Hunter escrita por Jiinga


Capítulo 3
Caçadora




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Fui embora pra casa sozinha, sem querer pensar em tudo que havia acontecido, mesmo sabendo que era impossível.

Subi os degraus, direto pro meu quarto, tomei um banho e afundei na minha cama macia. Tudo o que eu queria era dormir e quando acordasse, perceber que havia sido tudo um pesadelo. Ou dormir e acordar num outro universo. Ou dormir e não acordar. Ou...

Droga, a campainha. Meu pai devia ter esquecido a chave de novo.

Levantei com preguiça e fui até a porta. Nem me preocupei em colocar alguma coisa por cima do meu pijama curto.

Abri a porta. Não era meu pai que estava lá.

– Tristan? - espantei-me ao vê-lo parado ali, ainda de uniforme. – O que você tá fazendo aqui?

– Eu vim pedir desculpas. – ele olhou para dentro, por cima do meu ombro - Posso entrar?

– Não. – respondi com firmeza.

– Por que não?

– Por que... Eu tô vestindo um pijama indecente. – tentei parecer séria.

– Ah, vai logo, eu não me importo.

– Tristan, acredite, você não vai querer entrar aqui – apoiei a mão no batente, bloqueando a entrada dele.

– O que você quer tanto esconder aí?

– É complicado...

– Você pode confiar em mim, Emi!

– Não. Não depois que você me enganou!

– Eu posso explicar tudo se você me deixar entrar.

Olhei nos olhos escuros e ao mesmo tempo brilhantes de Tristan. Ele estava mesmo arrependido e dizia a verdade. Então, pela primeira vez na minha vida, afastei-me e deixei que alguém – Tristan - entrasse na minha casa.

Ele observou tudo com olhos curiosos e um sorriso satisfeito.

– Vai me contar o que é tudo isso?

– Não tô a fim de explicar. Você começa se desculpando.

Ele sorriu, encostou a porta e sentou-se no meu sofá. Bateu a mão no sofá para que eu me sentasse ao lado dele. Aceitei.

– Bom... Como começar? Eu errei. Sei que errei. Muito feio.

– Por favor, não diga nada que eu já saiba.

– Ok. Suponho que você já saiba que eu e a Marina não estávamos mais juntos.

– Não, não sabia. Sério?

– É. Ela começou a gostar de outro cara e nós nos afastamos. Então ela me procurou semana passada e pediu que eu a ajudasse a juntar o Rique com a Vitória.

– E você aceitou.

– Não. Não no começo. Eu disse que não ia dar uma de cupido dos dois. Mas no dia seguinte, o Rique me contou o quanto gostava da Vitória e eu não pude recusar o pedido da Marina. Achei que se eu fizesse o que ela queria, voltaríamos a namorar. Mas...

– Mas o que?

– Logo depois da aula de teatro, eu a vi beijando o tal cara.

– Uau.

Ele parecia triste. Não só isso. Magoado, traído. De repente, olhou para mim com um semblante mais feliz.

– Mas e você, como está com a história?

– Mal. Muito mal. Queria que alguém arrancasse meu coração para ele parar de doer.

– Ai, não fica assim! – ele me abraçou e fui inundada pelo cheiro de perfume masculino.

– Eu realmente achei que dessa vez ia dar certo – as lágrimas começaram a escorrer.

– Talvez ele não fosse o cara certo pra você.

– É, talvez. – enxuguei os olhos.

Houve um minuto de silêncio.

– Você quer saber o que eu tanto escondo aqui né? – perguntei finalmente.

– Quero. Mas não vou te obrigar a falar se não quiser.

Respirei fundo. Um dia eu teria que contar tudo a alguém. E esse dia havia chegado. Afastei-me dele e tomei minha expressão de seriedade.

– Eu sou uma caçadora. – ele ergueu uma sobrancelha, esperando que eu contasse a verdade – É sério.

– Emilia, se espera que eu vá acreditar...

– É sério. – olhei direto nos olhos dele.

– Você... Não tá mentindo.

– Não.

– Ok... O que você caça?

– Espectros.

– Que seriam...?

– Os espectros são as criaturas mais fortes, rápidas e temíveis que existem. Eles podem matar você com apenas um toque, um olhar, depende do espectro.

– Conta mais. – ele se sentou numa posição mais confortável.

– Bom... Eles tem um ponto fraco. – comecei a me entusiasmar - É uma água especial aí. Não sei o que é exatamente. Eu não faço perguntas, só recebo a arma com a água do meu pai e atiro.

– Seu pai também é caçador?

– Sim. Todos na minha família são. Bom, voltando. Eles ficam mais fortes na lua cheia, às vezes até incontroláveis, e mais fracos no frio intenso, que embaça a visão deles e os leva a se guiarem pelo olfato.

– Entendi... – ele parecia distante.

– Relaxa, vai demorar um tempo pra você processar a informação.

Ouvimos um barulho e logo a porta se abriu.

