End of the World escrita por Agatha, Amélia


Capítulo 14
Capítulo 14


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Como sempre, chegamos com atraso, mas nós estamos nos esforçando. Temos provas importantes no final do ano, então estamos nos dedicando aos estudos. Assim que isso passar, poderemos postar com mais frequência.
Esse é um capítulo muito importante para a história, pois fecha o primeiro arco. A partir daqui, as coisas vão mudar muito, principalmente no 15, que será "dividido em quatro partes".
Vocês viram a capa mais que perfeita feita pela Steph?? Amamos ela demais, esperamos que gostem também! Valeu, Tia Stephenie!!
Esperamos que gostem!
Boa leitura!
PS: Alguém aí viu o spoiler que deixamos no Tumblr?



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Kate estava preocupada, e ela odiava se sentir assim. Que a angustia não fazia bem ela, já sabia disso havia muito tempo: foram dois anos de apocalipse e os anos anteriores a ele, quando Katherine tinha ficado preocupada com uma possível recuperação em álgebra diversas vezes. Era um sentimento muito desagradável. Harris poderia descrevê-lo como mãos frias que corriam por seu pescoço lentamente, até que o envolviam para que o ar não conseguisse chegar aos pulmões e aos poucos matá-la. Era assim que a jovem se sentia. Ardia, sufocava, e Kate não gostava nem um pouco de deixar sua mente fluir através das árvores e chegar onde Josh, Matt e Max estavam, pois se preocuparia ainda mais com eles. Está tudo bem, eles fazem isso o tempo todo, sempre demoram...

A demora parecia maior desta vez, e ela preferiu ignorá-la. Deveria se concentrar em coisas mais alegres, que eram o que valia a pena em estar vivendo nesse mundo. Caso contrário, porque continuava sobrevivendo depois de tudo? Katherine gostava de guardar os pequenos momentos e extrair as maiores alegrias que eles proporcionavam, assim ela conseguia superar qualquer coisa, pois eles valiam a pena. Qualquer tristeza era superada pela felicidade. Era ter um tio como Matthew que a fazia seguir em frente, mesmo com a falta que sentia de duas pessoas que ela sequer conhecia; era o jeito carinhoso de Matt que superava seu lado ranzinza; os momentos a sós com Maximilian a faziam relevar as brigas constantes que ele tinha com o Harris mais velho; era o caráter divertido de Josh que acabava com o tédio do apocalipse; e era animação de Avery que ofuscava sua infantilidade.

Ainda não tinha uma opinião formada sobre Gabriela, era a primeira vez que conversava com a mulher. E era por isso que Kate dava uma chance à estranha, tentando conhecê-la melhor através daquele diálogo. Hopper realmente estava se esforçando para interagir, apesar de parecer um pouco desconfortável sempre que as duas loiras começavam a falar sobre namoros. O que mais incomodava Katherine era o fato de Gabriela ser reservada demais, como se ela não tivesse nada a compartilhar com os outros.

Apesar de tudo, Katherine Christina desfrutava da conversa. Estava bem melhor que a manhã daquele mesmo dia, quando seu tio e seu namorado discutiram novamente. Até Joshua havia interferido, coisa que ele não costumava fazer. Não havia prestado muita atenção por causa do sono, mas era o mesmo de sempre: Max queria fazer algo e Matt não deixava porque era o dono da razão. Era muito infantil da parte dela pensar dessa forma, principalmente ela, que desejava ser vista como adulta, mas era o que parecia. De qualquer forma, a jovem não podia julgar sem saber o que realmente acontecera. Mas era difícil pensar assim quando Matthew a irritava tanto. Ele agia como se a sua palavra fosse lei e suas razões, irrefutáveis. Caso o tio implicasse com alguém, essa pessoa poderia desistir, pois nunca o faria mudar de opinião.

– Então... Sobre o que vamos falar agora? – a garota estava agindo como se estivessem em uma festa do pijama, três adolescentes contando segredos no meio da madrugada. Tudo isso só podia vir de Avery. Às vezes parece que essa loirinha ignora completamente o que está acontecendo... Quem dera se eu fosse capaz de fazer isso. – Kate, você ainda não disse como convenceu seu tio a te deixar fazer a tatuagem. Ele parece ser meio... conservador.

