Ethereal escrita por Ninsa Stringfield


Capítulo 9
Oitavo




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ANTES

Com o passar do vento em seu rosto, ele se preocupou em se proteger com a gola do casaco; a ventania passando gélida por trás de sua mais nova proteção. Surpreendentemente, não nevava. O que já poderia ser considerado um milagre considerando todo o mês anterior, quando a população fora castigada com a fúria do inverno.

Ele passava despercebido pelos poucos inquilinos que cruzavam as ruas. E permaneceria assim se continuasse a manter seus cabelos prateados também protegidos do vento, escondido de olhares alheios. Dorian prosseguiu, passando sem ser notado pela multidão, até o silêncio enervante da noite ser substituído por ruídos mais agitados; leves ondas de energia que flutuavam até seus ouvidos. Não era uma melodia prazerosa, mas mesmo assim, lhe garantia uma sensação de conforto.

Ele parou inquieto a alguns passos da porta, olhando ao redor. Não parecia ter sido seguido, mas não se surpreenderia se tivesse. Era muito mais difícil rastrear um perseguidor quando este muitas das vezes não era possuidor de uma sombra. Pelo menos não uma como todas as outras.

Dorian espantou a desconfiança com um dar de ombros, voltando a seguir seu caminho e entrando no alvoroço do bar.

Ainda se lembrava de quando encontrara aquele lugar, muito anos atrás, quando Bev ainda era uma jovem de dezessete anos que havia acabado de se casar com o proprietário da hospedaria. Ela não parecia muito contente com o novo relacionamento, mas ficou feliz quando Dorian conversou com ela pela primeira vez, algo que nenhum outro teve coragem de fazer. Ele se lembrava de como a garota não demonstrara nenhum pingo de interesse nele - algo bem diferente da reação de garotas e garotos, geralmente quando notavam sua beleza -, e isso fizera com que ele gostasse ainda mais dela. A única pessoa que ele considerava sua amiga longe do inferno que estava acostumado.

Ele não podia se dar o luxo de fugir do subsolo em que vivia com muita frequência, mas toda vez que conseguia, ou era designado para uma nova missão, sempre arrumava um jeito de escapar para o bar. O único lugar em que se encontrava seguro.

Naquela noite, no entanto, ele estava mais perturbado que o usual. E só foi entender porque sentia aquela agitação irritante em sua espinha quando já era tarde demais.

Ele caminhou para o bar e se sentou, pedindo um copo de cerveja para uma das garçonetes que atendeu ao seu pedido um tanto um pouco entusiasmada. A atenção não mais o incomodava, já que sabia que nada daquilo era real. Sua própria imagem no espelho o enganava, ele não confiava em seu reflexo, e muito menos em sua própria sombra.

Enquanto bebericava sua cerveja entediado, o tempo foi passando. A clientela foi substituída pela que geralmente passava a noite tirando sua paz, e Dorian ignorou todo o resto do mundo enquanto afundava em pensamentos. Havia ainda aquela sensação incômoda de que estava sendo observado. Ele não quis olhar para os lados, não quis levantar suspeitas. Mas, pensando bem, seria melhor se tivesse observado. Então talvez teria notado o garoto no fundo do albergue que se recusava a tirar os olhos dele, e que analisava todos ao redor com um interesse pontual.

Continuou a ignorar a multidão, mas se viu falhando com a formação de um alvoroço a alguns metros de distância. Ouvia gritos fervorosos que abafavam a péssima cantoria do homem que insistia em demonstrar seus talentos por alguns poucos trocados todas as noites no bar. Ele se recusou a dar atenção ao tumulto que se formava, mas viu seus limites serem testados quando uma caneca foi jogada em sua direção e bateu com um baque no assento ao seu lado, e ele foi obrigado a olhar por cima de seu ombro para ver o que acontecia.

