Hunter escrita por Jiinga


Capítulo 8
Queda




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O primeiro dia de aula amanheceu frio e chuvoso. Que ótimo sinal.

Queria acreditar que minhas férias não tinham acabado. Que eu não teria que conviver com o namoro de Tristan e Marina nos próximos quatro meses. Que algumas pessoas não passariam a me odiar e fazer de tudo para acabar com a minha vida se descobrissem que eu estava a fim dele. Mas sabia que era tudo mentira.

Quando cheguei à escola, cumprimentei Thaís como se não a visse há séculos. Acenei a cabeça para Bel. Parecia que ela iria mesmo seguir a ideia de se afastar de nós. Poxa, minha amizade era tão ruim assim? Esse semestre prometia ser uma droga.

Passamos uma aula de matemática muito monótona e, assim que o sinal tocou, descemos para a educação física. Enquanto atravessávamos o pátio, puxei Carla para um lado.

– Ca... Eu estive pensando em contar pro seu irmão sobre gostar dele.

– Ai, sim, Emi, você devia! Na verdade, se eu fosse você, contaria antes que a Marina conte.

– A Marina? Como assim? Ela sabe?

– Digamos que tá ficando meio óbvio.

E nisso ela acelerou o passo, me deixando lá, boquiaberta. Estava ficando óbvio? Como assim? Eu só havia contado pra algumas pessoas, todas confiáveis... Quem poderia ter vazado a informação?

Depois da aula, enquanto eu bebia um copo d’água, Carla apareceu novamente. Ela piscou pra mim e foi até Marina.

– Mari! – chamou Carla – Você gosta do meu irmão?

– Bom, vou tentar, né? – tentar? Que tipo de pessoa “tenta” gostar da outra, como se fosse uma obrigação?

– É por que tem outra pessoa que tá muito a fim dele.

Eu não vi a cena, mas podia sentir o olhar de Marina em mim quando disse:

– É, tá muito na cara que essa pessoa tá a fim dele.

Carla tinha razão. Eu teria que contar antes que a Marina contasse.

À tarde, eu estava sentada com Carla na escada de sempre, enquanto esperávamos o pessoal mais velho. Os horários do primeiro e do terceiro ano eram diferentes, além da carga horária. Nós tínhamos aulas até meio dia e meia e eles até uma e vinte, sem contar as aulas da tarde, cuja quantidade ia de uma (segundo ano) a três (último ano). Logo, eles vieram. Tristan, Rique, Luís, entre outros.

Eu instantaneamente abracei Tristan, antes de cumprimentar todos. E então encarei Rique.

– Podemos conversar? – perguntou Rique.

– Claro. – fui com ele para um canto.

– Foi mal pelo jeito que falei com você nas férias.

– Tudo bem.

– Não, sério mesmo. Tinha muita coisa acontecendo na época.

– Tudo bem, Rique, eu tô de boa.

– Ótimo. Mas ainda não posso te contar o que tá acontecendo com ele.

– Ok. Eu não me importo mais. O Tristan virou meu melhor amigo ultimamente.

– Que bom. – Rique sorriu, mas eu ainda sentia que havia algo errado.

Sorri de volta. A conversa estava terminada, então fomos sentar com o resto do pessoal. Com Tristan ao meu lado, tudo em que conseguia pensar era no conselho de Carla naquela manhã.

– Tudo bem? – perguntou ele, ao perceber que minha mente estava completamente distante.

– Aham.

– Quer ouvir música comigo? – ele me ofereceu um fone.

– Ok. – coloquei o fone no meu ouvido. “Talk” do Coldplay. – Tristan, me promete uma coisa?

– O quê?

– Promete que qualquer coisa que te contarem sobre mim, independente do que ou quem for, você vai vir falar direto comigo antes de acreditar?

– Nossa, por quê?

– Porque tão armando pra mim. Promete?

– Tá legal. Prometo.

Bom, aquilo pelo menos me confortava um pouco.

No dia seguinte, teríamos a primeira aula de teatro do semestre. Eu estava muito ansiosa e cheia de ideias inovadoras para a peça. Sem falar que era o dia em que tiraríamos a foto do grupo.

Todos estávamos reunidos na escada, pouco antes da aula. Bel também estava lá, apesar de não estar falando com ninguém. Ela tinha aula de inglês, não podia evitar ficar por ali. Por algum motivo desconhecido, Tristan estava me ignorando enquanto conversava com Carol (que não tinha ideia do que estava fazendo lá). Eu teria que falar com ele depois da aula.

Dez minutos antes da aula começar, o pessoal concordou em subir. Carla, que havia acabado de chegar, veio me cumprimentar.