Verdade. Minutos antes, a loira tinha explicado que aqueles pássaros no seu antebraço queriam dizer liberdade, mas não tinha contado a história toda. Para ela, a tatuagem significava muito mais.

– Um dia, eu estava olhando um álbum de fotos dos meus pais. Eu vi a minha mãe e percebi que ela tinha uma tatuagem, igual a essa. Quando eu disse o que queria fazer, acho que Matt só deixou por causa dela... – Katherine comprimiu os lábios e olhou para baixo. Pensar nos mortos nunca fazia bem a ela. Sobretudo naqueles mortos.

– Recapitulando: você tem uma tatuagem no braço, conseguiu convencer seu tio a deixar; Gabriela jamais faria uma na vida; e eu ainda não tenho uma opinião formada sobre isso, talvez porque não tenha mais essa chance. Certo, vocês tinham algum hobby, algo que gostavam de fazer?

– Trabalhar – a mulher mais velha disse com um tom apático. Sempre que era questionava sobre algo, ela se limitava a murmurar uma ou duas palavras, nunca prolongava o assunto.

– Qual é? Você tinha que fazer algo quando não estava trabalhando!

– Eu adorava sair com a minha tia, era muito legal. Mas paramos de fazer isso nos últimos tempos, ela sempre foi muito ocupada – por dentro, Kate riu. Ela só conseguiu imaginar Gabriela acompanhando uma velhinha a um jogo de bingo com outros idosos. Não via como aquilo podia ser legal.

– Eu gostava de sair, às vezes só passava em casa pra dormir mesmo. Também de ver séries de TV, Josh e eu adorávamos fazer maratonas de séries finalizadas.

– Eu praticava violino. Era realmente muito boa, recebi o instrumento com seis anos e comecei a tocar direito desde os sete. Minha mãe dizia que essa era uma das poucas coisas que faziam meu pai sentir orgulho.

– Tenho certeza de que ele tinha muito orgulho de você – Gabriela disse com sorriso, parecia querer acabar com o clima pesado que se instalara na sala. Ave apenas deu um sorriso com os lábios comprimidos, somente para reconhecer o esforço de Hopper.

– Pais só sabem criticar. Matthew sempre diz que eu não levo nada a sério e não penso no futuro – Katherine revirou os olhos.

– Isso não é verdade. Se ele te diz essas coisas, é porque se importa com você. Os pais apontam os erros dos filhos para que eles possam corrigi-los antes que seja tarde demais – um silêncio estranho tomou conta da sala. A mulher, em especial, caiu em profunda reflexão. Não era aquilo que ela havia feito com os pais? Não havia os abandonado pensando ser capaz de se virar sozinha? Se ao menos tivesse prestado atenção em todas as conversas e em todos os conselhos que haviam dado, não estaria sofrendo tanto. Tentando controlar a raiva que sentia de si mesma, apertou os olhos enquanto tentava ignorar os pensamentos sobre o que fizera com os pais.

Ao ouvir aquilo, Kate se sentiu culpada. Entre as três, ela era a mais sortuda. Deveria estar agradecendo pela vida que tivera, não reclamando. Pelo pouco que ouvira de Gabriela, havia entendido que ela amava muito os pais, mas tinha feito algo errado com os eles e os dois já haviam morrido. Avery tivera um passado conturbado com o pai antes de ficar órfã, aparentemente o homem nunca gostara da filha. Mas Katherine tinha um pai. Tivera dois pais... Mas do que adianta ter dois quando um deles está morto? Não podia reclamar do tio, ele havia sido um ótimo pai, mesmo com todas as dificuldades. Matthew era o freio dela, pelo menos era assim que a jovem pensava. Sempre que estava prestes a fazer uma besteira, Harris chegava com seus conselhos para impedir, mesmo que nem sempre fosse escutado.

De qualquer forma, as três eram órfãs e, de certa forma, tinham sua experiência no assunto.