Era aquela garota, Diane alguma coisa, dos olhos âmbar e pele morena, o cabelo castanho escuro não possuindo nada de excepcional. Tirando pelos olhos que pareciam atrair a atenção de qualquer um que olhava, ela não passava de uma garota comum, sem nada que a distinguisse do resto da sociedade. Naquela noite ela usava uma fita de tecido que se enroscava em meio as mechas de seu cabelo presos em uma trança que descia longa como uma cobra pelas suas costas.

Ela cambaleava apoiada nos braços de Bev que a carregava na direção do bar, rindo sem motivo enquanto a dona da hospedaria afastava a multidão de perto dela. Dorian tornou a virar para frente quando Bev sentou a garota ao seu lado e passou apressada para trás do balcão preparando um copo de café. Ela não trocou uma palavra sequer com ele enquanto preparava a bebida. Entregou o copo de café e se afastou com um suspiro em resposta ao "obrigado" murmurado por Diane.

Os dois então ficaram sozinhos e em silêncio, sem olhar para a cara do outro, enquanto Diane esfregava a têmpora e entornava o copo na boca.

— Então é assim que uma dama se comporta esses dias? - ele finalmente se pronunciou, a garota tomando um susto - A juventude de hoje em dia não é a mesma de antigamente, tenho que reconhecer isso.

— Imagino. Por que você esteve lá para contar a história, não é mesmo?

— Foi a Guerra da Crimeia, foi ela que fez isso comigo - revelou ele sabendo que ela aceitaria isso como mais uma de suas piadas.

— Fez o quê? - questionou ela - Te deixou jovem para sempre? Me pergunto como os outros soldados da guerra de quarenta e três anos atrás não encontraram a fonte da juventude com você.

Ele moveu a cabeça para o lado como se considerasse a pergunta e a achasse desinteressante. Mas na verdade estava se divertindo.

— Eles eram muito lerdos.

Diane agora o encarava avidamente, e por mais que isso o deixasse incomodado, ele ficou calado, esperando que ela se pronunciasse novamente. Depois do que pareceu uma eternidade, uma outra garçonete, Brielle era o nome dela, apareceu e cutucou Diane no ombro. Dorian nunca admitiria que ficou desapontado, mas percebeu que até gostava da companhia quando Diane foi se afastando.

— Hoje não é seu aniversário? - perguntou ele abruptamente, sem saber exatamente porque. Era apenas algo que havia ouvido Bev comentando algumas horas mais cedo.

Diane pareceu surpresa com a pergunta, seus grandes olhos de íris alaranjados o estudando.

— Hum... sim. É... sim, é hoje.

— Ah - ele fez seu tom despreocupado de sempre - Parabéns.

— Hum, obrigado?

Ele notou a dúvida na resposta dela, mas resolveu não comentar mais nada enquanto ela se virava de novo e ia embora. Então ele se viu sozinho novamente no meio daquela multidão, e já considerava pagar sua conta para ir embora quando sentiu um pinicar na nuca. Alguém definitivamente o estava observando. Ele desistiu das formalidades e procurou com o olhar por algum rosto conhecido, mas tudo que encontrou foi homens bêbados dando em cima das empregadas de Bev, e mais homens bêbados caindo de cara no chão.

— Sabe, se o seu plano era não levantar suspeitas, você falhou miseravelmente - disse uma voz ao seu lado, e ele se virou em alerta.

O rapaz que se encontrava sentado onde dois segundos atrás estava vazio era alto e corpulento. Seus olhos, incrivelmente profundos e negros, o encaravam divertidos, sabendo que estava no controle da situação. O cabelo num tom de marrom-caramelo caindo divinamente em sua feição sem falhas e bela.

— Sebastian - saudou Dorian, um tom seco na voz - O que te traz a essa parte tão bela de minha querida Londres?

Ele riu. Tomava alguns goles de vez em quando de um copo de cerveja que apoiava no balcão.

— Allen mandou que eu viesse atrás de você.