– Oi Emi. Oi Bel.

– Oi Ca, – eu disse – Você sabe por que o seu irmão tá agindo tão estranho comigo hoje?

– Hum... Er... Emilia... Tem algo que você precisa saber.

– Fala. – engoli em seco. Já podia imaginar o que era.

– A Marina contou pro Tristan que você gosta dele.

Não.

Não. Isso não podia estar acontecendo! Senti minha cor sumir de repente e minhas pernas ficaram bambas. As lágrimas começaram a se formar em meus olhos.

– Preciso sentar. – disse para Bel. Eu sabia que não deveríamos mais nos falar, mas me apoiar nela foi puro instinto.

As duas me acompanharam até a escada, onde eu desatei a chorar. Era uma sensação estranha, horrível, como se eu estivesse caindo de um penhasco e não tivesse onde segurar. Tudo que eu havia construído com Tristan, agora não era mais nada.

– Como você se sente? – perguntou Bel.

– Terrível. Eu não... Não acredito Bel! Acabou! Tudo!

– Claro que não, Emilia!

– Claro que sim! Você acha que ele vai continuar o mesmo? – parei de falar. Não gosto de compartilhar meus sentimentos e pensamentos com as pessoas.

– E agora? – perguntou Carla.

– E agora, o que? Minha amizade com o seu irmão acabou pra sempre!

– Afe, cala a boca. Eu conheço o Tristan. Não vai mudar nada entre vocês.

– Como não? Ele vai parar de ser fofo comigo com medo de magoar, vai parar de dizer que me ama com medo de me magoar, vai se afastar de mim! Eu já to vendo tudo.

– Olha, desculpa, mas se ele fizer tudo isso, ele é um idiota. – comentou Carla.

– Como você descobriu que a Marina havia contado, afinal?

– Ah, eu perguntei “Ei, Tristan, já soube da Emilia?”. Ele respondeu “Que ela gosta de mim? Sei.” “E quem te contou?” “A Marina.”. Mas, pelo amor de Deus, não fala nada pra nenhum deles, por que o Tristan não pode saber que você sabe.

Respirei fundo.

– Por que você tem sempre que ser a pessoa a me contar as más notícias, Ca? – comentei.

– Não sei. – ela olhou para o relógio – Faltam cinco minutos pro teatro, você vai?

Hesitei. Eu nunca havia perdido uma aula de teatro na minha vida. Mas só de pensar nos olhares de Tristan e Marina, meu estômago embrulhava.

– Não.

– Não? Por que não? – perguntou ela, pasma.

– Eu não consigo olhar na cara dele.

– Tem certeza de que não quer ir? – perguntou Bel. Era incrível como ela sempre parecia saber o que estou pensando. Como eu pude deixá-la ir tão facilmente?

– Tenho.

– Ótimo. Se mudar de ideia, sabe onde é a aula. – disse Carla, levantando-se e indo embora.

– Que raiva dessa garota. Não confio nela. – comentou Bel.

– Sabe o que não faz sentido?

– O quê?

– Por que a Marina contou? Tipo, qual o motivo dela? Ela me vê, sei lá, como uma ameaça? Eu nunca fiz absolutamente nada pra ela! Isso é simplesmente maldade!

– Eu... Não sei o que dizer, Emi.

– Eu só... Sinto como se alguma coisa estivesse errada... Como se algo não encaixasse, sabe? Não faz o menor sentido a Marina ter contado... Eu... Sinto que não devia acreditar na Carla.

– Bom, eu nunca acreditei mesmo.

– Eu sei o que tenho que fazer. Tenho que falar com a Marina.

Fui a pé até minha casa. Assim que cheguei lá, tomei um banho quente e chorei todas as lágrimas que ainda tinha que chorar. Tomei coragem e abri o Facebook. Marina estava lá online, Tristan não.

Emilia Forstensi:

*Mari, preciso falar com você.

Marina Andrade:

*Ah, oi!

*Pode falar.

Emilia Forstensi:

*Por que você falou pro Tristan que eu gosto dele?

*Tipo cara, eu não vou nem quero roubar ele de você sem nada assim, então por quê? O que eu te fiz, droga?

Marina Andrade:

*Ahn?

*Como assim?

Emilia Forstensi:

*Eu sei que você contou pro Tristan, tá? Não precisa mentir.

Marina Andrade:

*Emilia, eu não contei nada! Eu posso ter comentado com a Carla ontem, mas eu não contei nada!

Emilia Forstensi:

*Sério?

Marina Andrade:

*Sim.

*De onde você tirou isso?

