Hunter escrita por Jiinga


Capítulo 4
"Clocks"




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Acordei sonolenta na manhã de quarta sem me lembrar de nada do dia anterior, mas ao pisar no piso gelado de madeira, as lembranças vieram à tona e meu coração voltou a doer.

Tomei um banho e desci para tomar o café da manhã. Panqueca. Meu pai sempre fazia panquecas depois das caçadas, mas hoje em especial ela tinha um gosto diferente. No mal sentido.

Peguei minhas coisas e fui para a escola, já querendo voltar.

Subi as escadas até o segundo andar e caminhei temerosa até a porta da minha sala. Meus medos se concretizaram: Rique estava na sala, com Vitória sentada em seu colo. Assim que entrei, senti meu coração cair no andar de baixo. Olhei para o outro lado e vi que Thaís estava olhando pra mim, já percebendo o que estava acontecendo. Ela rapidamente levantou-se e me tirou da porta da sala, puxando-me pelo braço.

– Thaís...

– Você tá bem? – perguntou, parando na escada. – É obvio que não, que pergunta a minha! – exclamou, sentando-se e me fazendo sentar também. Às vezes, Thaís agia como minha mãe, talvez pelo fato de ser quase um ano mais velha e bem mais alta que eu.

– É...

– Como aconteceu?

– Eu não sei exatamente... Eles tão ficando... Ou namorando... Sei lá.

– E como você reagiu?

– Eu chorei né! Mas tive que fingir que estava bem, na frente dele.

– É nessas horas que você tem que ser boa atriz.

A frase me acertou com um baque, fazendo meus pelos se arrepiarem.

– Espera, o que você disse?

– Que nessas horas, você tem que ser boa atriz.

– Thaís, eu... Eu sonhei com isso! – exclamei, pasma.

– Ahn?

– Eu... Não lembro direito... Mas na noite de sábado para domingo, eu sonhei que o Rique tinha me dito que estava a fim de alguém e quando eu te contei... Você disse exatamente isso!

Antes que ela pudesse comentar qualquer coisa, o sinal tocou bem em cima de nossas cabeças, fazendo-nos tapar os ouvidos.

– Vamos, não podemos chegar atrasadas de novo na aula de matemática. – disse Thaís, levantando-se.

O resto do dia correu relativamente bem, tirando os sorrisos abobalhados de Vitória e a dor no meu peito. Tentei esquecer o fato de que eu havia previsto exatamente o que Thaís iria me dizer. Minha tia costumava dizer que esse tipo de coisa era normal quando você estava muito ligada com alguém ou com alguma situação.

Então, veio a aula de religião, na sala ao lado da minha. Sim, aula de religião, uma coisa que era normal em colégios católicos, quer você concordasse com isso ou não.

Vínhamos estudando os tipos de amor e a Paixão de Cristo nesse semestre. Primeiro, havíamos escrito uma carta para alguém que amávamos em nossas famílias. Depois, um amigo que amávamos.

– Hoje, quero que vocês escrevam para alguém que vocês amam no sentido de paixão. O amor Eros. – disse meu professor, Roberto. Ele era um jesuíta relativamente obcecado com Paulo, o apóstolo. Era careca e estava tentando deixar crescer a barba.

Congelei. Não que eu não estivesse preparada para essa carta, mas eu pretendia declarar todo meu amor por Rique de um jeito bom, não sofrendo como estava naquele momento.

– Vou deixar algumas músicas tocando enquanto vocês escrevem as cartas – ele foi até o computador.

Encarei o papel em branco à minha frente, engolindo em seco enquanto a caneta na minha mão tremia. De repente, uma música... O começo de uma música no piano, começou a tocar nos auto-falantes do computador. Era absolutamente linda, perfeita... Mais que isso... Era como se eu já houvesse ouvido antes, em algum lugar.

– Qual o nome dessa música? – perguntei para Thaís, ao meu lado.

– “Clocks”, do Coldplay.

“Clocks”... Não, o nome não me lembrava nada, mas a música ainda prendia minha atenção.

Tomei coragem e comecei a escrever, o ritmo dos meus rabiscos seguindo o ritmo da música. Na carta, declarei todo meu amor, toda minha tristeza e toda minha decepção. Contei a história de tudo que havia acontecido. Inevitavelmente, as lágrimas começaram a cair e quando levantei-me para entregar a carta ao meu professor, ele me perguntou:

– Emilia, você tá bem?