— Você me encontrou - apontou Dorian, também bebericando do seu próprio copo - O que vai fazer agora?

Sebastian encarou o bar, seu olhar se detendo no ponto onde Diane e Brielle desapareceram para entrar na cozinha.

— Vou trazer alguém com você.

Dorian desviou o olhar, encarando a parede na sua frente.

— Dorian, estamos em crise - relembrou o garoto - Não podemos nos dar ao luxo de demonstrar um pouco de humanidade.

— Humanidade? - repetiu ele com a voz áspera - Você acha que é isso que estou fazendo? Que é nisso que estou me transformando? - perguntou ele retoricamente - Eu não me importo com eles, me importo comigo. Estou cheio de ser a marionete do Allen.

— Você sabe que isso é muito maior do que ele.

— Sei - concordou Dorian, o copo descansando no balcão novamente, as lembranças dançando por trás de seus olhos - Sei bem.

— Dorian, precisamos de pessoas - insistiu Sebastian - A Europa está se partindo ao meio. Eles acham que isso é o progresso, mas estão evoluindo para algo que não podem entender. Nem conseguem ver o sangue escorrendo pelas rachaduras do mundo que eles mesmos criaram.

— Nêmesis nos alertou - continuou ele, inclinando o corpo na direção dele - Algo está prestes a acontecer, algo mais cruel do que podemos imaginar. A raça humana está se afogando na própria ganância e, senão nos prepararmos, vamos acabar destruídos junto com eles. Esse é o único jeito de nos manter vivos.

O Nêmesis. Dorian ainda se lembrava do primeiro encontro que teve com o sujeito, de como soube naquele instante que sua vida jamais seria a mesma. De como soube naquele instante que era um homem morto.

— Eu não poderia me importar menos - disse em resposta, a atenção voltada para a parede novamente.

— Você não tem escolha, Dorian. É um de nós. Está preso ao juramente e nunca vai poder ir embora.

Dorian suspirou, esvaziando finalmente seu copo de cerveja.

— Eu não estou me destituindo, beleza? Estou tirando algumas semanas de paz e solidão, posso?

— Na verdade não - Sebastian se levantou, jogando alguns trocados em cima do balcão - Se você não trouxer alguém com você até o final deste mês, eu mesmo venho fazer esse trabalho - ele então lançou um olhar na direção de onde Diane e Brielle haviam desaparecido e de onde agora surgia Bev carregando alguns pedidos - Eu tenho uma política bem abrangente para novos candidatos. Quem sabe quem será o próximo recrutado? - Dorian viu pelo canto do olho um grupo de homens saindo em fila indiana pela porta, a postura rígida demais - Pense nisso.

E então ele se virou, desaparecendo na multidão, e finalmente sendo visível de novo seguindo pela mesma direção que o grupo de homens avançara poucos segundos atrás. Sebastian gostava de andar com capachos humanos.

Dorian se concentrou em mexer distraidamente em seu copo vazio, o olhar distante e os pensamentos ocos. Afinal, tinha feito uma promessa a Bev. Tinha que sair daquele lugar antes que ficasse óbvio demais, Sebastian já estava mais informado do que deveria.

Ele se levantou jogando uma porção moedas a mais em cima da pilha de Sebastian e pegou seu casaco. Não se importou em se despedir, Bev já estava acostumada com os desparecimentos do rapaz, não ficaria surpresa se ele nunca mais voltasse. Cobriu os cabelos rapidamente e abriu a porta, antes que algo o impedisse ou ele voltasse atrás; e mergulhou no frio da noite.

Ficou um tempo parado ali na porta, observando a fumaça branca de sua respiração sumindo na imensidão da noite, e esperando que o frio o esquentasse. Quando encontrou o bar de Bev e se sentiu seguro ali, sabia que era um grande risco, e que acabaria em sangue ou para seu lado ou para o dela; mas mesmo assim continuou a frequentar o lugar. Simplesmente não podia evitar. Ele se sentia normal ali, no meio da agitação do ambiente fervoroso e de toda a confusão que causava.