Apesar de tudo, ela ainda pensava no pai. Não que Matt não fosse o suficiente, contudo não dava pra ignorar a existência de Michael Harris. Também havia a mãe, e era disso que sentia mais falta. Enquanto o tio cumprira a função de pai, ninguém havia preenchido o papel de mãe em sua vida. Enquanto Joshua era parecido com o pai, todos diziam que Katherine era o retrato de Alexandra. A loira era vivaz como a mãe, sempre com um sorriso no rosto, convencida e até mesmo inconsequente. Ela só desejava não ter o mesmo fim da mulher... Não que sua personalidade tivesse culminado no acidente, mas costumava ouvir velhos conhecidos dizendo que o casal Harris sempre valorizara mais o momento do que a vida.

Tio Matt falava muito dos dois, sobre como eles eram os parceiros ideais: tiveram os mesmos gostos, as mesmas ideias, os mesmo desejos e, acima de tudo, sempre se apoiaram. E isso acabou sendo a ruína deles, ou pelo menos do mundo ao seu redor. Nunca pensaram em longo prazo, nada importara para eles além do presente. Mas essa era a visão contorcida de Matthew, que havia pago a morte do irmão com a sua juventude.

Joshua pensava diferente. Sempre dizia à irmã como os pais foram pessoas incríveis. Ele se lembrava perfeitamente bem do bando de motoqueiros de seu pai, Freemen, de seus companheiros barbudos, gigantes e divertidos, das noites de acampamento, das viagens loucas e festas fantásticas, coisas que poderiam parecer invenções de uma criança se não tivessem sido confirmadas pelos avós deles. Para Kate, porém, só restaram as histórias dos outros e álbuns de fotos.

– Escutaram isso? – Gabriela disse acordando Harris dos devaneios. De imediato ela não ouviu nada.

– Estou escutando também.

– Meu Deus, é aquele guaxinim nojento de novo! Ele deu um jeito de entrar na cozinha mais uma vez! – Kate exclamou depois de Avery ter confirmado que também escutara algum som. Ela logo supôs que fosse mais uma vez o roedor maligno que atrapalhava seu sono invadindo a casa e fazendo a maior bagunça na cozinha em busca de alimentos. A loira odiava aquele animal. – Vamos espantá-lo da cozinha antes que tio Matt chegue e decida assá-lo para o jantar.

– Não veio da cozinha – a garota retrucou sem dar muita importância, se esforçando para prestar mais atenção.

– Eles devem ter chegado – Katherine concluiu se levantando.

Então ela escutou.

Não poderia ser outra coisa. Era o ruído característico dos mordedores, aqueles sons repugnantes oriundos de suas cordas vocais sem vida. Pela intensidade, deveriam ser muitos, e não muito longe dali. Quando a jovem tentou se aproxima da janela, a mão de Gabriela agarrou seu pulso, impedindo-a de continuar.

As três mulheres se entreolharam, sem saber o que fazer. Todas elas sabiam o que aquilo significava, e também sabiam o que estava por vir. Então Harris se lembrou do plano de fuga, aquele que Matthew a obrigara a decorar.

– Eu sei o que fazer, nós temos que...

– Kate, não podemos sair da casa, é suicídio – Gabriela a interrompeu, prevendo o que ela estava prestes a dizer.

– Não, eu não estava pensando nisso. Meu tio me ensinou um plano de fuga, caso eu ficasse sozinha em casa e houvesse um ataque. Tem um sótão aqui, os errantes nunca conseguiriam entrar lá. Nós temos que subir, rápido – estava muito mal explicado, mas ela esperava que as duas concordassem, porque não tinham muito tempo. Hopper e Dickens deveriam ter consentido, porque logo começaram a subir as escadas para o andar de cima.

– Eu tenho que buscar a arma – dizendo isso, Avery entrou no quarto de Matthew e abriu a primeira gaveta da escrivaninha, onde se encontrava a pistola. Então sempre esteve aí...

Mesmo sendo alta, Katherine precisou ficar nas pontas dos pés para alcançar a cordinha que abria a escotilha presente no teto. Gabriela observou incrédula a descida da escada de madeira: ela estivera naquela casa por dias sem ter notado em momento algum a presença de um sótão. Harris foi a primeira a subir pelas escadas, ato que foi repetido pelas outras antes do fechamento da escotilha.