Emilia Forstensi:

*A Carla me disse que o Tristan tinha dito pra ela que você tinha contado pra ele. Argh, que confusão!

Marina Andrade:

*É mesmo!

*Olha, eu não disse nada, sério!

Emilia Forstensi:

*Não sei por que, mas acredito em você.

*E se... Será que a própria Carla contou? Por que, bem, ela tinha me dito pra não dizer nada sobre isso pra vocês!

Marina Andrade:

*Será?

Emilia Forstensi:

*Mas mesmo assim, que motivos ela teria?

*Ai, eu to confusa!

Marina Andrade:

*Quer que eu fale com ela amanhã?

Emilia Forstensi:

*Não, melhor: vamos falar juntas com ela, para ela não contar versões diferentes, ok?

Marina Andrade:

*Ok.

Emilia Forstensi:

*E Mari...

*Olha, eu juro que eu NUNCA faria nada pra separar você e o Tristan, tá? Eu acho que não ficaria com ele nem se ele me pedisse, de tanto medo que tenho de estragar nossa amizade. Então por favor, não me odeie por gostar dele, ta?

Marina Andrade:

*Claro que não vou!

*E eu nunca faria algo pra acabar com você ou algo do tipo!

Emilia Forstensi:

*Ótimo =)

Então, uma janelinha azul subiu na tela do meu computador. Tristan. Não, a última coisa que eu queria agora era falar com ele. Iria me perguntar por que eu não fui à aula, iríamos conversar sobre eu gostar dele... Era demais pra mim. Mas era tarde demais.

Tristan Reed:

*Oi!

*Por que não foi hoje?

Precisava de uma desculpa. Então, o diálogo do dia anterior me veio à mente.

Emilia Forstensi:

*Por que eu tava brava com você.

Tristan Reed:

*Meu Deus, só por isso?

*O que eu fiz?

Emilia Forstensi:

*Mentiu pra mim!

Tristan Reed:

*Quando?

*O quê?

Emilia Forstensi:

*Eu te pedi pra vir confirmar comigo qualquer coisa que te dissessem sobre mim e eu sei que te disseram uma coisa e você não cumpriu a promessa, por quê?

Tristan Reed:

*Ah, isso.

*Não achei relevante.

Eu estava, sinceramente, prestes a explodir de raiva.

Emilia Forstensi:

*Ok.

*Mas me diga uma coisa: quem foi que te disse?

Tristan Reed:

*Não posso dizer. Não sem falar com a pessoa antes.

Emilia Forstensi:

*Argh, que raiva de você!

Alguns minutos se passaram em silêncio.

Tristan Reed:

*Pergunta de praxe: o que você acha de mim?

Emilia Forstensi:

*Eu sei por que você ta perguntando isso, Tristan.

Então, havia chegado o momento. O momento que eu havia adiado há um mês e pouco. Comecei a digitar tudo, simplesmente tudo que eu tinha para falar para Tristan. Creio que eu tenha demorado muito.

Tristan Reed:

*...

*Ok, então, próxima pergunta...

Emilia Forstensi:

*Tristan, não.

*Olha, eu não vou responder isso enquanto você não me contar quem te falou sobre mim hoje.

Tristan Reed:

*Faz diferença?

Emilia Forstensi:

*Faz, por que uma de duas pessoas está mentindo pra mim e eu preciso saber qual é.

*Você vai me contar?

Tristan Reed:

*Só com a autorização da pessoa, desculpa.

Emilia Forstensi:

*Tudo bem. Beijos

E fechei o notebook, irritada.

Meu pai teve que gritar comigo para que eu levantasse na manhã de quarta. Eu estava um caco.

Assim que cheguei à escola, fui falar com Marina.

– Vamos falar com a Carla? – perguntei.

– Eu já falei com ela. – ela respondeu.

– Ah, já? – tentei disfarçar a raiva por ela não ter me esperado. Tínhamos combinado ir juntas, não? - E aí?

– Bom, ela disse que não contou nada pra ele. Disse que perguntou “você sabe da Emilia?” e ele perguntou “Que ela gosta de mim? Sei.” Mas também não fui eu. Então deve ter sido outra pessoa.

– Tudo bem, Marina, eu não ligo mais para quem foi.

Era mentira. Claro que eu ligava! Mas eu acreditava que uma hora ou outra o próprio Tristan iria me contar. E uma hora ou outra teríamos que conversar sobre eu gostar dele.

– O que aconteceu? – perguntou Thaís, interrompendo nossa conversa e meus pensamentos. Eu provavelmente estava falando muito alto e ela tinha me ouvido do outro lado da sala. Contei toda a história pra ela e depois, contei as novidades para Bel que havia chegado no meio da conversa.