Aquela felicidade que experimentou no breve período de tempo em que frequentou o bar era tão falsa quanto seu reflexo, apenas uma leve distorção da realidade. Nada pior do que falsa alegria recheada de falsas esperanças.

Talvez ele tenha ficado muito tempo parado ali sozinho no silêncio, porque podia jurar que ouvia algum tipo de zumbido. Ou seriam palavras? O som se repetiu, mas foi cortado brutalmente ao meio. Era um grito de dor.

Ele se movimentou na direção do barulho, para a pequena viela escura ao lado do bar, e semicerrou os olhos para entender a cena que se desenrolava lentamente a sua frente. Ele observou um grupo de homens amontoados na parede, fazendo uma espécie de semicírculo ao redor de algo. Uma pessoa. Dorian se aproximou mais, as mãos saindo de dentro da proteção de seus bolsos. E foi então que reconheceu ao redor de quem eles se encontravam.

Ele deslizou instintivamente uma lâmina de madeira dura e curvada da parte de trás de sua calça, onde escondia a arma. Ele girava o chakram entre os dedos, enquanto se aproximava da luz tirando o capuz e deixando os fios de seu cabelo visíveis.

— Que bela noite, rapazes - disse ele. Os quatro homens se afastaram abruptamente de cima de Diane e o corpo da garota desabou toscamente no chão - Parece que estão se divertindo.

— Olha, só estávamos fazendo nosso trabalho - começou um deles, o que antes se via com as mãos entre as pernas da garota - Não nos leve a mal.

Dorian lançou um olhar desinteressado para Diane, que falhava miseravelmente em se arrastar para longe. Então focou novamente nos homens, percebendo que Sebastian não estava mais entre eles; provavelmente porque fugira para o buraco de onde nunca deveria ter saído.

— Claro que não - respondeu ele, apoiando seu ombro contra uma das paredes da viela e passava o dedo lentamente pela lâmina de sua arma - Mas não vejo onde a garota fazia parte do trabalho de vocês. Ela não se parece nada comigo, caso estejam planejando levá-la a força também.

Outro homem, o mais alto, riu. Sua postura tinha a intensão de parecer intimidadora, mas naquele momento parecia simplesmente desleixada.

— Cara, só estamos nos divertindo. Passamos o dia inteiro correndo atrás daquele seu amigo irritante, merecemos um prêmio de consolação.

Agora foi a vez de Dorian soltar uma risada.

— Vocês não deveriam estar se queixando sobre suas condições de trabalho com ele?

— Só dê meia volta e finja que não viu nada, beleza? - respondeu outro, voltando a se virar para o corpo caído de Diane - Vamos ser rápidos aqui.

Dorian deu impulso para trás e jogou o chakram, que perfurou a mão do sujeito em cheio, arrancando-a do resto do membro. O homem urrou de dor, mas Dorian não parou.

Desviou agilmente do golpe de punho de um dos outros homens e logo acertou a barriga de outro. Uma bala de chumbo foi disparada, mas ele se abaixou bem a tempo e a baça passou raspando em seu rosto. O grandalhão tentou perfurá-lo com um faca, mas desviou ele do golpe e usou a arma contra seu oponente, fazendo com que o homem perfurasse o próprio pé em um giro rápido do corpo.

Outra bala foi disparada, mas agora ele não teve tanta sorte e foi atingido perto do joelho enquanto quebrava o pescoço de outro. Sentiu o impacto do disparo de imediato, mas conseguiu ignorar a dor por tempo suficiente para chutar as pernas do último integrante que permanecia vivo e arrancar a pistola de suas mãos. A arma possuía dois canos, e felizmente, um tiro restante.

