Ethereal escrita por Ninsa Stringfield


Capítulo 21
Vigésimo




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Tamborilando nas ruínas da estranha construção de pedra no meio da ilha, Diane observou enquanto sua equipe se aproximava aos poucos. Evans e Sebastian foram os primeiros a chegar, depois Quinn e Seth Brekker - seu segundo no comando-, então Cléo e Irene, que estavam rindo de alguma coisa que Nolan, acompanhado de Michael, havia dito.

Nenhum deles, no entanto, notou a sombra do corvo pairando sobre suas cabeças quando se reuniram na frente de uma das antigas entradas secretas do castelo que era cercada pela parte mais fechada da mata. E também não reconheceram a dona da sombra equilibrando-se sobre uma precária bifurcação cuja sacada mal se mantinha de pé acima deles, analisando cada um enquanto se cumprimentavam.

Foram poucas as vezes que tantos deles se encontraram ao mesmo tempo para discutir algum assunto em segredo do resto da Instituição, e sempre tomavam a precaução de escolher pontos diversos e estratégicos que eram pouco visitados na ilha. Aquele, entretanto, era o preferido de Diane.

Ela adorava a vista que tinha dali de cima. Ao longe, atrás do tapete de copas de árvores que se estendia a sua frente, havia a calmaria do oceano que os cercava. Sempre paciente e acolhedor, a água cantava contra a praia segredos que eram jogados ao mar, segredos que serviam como um escudo contra os olhares de estrangeiros. Diane sempre acreditou que o mar era o maior benfeitor dos Ilegítimos, mantendo-os escondidos do resto do mundo. E dali ela também podia sentir a brisa que dançava com os cachos de seus cabelo, que sussurrava em seu ouvido os gritos silenciosos que estavam presos dentro da cabeça de cada um deles.

Ela voltou sua atenção para o grupo abaixo de seus pés e respirou fundo, começando a descer as ruínas com a precisão impossível que apenas um deles poderia ter.

Em poucos segundos, ela se encontrava no mesmo nível que seu grupo. Poucos Ilegítimos se aventuravam por entre as ruínas por medo de nunca encontrarem a saída. Diane, entretanto, não entendia os boatos que rondavam o local. Alguns diziam que aquele fora o palco da criação dos primeiros Ilegítimos pelo Deus que para eles era conhecido como Nêmesis; outros alegavam que aquele era o cenário que ele deixara pronto para quando fosse arruiná-los. Diane achava as ruínas bonitas e reservadas o suficiente para não dar ouvidos a qualquer um deles.

Ela deu um passo para fora da escuridão e todos se viraram para ela pouco surpresos. Ela brincava com os fios de sua saia de lã justa que mais parecia um pano retalhado ao redor de suas pernas para controlar sua ansiedade.

— Acho que todos já sabem porque estão aqui - começou ela - E caso ainda tenham alguma dúvida, Sebastian, Quinn e eu conversamos com Carl, o mensageiro que Cora condenou, segundos antes de morrer - todos continuaram com seus olhares sérios e atentos nela. Diane conteve a vontade de engolir em seco ao se lembrar de Carl - Cora tem um segredo. Segredo este que Dakota Ning conhece e que pode nos levar a ruína - ela deu uma pausa antes de revelar exatamente porque haviam se reunido naquela noite - Um segredo que tem alguma relação com fogo.

Todos, sem exceção, ou recuaram um passo ou prenderam a respiração. A própria Diane sentiu o pinicar irritante em sua omoplata onde sua queimadura de infância permanecia intacta apesar das várias transformações que seu corpo sofrera ao se tornar uma Ilegítima.

— E eu entendo - prosseguiu ela - Se qualquer um de vocês quiser ficar fora disso - ela encarou cada um deles - A partir desse ponto, estamos cometendo uma traição.

— Cora não seria capaz disso - Cléo foi a primeira a se recuperar, ignorando a última fala de Diane - Sei que ela é louca, mas nos destruir? Ela é uma de nós afinal, o quê ganharia com isso?

— Ser a criatura mais poderosa do mundo, talvez? - arriscou Quinn dando de ombros - Se ela acabar com todos nós, será a única criatura imortal desse planeta e praticamente indestrutível. Ela poderia escravizar a humanidade por toda a eternidade.