– Oi Emi, oi... – começou meu pai, entrando na sala.

– Pai, esse é o Tristan. Tristan, esse é o meu pai, Carlos.

– Prazer, Carlos.– Tristan acenou para meu pai.

– Hum. Tá. Ahn... Filha, nós temos que... Comprar comida. – mentiu meu pai.

– Vamos caçar. Pode dizer, eu contei tudo a ele.

– Ah, certo... Fique pronta em cinco minutos. – ele subiu as escadas, parecendo confuso.

– Bom, acho melhor eu ir embora. – Tristan foi até a porta e eu o segui – Você vai ficar bem?

Não sabia se ele estava se referindo à caçada ou ao estado emocional.

– Vou, vou sim.

Ele me deu um beijo na bochecha e se virou para ir embora.

– Se cuida, é lua cheia! – exclamei.

– Bom, a tia Ana disse ter visto um espectro por aqui. – disse meu pai. Estávamos abaixados atrás de uma árvore perto do lago do parque do Ibirapuera. O ar estava tão úmido quanto a grama embaixo dos meus pés e o frio do final de junho era congelante. Logo atrás de nós, a lua cheia refletia na água. – Então devemos ser rápidos, afinal é lua cheia.

– É, não queremos que muitas pessoas morram. – apertei a pistola na minha mão.

– Então, aquele cara, Tristan... – ele murmurou, apreensivo.

– O que tem ele?

– Vocês estão...?

– Estamos o que?

– Namo...

– Claro que não! – exclamei, interrompendo-o - Ele é um amigo.

– Ah, ok. Tudo bem. – ele parecia realmente aliviado. Meu pai era meio super-protetor, mas acho compreensível depois de tudo que aconteceu no meu nascimento.

Olhei para o outro lado do lago. Podia ver um pouco do cabelo ruivo da minha tia e a careca do meu avô. De repente, uma figura não identificável passou na minha frente.

– É ele.

Levantei-me para ter visão periférica do lugar. O espectro estava correndo em círculos em volta de mim e do meu pai. Não, ao redor de mim, apenas. Corri na direção do lago e virei para atirar antes que ele me alcançasse.

O espectro soltou um grito e caiu no chão assim que a água o atingiu. Fui para cima dele, com um pé de cada lado de seu corpo e apontei para seu rosto. Ele tinha cabelos totalmente pretos e usava óculos escuros que cobriam quase todo o rosto. Quando apontei a arma direto para o peito dele, o espectro ergueu a mão para mim como se quisesse que eu não atirasse. Ele usava luvas. Luvas de couro pretas. O Rique também usava.

Foi incrível o como um simples acessório mexeu comigo. Em segundos, imagens do Rique, da Vitória, dos dois juntos, da aula de teatro, da Júlia me contando tudo e de Tristan vieram a minha mente. Eu fiquei muito mal.

Antes que eu voltasse à realidade, o espectro me deu uma rasteira e me derrubou no chão. Ele tirou a luva e apontou a mão na minha direção, dessa vez, para me matar. Os pensamentos continuavam a girar pela minha cabeça, eu não conseguia me defender. A mão foi chegando cada vez mais perto.

De repente, minha tia pulou em cima do espectro e os dois rolaram até a beira do lago

O espectro levantou, cambaleando e logo havia desaparecido na escuridão.

– Ana, você tá bem? – perguntou meu vô, correndo na direção dela.

– Tô sim – minha tia ergueu o braço direito, que estava sangrando. – Acho que preciso cuidar disso.

Meu pai estendeu o a mão para mim e me ajudou a levantar.

Fiquei em silêncio enquanto andávamos até em casa. Lá, meu vô e meu pai foram cuidar da minha tia enquanto eu fiquei sentada no sofá, olhando para o nada e lembrando-me das sensações que havia tido.

– O que aconteceu lá? – perguntou meu pai, chegando de repente.

– Nada.

– Emilia, eu nunca vi você hesitar na hora de matar um espectro.

– É sério, não aconteceu nada.

– Não minta pra mim. Primeiro, tem um amigo seu em casa pela primeira vez na história, depois você simplesmente deixa passar uma oportunidade daquelas em plena lua cheia. Tem alguma coisa de errado.

– Pai, não tem nada de errado. Eu errei e o espectro fugiu. Desculpa, isso não vai se repetir.

Nisso, levantei-me friamente e fui para o meu quarto.

Não importava o quão mal e confusa eu estivesse, não importava o quão ruim estivesse minha vida naquele momento, eu sabia que contar ao meu pai não ajudaria em nada. Ele não ligava para minha vida real. Se dependesse dele, eu seria uma caçadora em tempo integral, sem escola, sem amigos, sem mais nada. Talvez ele achasse que era um jeito de me proteger. Então, tudo o que fiz foi tomar um banho, colocar meu pijama e deitar na minha cama macia e confortável.

Depois do dia que eu tive, merecia pelo menos uma boa noite de sono, apesar de saber que o despertador tocaria dali três horas.


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