Recuperou seu chakram do homem que permanecia inconsciente com a mão ainda caída no chão e cortou sua garganta antes de se voltar para o último que restava e que ainda tentava se recuperar do chute. Dorian postou o dedo no gatilho.

— Mande minhas lembranças ao inferno - o homem se arrastava desesperado em direção a parede, parecia com raiva, como se nunca tivesse sido tão desrespeitado.

— Eles vão te... - mas Dorian não permitiu que ele terminasse, puxando o gatilho e esvaziando a vida daquele corpo.

Apenas mais um em sua lista.

Ele permaneceu com a mão parada ao lado do corpo enquanto respirava ofegante, antes de finalmente se lembrar do por que estava ali no final das contas, e se virou para o corpo caído de Diane. Ela estava com o rosto virado para ele, mas seu rosto manchado de lágrimas se contorcia de confusão, como se ela se visse de frente a um estranho. O que em parte era verdade.

Dorian se aproximou lentamente dela, limpando o sangue das mãos e do chakram, e então finalmente se ajoelhou ao seu lado. No instante em que seu joelho tocou no chão, a garota pareceu ganhar vida e seu braço voou em sua direção, a mão armada com um caco de vidro, que ele conseguiu parar sem dificuldade alguma. Acabou rindo da tentativa dela enquanto segurava seu pulso, e ela começou a piscar rapidamente. Quando finalmente fixou seu olhar nele, uma espécie de interrogação pareceu cair em seu rosto antes de sua cabeça tombar para o lado e ela cair em cima dele inconsciente.

Ele xingou baixinho e checou o corpo dela. Não parecia haver nenhum ferimento grave além de alguns hematomas, então ele simplesmente tirou seu casaco e cobriu o corpo dela do frio antes de erguer seu corpo mole do chão. Ele bateu com força na porta dos fundos da estalagem, e viu a luz de velas jorrar em seu rosto quando uma Bev impaciente abriu a porta.

Ela soltou um grito.

— O que diabos você fez com ela!? - perguntou estarrecida.

— Eu não fiz nada - respondeu ela pacientemente - Temos que levá-la para dentro, rápido.

O rosto de Bev se contorcia em um turbilhão de emoções enquanto finalmente se recuperava do choque e abria passagem para ele, que carregou a garota desacordada em seus braços em meio a multidão de garçonetes confusas e clientes bêbados, subir as escadas apressado, e abrir a porta de seu quarto com um chute. Ele depositou o corpo dela cuidadosamente em sua cama enquanto Bev voava para dentro do quarto com uma série de frascos transparentes equilibrados entre os braços.

Ela o empurrou para longe enquanto passava, se curvando sobre Diane enquanto observando cada centímetro de pele de seu corpo.

— Relaxa, okay? - começou ele - Ela está bem, provavelmente só vai ficar um pouco em choque depois, mas vai ficar bem.

— Ela vai ficar bem? - repetiu com a voz elevada, se virando para ele com os olhos arregalados - Olhe o estado dela, Dorian. O que diabos aconteceu?

Ele não sabia o que fazer com as mãos, então as deixou toscamente paradas na lateral do corpo enquanto olhava fixamente para o chão.

— Ela... - ele engoliu em seco - Ela foi quase estuprada.

Os olhos de Bev se arregalaram mais do que parecia humanamente possível; seus lábios tremiam, como se não conseguisse encontrar algo que expressasse por completo o que ela queria dizer.

— Eu cheguei antes que eles pudessem fazer qualquer coisa - continuou ele.

— Cadê eles? - indagou ela, finalmente. A fúria inundando seu rosto enquanto se levantava para se dirigir para fora do quarto - Onde estão eles? Eu quero dar um soco nesses idiotas agora mesmo.

— Ei - exclamou Dorian - Ei! - chamou ele de novo, segurando-a antes que pudesse fazer qualquer besteira - Não precisa disso, eu já cuidei deles.