Era um local pequeno, muito pequeno, em formato triangular e de paredes estreitas. O sótão parecia ser todo de madeira, e tinha dois longos bancos, também de madeira, que se estendiam pela lateral, limitando ainda mais o espaço. Além da sensação claustrofóbica que trazia, o cômodo parecia ter mais poeira que oxigênio, tornando-o extremamente desagradável. Katherine Christina detestava aquele lugar, não por todas essas características, mas pelo fato de ser forçada a dobrar a coluna para não bater a cabeça no teto.

Caminhando até o fundo do sótão, ela encontrou o bilhete que Matt deixara para ela em caso de ataque. Nunca havia se interessado pela lista, mas de repente aquilo começou a parecer importante. O que estava ali dentro poderia significar vida ou morte. Praguejando, a loira se sentou ao lado de Avery.

– Você só pegou a pistola? – Gabriela questionou parecendo inquieta.

– Não, eu tive tempo de pegar uma faca de serra que ficava na gaveta. Foi a primeira coisa que eu vi na minha frente – Avery respondeu tirando o objeto cortante do bolso.

– Onde está o meu machado?

– Não está aqui.

– Está lá embaixo?

– Não... – dessa vez, Kate interveio na conversa.

– Onde está o meu machado? – a mulher repetiu a pergunta, dessa vez de maneira mais pausada.

– Eles levaram para caçar – Harris respondeu de uma vez, querendo acabar com o assunto.

– Eles levaram o meu machado e não pediram a minha permissão? Ele me pertence! – Gabriela cruzou os braços ao redor do corpo, abraçando-se. Ela se sentia vulnerável sem a arma, e era provável que nunca mais a visse.

– Mantenha a calma. É o primeiro item da lista – a loira mostrou o pedaço de papel escrito a caneta com a letra de seu tio. – Confira a mochila com itens básicos de sobrevivência. Olhe através da janela para ter noção das horas e do tamanho da horda, isso pode ajudar a arquitetar um plano. Pense nas possibilidades. Prepare as armas disponíveis. Espere a nossa volta e, se demorarmos de mais, você terá que se virar sozinha. Boa sorte!

– Ótimo, a lista nos manda esperar. Vamos fazer isso.

Ele não podia perder a calma, tudo iria pelos ares se ele a perdesse. Matthew respirou fundo e aguardou, esperando que isso fizesse com que seu coração desacelerasse e as mãos parassem de soar. Não deu muito certo, e mesmo assim o homem estava determinado a se tranquilizar, pois só assim poderia organizar o plano. Não precisava propriamente criar um novo, pois desde que se mudara para aquela casa de campo já possuía um plano de fuga, só precisaria adequá-lo à situação. Isso não será nada fácil.

Seus instintos de sobrevivência, que estavam tão aflorados quanto os de um animal, diziam que o melhor a se fazer no momento era correr na direção oposta dos caminhantes, utilizando armas brancas para deter alguns ocasionalmente. Nada de armas de fogo, não deveriam chamar mais atenção. Porém esse nunca seria o plano. Por mais difícil que a situação estivesse, Matthew nunca deixaria ninguém para trás, muito menos sua sobrinha.

– Qual é o plano? – Josh perguntou de maneira incerta, talvez estivesse passando pelo mesmo conflito interno que ele. Era uma missão suicida.

– Vamos voltar para casa e tirá-las de lá.

Max não opinou, e ele se sentiu grato por isso. Tudo o que mais queria era dar um soco no rosto do moleque para descontar a raiva que alimentara durante todo esse tempo, mas não ia adiantar de nada. Embora o jovem não estivesse em condições de tomar grandes decisões, esperava que matar fosse uma tarefa mais fácil para ele, pois odiaria ter que contar à sua sobrinha o que acontecera com seu namoradinho. Olhou para o machado que Wayne carregava. Além dele possuíam mais três armas: uma faca longa e afiada de cozinha que Joshua carregava por para cortar o cervo, o fuzil de precisão – que não adiantaria muito - e a faca tortuosa que Max insistia em chamar de adaga.