– Tô, tô sim... – enxuguei os olhos.

E de repente, ouvi uma voz conhecida, do lado de fora.

– Oi, amor! – era Rique. Ele estava falando com Vitória fora da sala. Como se já não bastasse ter que aturar os dois juntos de manhã e no teatro, ele agora viria visitá-la no recreio? Isso era tortura!

Sentei na minha cadeira e comecei a chorar pra valer. Logo, Bel, Mia e Thaís se reuniram em volta de mim.

– Emi, você não pode ficar assim por um cara! – exclamou Mia.

– Você tem que superar! – disse Thaís – Dê a volta por cima!

– Eu não consigo!

O sinal tocou.

– Gente, eu... Eu não vou conseguir ir lá fora! – murmurei.

– Emilia, você tem que ser forte! – Bel.

– Não dá, eu sou fraca!

– Emilia. – todas nos viramos para a porta. Era Tristan. – Pode ir pra sua sala. O Rique já foi.

Percebi que as três estavam me encarando.

– Ah... Valeu, Tristan.

Ele acenou um tchau e foi embora.

Ótimo, meu escândalo havia sido ouvido do lado de fora.

– Vem, vamos tomar uma água e lavar o rosto antes de voltar pra aula. – ofereceu Bel e eu aceitei.

Depois do almoço, eu, Thaís e Mia filmaríamos o começo do nosso trabalho de filosofia com Yuji.

– “Diga que nunca ficou com ciúmes quando viu o cara que você ama com outra” – Thaís leu no roteiro que eu havia digitado na semana anterior – Baseado em fatos reais?

– Talvez... – resmunguei. Eu ainda não estava totalmente recuperada. – Podemos continuar? – ajoelhei em cima da mesa em que nosso precário tripé feito com uma pilha de caixas de sapato estava e apontei a câmera para ela.

– Claro.

Levamos duas horas e não chegamos nem na metade do vídeo. Tudo por que, por mais triste que eu estivesse, nós quatro não conseguíamos parar de rir. É claro que eles estavam fazendo de propósito para me animar.

– Gente, eu tenho que ir. – anunciou Thaís, lá pelas quatro horas – Podemos terminar o vídeo na sexta?

– Ok. – concordou Mia.

– Pode ser. – concordei.

– Eu vou com você. – disse Yuji para Thaís.

– Ok. Tchau, gente!

Assim que os dois saíram da sala, Mia perguntou:

– E aí, o quer fazer?

– Me matar, serve?

– Afe, para com isso, Emi! Vem, vamos jogar vôlei.

Fui. Contra minha vontade, mas fui.

Estávamos jogando, quando Tristan e Carla apareceram com uma garota loira que parecia demais com a Brenda da minha sala. Devia ser irmã dela.

– Ei! O que vocês ainda tão fazendo aqui? – perguntei.

– Eu tenho aula até mais tarde de quarta. – respondeu ele – E vocês?

– Trabalho de filosofia. – respondeu Mia.

– Podemos jogar? – perguntou Carla.

– Claro! – respondeu Mia.

Tristan sentou-se na arquibancada e me convidou para sentar com ele.

– Podem jogar, eu vou parar um pouco. – disse para as três, aceitando o convite. Ele me ofereceu um dos fones de seu Ipod e eu coloquei.

– Tá melhor?

– Acho que sim.

– Tá mesmo?

– Bom, eu ainda sinto a dor aqui... – massageei o ponto onde devia ficar meu coração - Mas eu sei que vai passar, entende?

– Aham. Bom, vamos ouvir... Vamos ouvir Coldplay.

– Ah! Você tem uma musica...? Eu não lembro o nome! Tocou na minha aula de religião hoje. “Clouds” ou algo assim...

– “Clocks”?

– Isso! Essa mesmo!

– Tenho sim. – ele apertou play e o piano começou a ser tocado no fone.

– Gente, nós já voltamos, ok? – avisou Carla e as duas saíram.

– E como você e a Marina estão? – perguntei.

– Não sei... Acho que vou ter que dar um jeito de esquecê-la – Tristan deitou a cabeça no meu ombro. Aquilo foi muito estranho... Nenhum garoto já tinha deitado no meu ombro. A não ser que... Essa não. Será que o Tristan estava a fim de mim? Não, isso era impossível, ele era louco pela Marina. Além do mais, com tantas garotas na escola, por que seria logo eu? Ainda assim, a idéia de que um garoto pudesse estar a fim de mim era reconfortante.


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