— Por mais que isso pareça diabólico o suficiente para Cora... - interveio Nolan com a voz baixa, olhando para o chão. Ele pigarreou e encarou Diane - Não acho que esse seja seu plano. Ela seria a criatura mais poderosa, mas também a mais solitária.

Diane teve vontade de sorrir para ele.

— Nolan tem razão - disse ao invés, para a surpresa dele - Cora é gananciosa mas não é estúpida. Ela deve estar ganhando algo mais com isso.

— Talvez - também arriscou Seth. Sua voz era grossa e harmoniosa - Talvez ela não queira acabar com todos nós. Talvez queira criar uma arma forte o suficiente apenas para destruir aqueles que a desafiarem - ele deu um sorriso sarcástico para o grupo ao seu redor - Como cada um de nós, por exemplo.

Sebastian considerou a ideia com um aceno de cabeça.

— Parece razoável o suficiente.

— Eu não esperaria nada menos que isso considerando que a ideia foi minha - rebateu Seth com um sorriso irônico nos lábios. Sebastian revirou os olhos. Seth pareceu satisfeito.

Seth as vezes a lembrava muito de alguém que ela deixara no passado. Um fantasma que a assombrou todos os dias em que passou enclausurada na sala de Iniciação por dois anos seguidos. Algo se acendeu dentro dela tão rápido quando se apagou. Uma chama acesa queimando algo dentro dela que Diane jurava que já havia há muito se desintegrado, mas que foi rapidamente soprada pelo vento para sua alegria.

— Seja qual for o plano de Cora - reformulou ela, jogando as lembranças novamente no poço escuro em sua mente de onde nunca deveriam ter saído - Só há um jeito de pará-la.

— Pedindo pacientemente que ela nos revele seus planos, evitando eventuais conflitos? - sugeriu Evans, que monitorava as câmeras dos corredores do Forte abaixo deles pelo tablet em suas mãos ao mesmo tempo que que prestava atenção na conversa. Ela sempre admiraria sua capacidade de fazer tantas coisas ao mesmo tempo com maestria.

— Destruindo cada nervo de Cora até que ela nos revele seus planos - finalizou Diane.

— Atraindo-a para um armadilha em que ela própria revele tudo - traduziu Cléo sorrindo com as presas do verdadeiro leopardo que era - Sabe, as vezes realmente acho que poderia gostar de você, Diane.

— E quanto a Zane Vance? - questionou Quinn, de repente - Pensei que ele estaria aqui conosco. Seria um aliado valioso.

O rosto de Diane imediatamente se contorceu em uma careta e Evans levantou a cabeça pela primeira vez desde que chegaram ali. Diane lançou um olhar tranquilizador para ele, afinal, ele era da equipe de Zane apesar de ter jurado lealdade somente a Diane.

— Ele está do próprio lado. Nem no nosso, nem no de Cora pelo menos - revelou ela - Segundo ele, deixou que Cora esquecesse de desligar as câmeras de segurança em sua sala de propósito para que Evans pudesse ver, mas... - ela suspirou - Mas o desgraçado só queria que Evans guardasse as gravações, não pretendia nos contar imediatamente.

— Guardasse as informações para quando? - perguntou Irene que estava extremamente quieta para uma situação como aquela - Para quando fosse comprar votos na próxima eleição?

— Por favor - pediu Cléo, rindo - Ele nunca precisou fazer esforço algum para conseguir aquele maldito cargo de vice dele.

— Isso é exatamente o que me preocupa - continuou Irene, olhando diretamente para Diane agora - Por que nunca se elegeu para o cargo de Chanceler? Ele sempre teve a popularidade.

— Esse é o jeito que ele encontrou para sempre estar no comando - concluiu Cléo entediada como se sempre tivessem aquela mesma discussão. O que era verdade - Os Chanceleres mudam mas ele continua ali, sempre próximo demais daqueles que decidem o futuro dessa Instituição.

Irene levantou uma sobrancelha como se dissesse "Ouviu só?". Diane a ignorou completamente. Irene nunca foi muito fã de sua relação com Zane.

— A pergunta real - começou Sebastian, se intrometendo antes que a mesma discussão de sempre pudesse recomeçar e cruzando os braços pra desafiar qualquer um deles a tentar - É o que devemos fazer agora?