– Bom, acho que vou ter que contar tudo pro Tristan. – eu disse.

– E como você tá com a Carla? – perguntou Thaís.

– Sinto que não posso confiar mais nela. Bom, na verdade, sinto que não posso confiar em ninguém além de você, da Bel, do Yuji e do Tristan.

O sinal tocou. Era educação física. Deixamos nossas mochilas em nossas carteiras e descemos para a quadra.

Então, Leah me chamou.

– Eu não quero conversar, ok? – cortei logo de cara.

– Emily, pelo menos ouça o que eu tenho a dizer.

Respirei fundo. Não queria ouvir mais nada.

– Você tem dois minutos.

– Ok, não espero que você me desculpe nem nada, tá? Eu errei feio em ter perguntado aquilo ao Tristan, etc. Prometo que nunca mais me intrometo na vida amorosa das pessoas, ok?

– Ok.

– E aí?

– Vou pensar hoje e amanhã decido se te perdôo.

– Ok.

Ela se afastou e eu me juntei a Thaís e Bel. Beisebol. Pelo menos eu poderia descontar minha raiva em alguma coisa.

Era quarta-feira e eu geralmente vou embora cedo de quartas-feiras, mas naquele dia, decidi esperar que Tristan saísse para poder conversar com ele. Estava tão ansiosa que nem havia almoçado. Eu costumo perder a fome quando estou nervosa.

Eu estava sentada no térreo quando Tristan e sua amiga Bia – a loira que jogou vôlei com a gente e que depois descobri ser irmã da Brenda, da minha sala - desceram.

– Oi – murmurei.

– Oi – ele se abaixou e deu um beijo na minha bochecha. Bia acenou para mim e continuou seu caminho para a saída.

Tristan se sentou ao meu lado.

– Tudo bem?

– Acho que sim. – menti.

– Não tá tudo bem, Emi.

– É, eu sei, desculpa. Quando você vai me contar o que eu te pedi?

– Em breve.

Ele me ofereceu um fone e eu aceitei. “What If” do Coldplay. Deitei minha cabeça no ombro dele. Era um dos poucos lugares do mundo onde eu me sentia segura.

– O que tá acontecendo com você, Emilia?

– Eu não vou falar enquanto você não me contar a verdade.

Ele olhou em volta, como se checando se não havia ninguém conhecido por perto.

– Ok, agora eu posso contar. – diante daquela afirmação, eu me endireitei para poder olhá-lo nos olhos, mas Tristan estava olhando para longe, então abaixei os olhos – A Marina não me contou nada. Ela só comentou “Nossa, a Emilia tá tão estranha, será que ela gosta de você?” e eu nem liguei muito. Mas quando a Carla perguntou se eu sabia sobre você, eu liguei as coisas.

– Hum.

Era... Interessante saber de tudo. As pessoas nunca me contam nada. E no fim, nenhuma das duas havia mentido totalmente.

– Emilia, tá tudo bem entre a gente, sério.

– Eu sei...

– O que ainda tá te incomodando?

– Eu... Preciso te contar tudo.

– Er... Tá bom.

Respirei fundo. Não tinha mais nada a perder.

– Tristan... Eu sei que você já sabe, mas eu tô a fim de você. E o único motivo para eu não ter contado esse tempo todos, foi meu medo de te perder. Eu não quero que você pare de agir do jeito que age, que mude comigo, ok? Eu tenho muito medo, Tristan. E quando soube que haviam contado, entrei em desespero! Tipo, eu ia te contar, mas não desse jeito! Eu também quero que você saiba que nada, absolutamente nada do que eu fiz nos últimos meses foi com qualquer segunda intenção. – olhei para ele – Então?

Tristan sorriu.

– Você é realmente boba, não? – olhei curiosa – Você sinceramente acha que eu iria me afastar de você por algo assim?

Agora eu sorri. O sorriso mais sincero que havia dado desde que as aulas haviam voltado.

– Bom, eu preciso ir. Foi ótimo tirar esse peso das costas! – fiquei em pé e ele também.

Tristan me abraçou, abracei-o de volta e ele sussurrou em meu ouvido:

– Eu te amo, Emilia.

– Também. – resmunguei. Não por que tinha alguma dúvida, mas por que ninguém nunca havia dito na minha frente que me amava. Nem mesmo minhas amigas que mandavam recados no Facebook com “eu te amo muito!” haviam dito isso. Era algo novo pra mim.

Soltei-o, dei um sorriso e fui embora.


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