— Cuidou deles? - ela entendia sobre o que ele estava falando, mas mesmo assim parecia confusa, como se não entendesse o propósito de tudo aquilo - Sobre o que foi isso, Dorian? Quem eram eles?

Dorian abriu a boca mas a fechou logo em seguida, afastando um passo. Bev era alguns bons centímetros mais baixa do que ele, e mesmo estando na casa dos cinquenta, ainda tinha cara de trinta. Mas naquele momento ele pôde jurar que via rugas no canto de seus olhos.

— Dorian, quem eram eles? - ele não respondeu - Dorian. Me diga que eles não são quem eu penso que são.

Ele virou de costas para ela, as mãos bagunçando inconscientemente seu cabelo enquanto ele se jogava no único assento disponível do quarto.

— Eles não são um de nós, se é isso que está pensando.

— Mas eles tem algo relacionado a vocês não tem? - questionou ela. Ele permaneceu calado - Dorian, eu te fiz uma pergunta.

— Eu não tenho nada a ver com eles - mentiu ele.

— Não tem? - perguntou ela retoricamente, um sorriso cínico nos lábios - Então o que diabos eles faziam aqui a noite exatamente quando você resolveu voltar de um de seus desaparecimentos habituais?

Ele voltou a encará-la, os olhos dela brilhando com as lágrimas que se recusava a soltar.

— Eles querem que eu leve alguém.

Outra pausa.

Agora Bev parecia realmente chateada, como se tivesse sido traída pela pessoa em que mais confiava. Permitindo finalmente que as lágrimas escorressem pelo seu rosto num fluxo que lhe pareceu interminável. Ela se virou enxugando o rosto e voltou a se debruçar ao lado de Diane, acariciando o cabelo da menina enquanto limpava sua testa suja com um pano úmido. Dorian sempre admirara o modo que Bev tratava suas empregadas, como se fossem suas filhas, como se fossem tudo que ela tinha no mundo. Esse era meio que o modo que ela costumava tratá-lo. Por isso agora, vendo-a daquele jeito, Dorian desejou que nunca a tivesse encontrado-a, ou aquele bar, em primeiro lugar.

— Eles a escolheram? - perguntou ela em um tom não mais alto que um sussurro.

— Tinha um sujeito comigo no bar hoje mais cedo, e ele era o único Ilegítimo como eu - explicou ele, se curvando para a frente e apoiando os cotovelos nas pernas, mesmo na machucada - Os caras que atacaram ela eram apenas alguns homens que precisavam pagar uma dívida, o único que importa é o sujeito, Sebastian. Esses caras eram capachos dele, então talvez Sebastian tenha mandado que eles fossem atrás dela; ele não parava de encará-la no bar.

Bev assentiu.

— Você me prometeu - começou ela, depois de um tempo - Prometeu que não mexeria mais com as minhas garotas.

— Eu não tenho escolha, Bev - se defendeu ele - Se eu não a levá-la, pessoas como os homens que a atacaram hoje a noite vão. E não sabemos do que eles são capazes.

— Pra dizer a verdade, eu não sei do que você é capaz - ela então se levantou, pigarreou e desamassou a saia de seu vestido com a palma das mãos - Depois dessa noite eu não quero mais te ver por aqui - declarou ela. Dorian não ousou desviar o olhar. Sabia que isso estava por vir.

— Se eu te ver mais alguma vez nesse bar, ou pelas redondezas... se eu ao menos... - ela perdeu a voz, seu peito subindo e descendo com a raiva - Se eu ao menos ouvir a menção do seu nome, Dorian, você é um cara morto.

Ela pegou o pano e os frascos que havia trazido e se virou de costas para ele, caminhando em direção a porta, e então parando uma última vez na soleira para dizer sobre o ombro:

— E isso não é uma ameaça vazia, Dorian. Se você aparecer por aqui mais uma vez, eu te mato pessoalmente.


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