A coisa mais óbvia a se fazer era voltar para casa, já que nem ele nem Josh abririam mão de Kate e das outras duas mulheres. Sendo assim, voltariam sem chamar muita atenção, contornando os maiores aglomerados. Talvez fosse melhor dar a volta na moradia e chegar pelos fundos, já que os errantes iam à direção da entra principal da residência, contudo essa manobra custaria tempo, e quanto antes saíssem da casa, melhor. Já havia passado muito do meio-dia pela posição do Sol, e Matt não estava disposto a sair de lá apenas com a iluminação fraca da Lua.

– Tentem não chamar atenção. Vocês vão direito para casa, pegam o que for realmente necessário e ajudam-nas a sair da casa.

– E você? – Josh questionou.

– Vou pegar o carro e tentar dispersar a horda com o barulho do carro. Depois...

– Por que você fica com a parte mais fácil, coroa? Por que não o Josh dirigindo? Por que não eu?

– Olha, Max, não estamos aqui para discutir a sua aptidão a dirigir – o que você não tem no momento... – Já que você insiste em saber o motivo, é porque eu sou o líder. Não me importo se você gosta disso ou não. E, sim, eu sou mais velho, tenho trinta e sete anos. É por isso que eu acredito que dois jovens são muito mais aptos a enfrentar mortos-vivos que o coroa aqui. Não sou o melhor sobrevivente do grupo, e por mais que isso seja difícil, tenho que confiar a vida daquelas mulheres e, principalmente, a vida da minha sobrinha a vocês. Não vamos perder mais tempo.

– Onde nos encontramos? – o sobrinho indagou tocando o seu braço, como se quisesse acalmá-lo.

– Eu quero levar essa manada para leste antes de buscar vocês. Leve-as para a estrada de terra, eu estarei esperando lá.

– Nos vemos do outro lado.

O professor sorriu para ele e começou a se mover na direção da casa. Wayne foi o primeiro a segui-lo, e Matthew foi logo atrás. Não se sentia nada seguro dando-lhe a tarefa de proteger sua Katherine, mas o fato de Joshua estar lá melhorava um pouco as coisas. Eles correram rapidamente, se aproximando cada vez mais dos mordedores. Caso demorassem muito, a horda se colocaria exatamente entre eles e a casa, o que não facilitava muito as coisas.

Matthew não percebeu quando se separou dos outros, contudo, quando olhou para o lado, Max e Joshua já estavam muito à frente. Conseguiu avistar o carro parado ao lado da casa, exatamente onde deixara. Era um veículo popular prata de cinco bancos. Tenho cinco bancos e seis pessoas. Não vou levar uma multa por excesso de passageiros. Não teve muito tempo para pensar nisso, porque logo os mortos obstruíram sua visão. A faca já estava em sua mão, e o homem sabia o que fazer.

Matá-los havia se tornado uma tarefa habitual, porque aquele ato significava a sua sobrevivência e a de seus sobrinhos. Com o tempo, se tornara algo maquinal, feito sem reflexão alguma. Se era assim naquele momento, no começo não fora. Depois de abater seu primeiro, Matthew tinha se sentido realmente mal, pois era um homem cheio de princípios. Havia demorado certo tempo para se convencer de que era necessário fazer isso e, principalmente, de que aquelas coisas não eram mais pessoas. Também lhe causara uma sensação ruim roubar a casa. Era verdade que seu patrão já havia oferecido a residência de campo em alguns feriados, entretanto pegar sem pedir permissão não deixava de ser furto, mesmo que ele insistira em dizer que podia “pegar quando quisesse”. Tornei-me um ladrão e um assassino.

Quando matou os três errantes mais próximos, julgou ser o suficiente para entrar no carro em segurança. Encontrou a chave do veículo no porta-luvas, como sempre fazia, e deu a partida. Harris passou de marcha ré sobre um caminhante, fazendo seu corpo chacoalhar sobre o banco. O engenheiro respirou fundo e acelerou, seguindo na direção leste, como havia planejado. Só então ele pensou que poderia acabar ficando preso com a horda, sem possibilidades de voltar. Que alternativa eu tenho? Era o único jeito de ajudar as pessoas que estavam dentro da casa. Alguns mordedores já tinham entrado lá, o que não era nada bom. Matthew seguiu em alta velocidade, desviando daqueles que se aproximavam de mais. Depois do que pareceram ser alguns minutos, ele resolveu voltar para a casa.

