Silver Snow ESPECIAL DE NATAL DO TAP escrita por Matheus Henrique Martins
Decidi voltar a pé do Pizza Hut até a minha casa. Não só para queimar as calorias do queijo vagabundo, mas também porque eu não suportaria entrar no mesmo carro que Taffara e Henrique de novo. Não só pelo fato de eles ficarem estranhos por causa do casal Johnson, mas porque eu não ia suportar vê-los se beijando.
Andando na calçada, tento dizer a mim mesmo que não é por causa de Henrique e sim por qualquer outro motivo. Eu não gosto do Henrique. Ao menos, não posso gostar, posso?
Escuto um som estranho vindo de algum lugar da rua e me viro. O sol esta no fim no horizonte, mas sua luz ainda consegue iluminar tudo.
Vejo alguém se agachar perto de uma arvore. Ele tem cabelo escuro e olhos mais escuros ainda. Parece ofegar alto e, quando me nota, franze o cenho para mim.
– O que esta olhando, pateta?
Franzo o cenho de volta.
– Não sou pateta – sibilo. – Você esta legal? Parece estar fugindo de algo.
– Eu estou – seu tom é irônico e ele olha por sobre o ombro. – Literalmente.
Hesito um pouco.
– Você não é um foragido da policia, é?
Ele se vira e me lança um olhar de desdém.
– Sou. Pode, por favor, chamar a policia? Estou louco para vestir um uniforme laranja e comer comida ruim para sempre – seu tom é carregado de ironia.
– Como sabe que a comida de lá é ruim?
Ele revira os olhos para mim e se levanta. Me olha por um momento e franze os lábios, parecendo decidir o que fazer. Encaro-o de volta, de jeito interrogativo e ele passa a mão no queixo, apreensivo.
– Você mora perto? – ele questiona.
Vou um pouco para trás.
– Talvez – aperto os olhos, desconfiado.
Ele suspira.
– Não fique preocupado, não vou te assaltar, Caubói – ele olha por sobre o ombro de novo. – Só queria que me fizesse um favor, se não for pedir muito.
Dou de ombros.
– Envolve vestir um gorro e entregar presentes pela chaminé? – questiono.
– Hahahaha – ele ri sem nenhum humor.
– Na verdade, é ho-ho.
Ele me ignora e começa a tirar a jaqueta preta. Arregalo os olhos enquanto ele vai tirando a camiseta, também, preta, abruptamente.
– Por que diabos esta tirando a roupa? – exclamo, não me contendo em avaliar seu abdome.
Ele me olha de volta.
– Porque você vai tirar também.
– Quê? – guincho.
– Tem como parar de gritar? – ele pede. – E não é nada disso que você esta pensando. Preciso das suas roupas para despistar alguém.
Interrogo-o com o olhar.
– Então você é mesmo foragido?
– Tira logo essa roupa! – ele exige.
Suspiro, pensando que vou me arrepender disso, mas então tiro minha camiseta, timidamente. Depois mais rapidamente a calça, arrancando o resto dela com as pernas.
Enquanto ele me passa as roupas dele, me avalia com o olhar.
– Magricela – ele murmura.
Eu ergo o olhar.
– Vai falar que fazer academia é saudável? – aponto para o seu abdome lindo. – Esse corte no baço faz parte do processo?
Ele olha a ferida e depois para mim.
– Não consegui isso na academia – ele começa a pegar minhas roupas.
– Conseguiu aonde então?
Ele não responde e termina de se arrumar.
– Muito obrigado, caubói – ele alisa a camiseta que fica apertada. – Comer faz bem, sabia?
Reviro os olhos e pego sua jaqueta preta. Ele tira da minha mão com uma velocidade sinistra.
– Minha jaqueta não – ele franze o cenho e se afasta.
– Ei – grito quando ele vira as costas. – Não vai me dizer seu nome?
Ele me olha de jeito interrogativo.
– Como se eu fosse te ver de novo, Caubói – ele solta essa e se vai, correndo com minha calça skinny.
Confuso e arrebatado, olho as roupas legais do estranho obcecado pela própria jaqueta e penso que seu gosto para roupas não é tão ruim.
E com isso volto a andar para casa.
* * *
Chego à rua da minha casa e estou prestes a correr feito louco para a porta. Porém, uma silhueta sentada no meu jardim me surpreende.
– Vick? – ando até ela sobre a grama. – Você esta bem? – ela esta chorando e abraçando a si mesma no chão.
– Não – ela funga, os olhos avermelhados. – Não estou nada bem.
Afago seu rosto e limpo uma lágrima que avançava o caminho até o queixo.
– Conta o que foi – peço, solidário. – Eu posso ajudar.
Ela ri sem nenhum humor.
