isso?! – Disse assim que saiu.

– O meio de transporte que salvou nossa vida. – Respondeu Thiago.

– Thiago, um duto de lixo não é um meio de transporte! – Lembrou Matheus.

– No nosso caso, passou a ser. – Completou Verônica.

Segundos depois, Vanessa caiu.

– Rápido, os outros logo vão descer! – Repetiu Verônica.

E foi repetindo e ajudando a sair até que todos estavam ali, seguros.

Inesperada e surpreendentemente, a tensão acumulada esvaiu-se um pouco. Pude inspirar profundamente o ar fresco, calmo e carregado de cheiros de fim de tarde.

Enfim, finalmente fora daquela escola. Com a noite cada segundo mais próxima, nossas sombras iam ficando cada vez maiores.

– Não consigo falar com meus pais. – Disse Matheus frustrado, segurando seu celular.

Reservamos um curto período de tempo para novamente tentarmos contatar nossos responsáveis. Após um tempo de tentativas e mais tentativas só ouvindo a voz da moça gravada, desistimos. A família de ninguém atendeu. O cúmulo do azar era todos os celulares deles estarem “fora de área ou desligados” ao mesmo tempo.

– Liguei para minha tia, podemos ir lá para casa. Vocês podem tentar ligar para seus pais de lá quando chegarmos. – Disse Vanessa com o mesmo tom de voz que minha mãe usava para anunciar que iria ao supermercado – Infelizmente, não tem como ela vir nos buscar. As ruas e as duas pontes estão congestionadas.

– Sua tia atendeu ao telefone? Como assim?! – Perguntou Vítor, com uma expressão estranha.

– Ela tirou a semana de folga. – Respondeu Vanessa sem fazer muita questão.

– E você disse... duas pontes? – perguntei, receoso que a resposta fosse o que eu imaginava.

– Moro depois do Lago Paranoá.

Caracóis! Seria realmente um longo caminho...

– Por que? – ela perguntou, arqueando uma sobrancelha mas permanecendo com sua expressão de quem não se importa.

– Nada... Também moro depois do Lago. – respondi engolindo sem eco.

– Ei, ei, ei, ei, ei, ei! Deixa ver se eu entendi... Nós vamos até depois do Lago Paranoá a pé?! – perguntou Verônica, descrente.

– Na verdade, moro bem perto do Lago. Não é tão depois. De qualquer forma, vamos logo. Com sorte, talvez amanhã consigamos chegar.

Eu ainda não acreditava naquilo. Estávamos na W4 Sul, caramba! Ir até o Lago Paranoá a pé... Eram mais de dez quilômetros. A. PÉ. Fora o fato de ser quase sete da noite.

Era loucura! Total e absurdamente loucura.

– Antes, por favor, alguém tem horas? – perguntei por perguntar.

– 18h34. – avisou Thiago após olhar em seu celular.

Vanessa se dirigiu até o portão do estacionamento sem cerimônias. Fomos atrás dela. Um vento frio soprou em meu rosto, arrepiando os pelos de minha nuca e braços, trazendo-me uma sensação estranha.

Assim que chegamos à avenida comercial principal, congelei diante do cenário caótico em que a cidade se encontrava: colunas de fumaça erguiam-se em um número absurdo atrás dos prédios mais próximos, que estavam com as fachadas completamente ou parcialmente (nos melhores casos) destruídas.

Uma quantidade igualmente absurda de gente andava de modo trôpego e desengonçado por toda avenida. Os carros estavam parados, a maioria com as portas abertas, no meio de tudo: calçadas, pistas, divisórias de pistas e alguns dentro das lojas.

Então, um som crescente e desagradável surgiu, mais alto que todos aqueles presentes.

Imediatamente, no instante seguinte, um ônibus tombado passou por nós, descendo a ladeira da avenida numa velocidade impressionante; o guincho do metal raspando o asfalto misturava-se aos gritos desesperados dos passageiros, formando um eco caótico e medonho.

O susto me fez gritar. Alguém gritou junto, mas eu estava aturdido demais para tentar perceber quem era.

O grandalhão escorregou até o fim do declive que aquela rua era e a ponta chocou-se com um carro que estava em seu caminho, desviando sua “rota” para as lojas da calçada e derrubando um poste antes de entrar quase por inteiro dentro da loja mais próxima. Apenas as últimas janelas ficaram à mostra.

Depois disso os gritos cessaram por completo.

Minha cabeça estava a mil com tudo aquilo. Milhares de coisas me vinham em mente, formando um misto de sensações que não me deixavam raciocinar direito. Eu apenas observava, sem observar de fato, as “pessoas” descendo a pista, indo em direção ao ônibus.

Sim, a palidez se fazia presente na pele de todos eles; a vermelhidão estranha nos olhos dos mais próximos e as feridas expostas que alguns apresentavam.

Eu já esperava por isso. Porém ainda mantinha esperanças de estar errado. Então, de fato não havia sido só na escola.

Droga! Droga, droga, droga!

Frustração, medo e preocupação tomaram conta de mim.

– Vejam! – disse Nathália atrás de mim, apontando na direção do ônibus.

Alguém saía pela última janela. Era um homem, magro de cabelos pretos, bem vestido com o que parecia ser um terno. Metade de seu corpo estava do lado de fora e ele se movia com agilidade.

Logo em seguida, outro som, desta vez um pouco menos carregado surgiu e começou a crescer rápido.

Um carro amarelo vinha descia a pista em alta velocidade. Tão rápido que quase não vi a motorista prensada contra a porta pela passageira do carona, que mantinha uma posição agressiva sobre o corpo da pobre mulher.

Não pude ver o semblante de nenhuma das duas, mas já imaginava o que se passava ali dentro.

O carro continuou descendo.

Ouvi a voz de Vítor, alarmada, gritar:

– Cuidado!

À frente do carro, o homem estava em pé na pista, de costas para nós e de frente para a traseira do ônibus.

Caramba!

Ele mal havia virado o rosto para trás ao ouvir a advertência, o carro o atingiu em cheio de forma brusca, um milésimo antes de chocar-se contra a traseira do ônibus e prensar o pobre homem.

Seu corpo ficou imóvel, seu tronco, estirado sobre o capô amarelo.

Meu Deus!

– Ah... Meu Deus! – Emi cobriu a boca com a mão.

Inspirei profundamente, tentando pensar em como tudo acontecera em menos de um minuto.

Só então, me dei conta de que nunca mais iria ao cursinho de inglês, nem à academia de dança, tampouco ao cursinho de música e de matemática.

Quando saímos e olhei ao redor, eu tive certeza de que a minha vida nunca mais seria a mesma.

No Dia Um, eu havia perdido minha família, meus colegas de escola e meu mundo. E ainda teria que andar dez quilômetros a pé...

Uma salva de palmas à droga do Fim do Mundo!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Ufa! Como foi? Cansativo demais? Espero que não...
Comentem, realmente preciso saber.
Abraços!

*Eu não lembro se tinha agradecido antes, então aqui vai:
Obrigado Luana pela recomendação! Nem posso expressar em palavras minha alegria, mas muito obrigado mesmo! Por você e mais alguns muitos, estou motivado a tornar ApocalipZe uma história cada vez melhor! Um beijo!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "ApocalipZe" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.