Parou o carro onde havia combinado com Josh, e ficou esperando.

Avery observava os errantes pela janela redonda do sótão. O vidro era meio embaçado, talvez pelo excesso de poeira do local ou pelo próprio tipo de vidro. O formato também não ajudava, limitando seu campo de visão do lado de fora. Seus olhos acabaram caindo sobre o relógio analógico que levava no pulso esquerdo, presente de Josh. Segundo ele, já eram quatro horas da tarde. De súbito, teve a impressão de que um vulto passara perto da casa, porém não pôde ter certeza. Pensou em relatar aquilo às companheiras, mas elas não pareciam estar de bom-humor para ouvir histórias.

Katherine estava de cabeça baixa, não por opção, mas porque era forçada pelo teto. A moça tinha trocado sua camisola por calças jeans e uma camiseta encontradas na mochila, justas demais para seu corpo, e usava chinelos na falta de um tênis. Estava irritada, talvez pelo fato de estar presa no sótão, contudo o mais provável era que estivesse frustrada pela demora de seus entes. A preocupação também era visível, e Avery se perguntava sobre quantas vezes ela teria passado por situações semelhantes. Gabriela parecia mais estressada. A mulher estava de braços cruzados, apertando convulsivamente o tecido de seu poncho. Não parecia se incomodar em ficar tanto tem de pé, e sua baixa estatura permitia que ela não tivesse problemas com o teto. Dickens acreditava que o motivo era o machado.

Talvez estivesse mais relaxada por que já passara por momentos assim, ela e sua mãe aguardando o retorno do homem que as protegia. John poderia não ser o exemplo de pai ou o militar mais condecorado do mundo, porém, no final das contas, tinha sido o herói das duas. Não teriam durado muito se ele não houvesse sujado as mãos. De certa forma, Avery devia sua vida àquele que chamara de pai. Ele não fez isso por mim, fez pela mamãe... Apesar de tudo, se sentia grata. O lado ruim da história era que, querendo ou não, isso tinha feito dela um peso morto: não sabia se defender muito bem e só estava viva porque tinha pernas velozes. Não quero ser mais assim, juro que se sair desse sótão vou aprender a ser útil.

Mais uma vez se voltou para Kate. Ela parecia não se importar muito com o fato de ser inútil. Isso porque ela os tem..., pensou um tanto amarga e pessimista. Não queria que Katherine acabasse morrendo como todos os outros despreparados no fim do mundo, e para isso ela teria que mudar. Desejava por toda a afeição que sentia por Katherine que isso acontecesse. Pensando nisso, começou a compreender um pouco mais a mulher de cabelos negros à sua frente. Ela, diferentemente das duas loiras, sabia se defender, pois protegera a si mesma e mais duas pessoas frágeis apenas com um machado, aquele machado. Sem ele, a administradora deveria sentir-se vulnerável, concluiu.

O som de algo batendo na madeira acordou as três. Certamente vinha do chão, ou do teto, dependendo do ponto de vista em questão. Todas se sobressaltaram imediatamente. Seriam os errantes a alcançar o alçapão? Se conseguissem, viriam até elas? Tudo que Avery tinha era uma faca de cortar pão, visivelmente imprestável, e uma pistola que nenhuma das três sabia utilizar. Poderia ser outra coisa, entretanto o que poderia ser? Era impossível que a sorte estivesse a seu favor numa situação com aquela.

– O que a gente faz? – Harris indagou em um tom de voz mais alto que o normal, colocando a mochila nas costas.

– Abrir essa coisa seria uma boa... – era a voz de Josh. Involuntariamente, todas as três sorriram. Elas estavam salvas.