– Só se você aceitar em seduzir meu pai!
Franzo o cenho.
– Hein?
– Ah, graças a Deus!
Lucas se junta a nós, o celular nas mãos.
– Eu recebi sua mensagem – Lucas fala com Vick e senta ao seu lado. – Sinto muito.
– Sinto muito pelo que? – questiono e olho Vick. – O que aconteceu?
– O pai dela arranjou uma namorada – Lucas desabafa.
Dou de ombros.
– E o que isso tem de mais?
Vick para de chorar e me encara.
– O que tem de mais?! – ela repete.
Franzo o cenho e Lucas se levanta. Sigo-o com o olhar e ele acena para eu segui-lo.
– Então – cruzo os braços para ele. – O que esta acontecendo?
Ele abre a boca para me responder, mas então me avalia.
– Que roupas são essas?
Olho para elas e tento parecer o mais natural possível.
– São do Rael – desabafo. – Continue, por favor.
– O pai dela arrumou uma namorada.
– Isso eu ouvi, só não entendi o que tem demais nisso.
Lucas toma folego, como faz sempre que quer contar algo forte. Me preparo para o pior.
– Acontece que era um namoro recente, sabe. Ele conheceu ela a uns dois meses no...
– Lucas, vai direto ao ponto.
– Tudo bem. Acontece que ela engravidou.
Sinto meus olhos se arregalarem.
– E Vick não ficou sabendo da boca de um dos dois, apenas ouviu a conversa, o que é pior.
– Meu Deus – respiro fundo. – Espera, e isso é tão ruim?
– Não, o bebê é uma maravilha, ela esta muito feliz – ele sorri um pouco. – Mas a madrasta é uma total vadia, se é que me entende.
– Ih, rapaz – faço uma careta. – Me deixa adivinhar, trai o pai dela?
– Quem dera fosse isso. Ela é uma vadia com a Vick. Gosta de ficar soltando comentários venenosos pra ela e fica fazendo a cabeça do pai sempre que tem uma oportunidade.
– Que vaca – arfo.
– Pois é. Vick esta feliz por ganhar um irmãozinho novo. Porém, isso significa que a madrasta esta ligada ao pai e ela – Lucas faz um drama antes de continuar. – Pelo resto da vida.
Levo minha mão à boca, imaginando o horror que Vick deve estar passando com toda a certeza.
– Coitada da Vick – passo a mão no rosto. – Nem consigo imaginar pelo que ela esta passando.
– Nem eu – Lucas assenti.
– Pelo menos ela tem a nós pra passar por isso tudo – desabafo.
– Tem mesmo – ele assenti. – Tem a mim, com toda certeza.
Algo na frase intensa dele me deixa confuso e olho seu rosto. Ele tem um olhar estranho e abobado.
– Só não sei se ter a mim é o suficiente para ela – ele continua.
E então os fios na minha cabeça se ligam abruptamente. A expressão sincera de que sente muito por ela. O fato de saber toda a história de Vick e a madrasta antes de mim. Como fica tímido quando ela o elogia. Quatro letras.
Tudo se encaixa.
– Vick – sussurro.
Lucas me olha surpreso.
– O que tem ela?
Eu o fito com o olhar.
– Vick – eu digo de novo, segurando ele pelo ombro.
Ele faz careta para mim.
– O que tem ela, Rafa?
– Quatro letras – ergo minha mão como gesto. – Vick.
Ele enrubesce e abaixa minhas mãos. Depois olha por sobre o ombro.
– É a Vick – sussurro para ele. – Ela é a garota que esta fazendo você se sentir indeciso pela Rita, não é?
Seus olhos estão arregalados e ele não parece saber o que dizer.
– Confessa – eu aponto o dedo na cara dele. – É a Vick, pode dizer.
– Tudo bem – ele confessa, suspira e me olha nos olhos. – É a Vick. Sempre foi.
– Sempre foi? – questiono. – Desde quando?
– Desde a sexta série – ele responde como se estivesse orando. – E tem sido desde então.
– Desde a sexta série você vem guardando isso em segredo?
– Sim.
– Por quê?
Ele me olha de um jeito sério.
– Porque eu não apenas gosto dela. Eu a amo.
Fico embasbacado.
– E como eu amo a Vick – seu sussurro é de aço. – Fica mais difícil ainda.
– O que fica difícil?
– A rejeição – ele me olha de modo murcho. – Eu não quero ser rejeitado. Não quero que ela me odeie. Não quero perder a amizade dela.
Balanço a cabeça.
– Mas Lucas, se você tem sentimentos tão fortes, isso não é amizade, é amor.
Seus olhos brilham.
– Eu sei, Rafa – ele toca meu braço. – Eu sei disso.
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