Num piscar de olhos, elas já estavam no segundo andar da casa, e não naquele sótão velho e poeirento. Joshua e Maximilian pareciam extremamente cansados e tinham olhares sombrios. As camisas de ambos estavam repletas de sangue podre, que se misturava com o suor. O corredor estava vazio, por incrível que parecesse, no entanto o som dos caminhantes denunciava a sua proximidade. Avery notou que Matt não estava lá, mas teve medo de perguntar, porque não estava preparada para ouvir a resposta.

– Onde está o meu tio? – Kate questionou assim que colocou os pés no chão.

– O velho ficou com a parte mais fácil – Wayne falou sem dar importância.

– Ele foi buscar o carro para nos tirar daqui – o tom ríspido de Josh dizia que ele não havia gostado da resposta. – Vamos sair daqui depressa – ele começou a seguir para o início do corredor, onde havia as escadas, porém foi barrado pela chegada de um errante. – Esqueçam, eles já estão subindo. Vamos pelo caminho mais difícil.

O professor de História abriu a primeira porta que encontrou e deixou que todos entrassem. Dickens não sabia que quarto era aquele, entretanto certamente não era o seu. A garota não sabia qual era o plano de Josh, mas, se fosse para ficarem parados esperando, o melhor teria sido ficar no sótão, mais seguro. Em pouco tempo os mordedores chegaram, fazendo com que a porta chacoalhasse sempre que eles faziam força. Ela não tinha tranca, era segurada apenas pela maçaneta da fechadura, que não resistiria a muita pressão.

– Max, me ajude! – o homem grande estava forçando seu corpo contra a porta, oferecendo a ela um reforço extra.

– Moça, o seu machado – o jovem se voltou para Gabriela e entregou a arma, com sua lâmina ensanguentada. Avery não tinha notado que ele estivera com o rapaz o tempo todo, mas a latino-americana deveria ter percebido antes.

– Qual é o plano? – Hopper perguntou algum tempo depois de receber seu adorado machado. A essa altura, os dois homens já estavam tendo dificuldades em seu trabalho. A cada empurrão que os caminhantes davam, a força se ampliava e a porta se movia mais. – Não temos opções aqui.

– Temos sim, está bem na sua frente – outra batida na porta. Dessa vez, a porta se abriu um pouco e uma mão com três dedos conseguiu invadir a fresta. A única coisa que Avery viu foi a janela. De todas, Gabriela parecia ser a mais descrente no plano. – É só subir no telhado e saltar com cuidado. Matt atraiu a maioria dos errantes pela outra direção, então vocês não devem ter problemas depois que encontrarem o chão. É isso ou o corredor. – Não era escolher entre dois caminhos, era escolher entre vida e morte. – É só seguir pelos fundos até a estrada de terra, ele deve estar lá com o carro. Gabriela, você vai na frente para limpar o caminho, e as meninas vão atrás. Você pode fazer isso?

– Sim. Kate, eu quero que você fique logo atrás de mim. Avery, você fica atrás de nós, certo? Sei que é rápida o suficiente para nos acompanhar.

– Ei, fofinha, leve a minha arma.

Com certo esforço, Joshua passou seu rifle para Avery. Ela estava assustada de mais para questionar aquilo ou reclamar do apelido. Até que ser chamada de fofinha não era tão ruim assim. Ruim era a arma, grande e pesada demais para uma menina tão pequena. Dickens não fez objeção alguma, limitando-se a aceitar a tarefa que recebera. Passou a faca e a pistola para Katherine, deixando suas mãos livres para o fuzil.

Gabriela foi a primeira a sair pela janela, e a loira sequer prestou atenção na maneira com que ela fizera isso. Estava ansiosa demais, assim como havia se sentido no dia em que perdera os pais. Ela seguiu logo depois de Kate, não queria ficar muito atrás. Sou rápida. Quando passou pela janela, sentiu as telhas se desfazendo sob seus pés. Nunca tivera medo de altura, porém nunca precisara pular de um lugar tão alto. A garota se sentou no telhado, colocando a arma entre as pernas e o corpo, e foi se arrastando lentamente pela superfície irregular, tentando dizer a si mesma para ter coragem. Pensou em olhar para trás, mas acabou desistindo. Seria uma perda de tempo, e tempo era o que ela não tinha no momento. Quando encontrou a borda, olhou fixamente para o chão de terra abaixo. A distância deveria ser de dois metros... Não seja estúpida, Josh tem quase dois metros. Isso aqui é bem maior. Avery notou que Katherine estava consideravelmente afastada, assim como Gabriela. Não tinha muito tempo. Então ela fechou os olhos e se jogou.

Por alguns instantes, sentiu que estava voando, contudo a sensação não durou muito. Seus pés atingiram o chão com força, fazendo uma onda de dor percorrer suas pernas. Dickens desejou, e muito, continuar no chão, de olhos fechados. Mas não podia, e ela sabia disso. Você é um peso morto ou uma sobrevivente? Apesar das mãos terem sido raladas com o choque, a jovem usou-as para se levantar, ignorando o ardor. Notou que a arma de Joshua havia caído um pouco à sua frente, e não tardou em recolhê-la. Sem mais delongas, correu na direção das duas companheiras, que já estavam a uma distância considerável. Inicialmente, mancou devido às dores que a atacavam, porém depois de alguns metros se forçou a correr direito.

Gabriela brandia o machado contra todas as criaturas que se aproximavam. Em suas conversas com a mulher, Avery nunca conhecera esse lado dela, o lado sobrevivente. Talvez, se saísse viva daquilo, poderia aprender com cada uma daquelas pessoas.

– Onde está o carro? – a morena indagou ofegante quando alcançaram a estrada de terra, ou o que julgaram ser ela. Poderia não ser muito, mas foi o suficiente para deixar a garota desesperada. Se Matthew não aparecesse... Ela não sabia ao certo o que aconteceria, mas tinha certeza de que morreria antes do fim do dia.

Sentiu-se estúpida por esse pensamento quando enxergou o carro prata. Adiante, bem escondido entre um monte de mato, estava ele. Dickens não disse nada, apenas correu feito uma louca na direção do veículo, batendo a palma da mão direita contra o vidro da janela lateral. Matthew desceu rapidamente, com uma expressão estranha. O homem inspecionou os arredores, conferindo quem estava e quem não estava lá.

– Onde estão os outros?

– Eles ficaram para trás encobrindo a nossa saída – Gabriela respondeu por elas.

E pela terceira vez naquele longo dia, Avery Dickens esperou. Era algo maçante, aquela sensação inevitável de preocupação, e a consumia por dentro. Um pensamento sombrio atravessou a sua mente de súbito: caso Josh e Max tivessem morrido, nenhum dos quatro teria como saber, e eles não podiam esperar para sempre.

Ao longe, parte da manada começava a abandonar a casa, indo à direção deles. Depois de certo tempo, uns dois ou três minutos que pareceram muito mais, um vulto se aproximou. Claudicante, ele demorou a se aproximar das pessoas reunidas perto do carro. O homem tinha parte da camisa ensanguentada rasgada, alguns cortes pelo corpo e uma região vermelha na lateral do rosto. Porém, o que mais assustava em sua aparência eram os olhos, que demonstravam certo transtorno. Seu olhar paralisou as quatro pessoas, que, por algum tempo, não disseram absolutamente nada, apenas o encararam.

– Cadê ele? – a voz de Katherine era desesperada, refletindo seu estado de espírito.

– Vamos embora – Maximilian Wayne começou a andar, mas foi barrado pela namorada.

– Cadê o meu irmão? – ela repetiu, dessa vez em um tom mais alto. O jovem se limitou a abaixar a cabeça em sinal de resposta.

Então Avery entendeu que Josh estava morto.


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Notas finais do capítulo

Não temos previsão de postagem para o 15, pois ele deve ser meio grandinho, e queremos trabalhar em cima dele com calma.
O que vocês acharam? Deixem a sua opinião, estaremos aguardando!
O Tumblr será atualizado com menções honrosas de personagens citados anteriormente. Comentem o que acharam do site! E, caso prefiram, podem nos procurar pelo Ask, pelas mensagens privadas ou pelo próprio Tumblr.
O que acharam do episódio de TWD?
Até o próximo!!!