***

Diane repassou o papel de cada um deles e os dispensou um por um. No final, só sobraram ela, Evans - que dispunha da estrutura geral do Forte em seu tablet -, e Michael, que estava aprendendo tudo que era necessário para a vaga de técnico de informática e vinha seguindo Evans pelos corredores há semanas, tentando imitar seus passos.

Michael detinha de um excelente memória e conseguia aprender qualquer coisa muito mais rápido do que qualquer um deles. Ele já havia trabalhado em praticamente todas as funções disponíveis no Forte, mas mesmo assim continuava a mudar o tempo todo como se simplesmente não conseguisse ficar parado. Ele era bom em tudo que fazia, mas sempre se esforçava para superar as próprias limitações.

O único problema aparente - que foi a razão de ser designado para a equipe de desajustados de Diane -, era que ele era mudo. O que não era um problema real já que eram guerreiros e nem deveriam falar a não ser para concordar com as ordens que recebiam, mas mesmo assim sua condição parecia incomodar as pessoas. Principalmente porque sua condição não provinha de nenhum tipo de doença ou empecilho físico, ele apenas havia feito um voto para fechar a boca.

Diane havia analisado seus registros médicos diversas vezes a procura de uma explicação, mas ninguém sabia porque ele fazia isso. Quando ele passou pela Iniciação, já se recusava a falar e também era um dos muitos Ilegítimos cujo registro sobre a vida anterior aquela não existia por ser considerada irrelevante.

Michael havia passado por diversas equipes antes da dela. Todas haviam de algum modo o agredido ou torturado com o intuito de lhe fazer falar, mas nenhum deles havia conseguido. Até que o líder de sua última equipe bateu tanto nele que Michael precisou ficar internado por três dias para conseguir se curar completamente. Eles haviam conseguido deslocar boa parte de seus ossos para que quando ele se curasse, não conseguisse se mexer.

Cora o designara para Diane logo em seguida. E quando ela foi visitá-lo no hospital para ver com o que teria que lidar e viu seu estado, deu meia volta e foi direto para o complexo de sua antiga equipe onde cortou membros de cada um deles e escreveu ESCÓRIA em suas testas com sua foice, aplicando sal nas feridas para que demorassem a cicatrizar.

A partir de então, ninguém mais ousou lançar um olhar torto que fosse para Michael.

Ela lhe jurou quando foi liberado que nunca tentaria fazê-lo falar a não ser que ele quisesse, e Michael quase caiu chorando em seus braços. Mas Diane o afastou e o direcionou a Cléo, que lhe ensinou a lutar tão brutalmente quanto ela própria. Cléo era tão impaciente quando Diane como Treinadora, mas detinha uma paciência que era reservada somente para ele.

Talvez porque ela própria havia sido maltratada pela sua antiga equipe, que a trancafiara por vários dias numa sala pequena e escura para forçá-la a superar sua claustrofobia. Cléo era uma das poucas pessoas no Forte que havia concordado em se tornar uma Ilegítima sem passar pelo primeiro estágio da Iniciação. Irene foi quem a encontrara numa poça dos próprios dejetos por acidente na sala, totalmente aterrorizada deitada num canto. Cléo saira mais raivosa do que nunca dali, e aquele foi o momento em que ela decidira confiar na fúria presente em suas veias para aliviar a dor da realidade em que viviam.

Um dia depois de ser liberada, Cléo matou o líder de sua antiga equipe, e teria sido executada por isso caso Irene não tivesse implorada a Diane que intervisse, pedindo para Cora que a incluísse em sua equipe em formação que até então continha apenas Irene.

Ela voltou sua consciência para a realidade, para Evans e Michael que estavam sentados encostados perto da entrada de onde Diane mais cedo saira. E seus olhos automaticamente foram para a cicatriz no rosto de Evans, para a cicatriz que ela causara e que o garoto exibia por aí como se fosse alguma espécie de prêmio. Mas antes que seus pensamentos pudessem divagar novamente, uma voz feminina saiu do tablet nas mãos dele. Antes de sair da sala de Cora mais cedo, fez questão de implantar uma escuta debaixo de sua mesa quando se aproximou o suficiente.

Você tem que se lembrar de alguma coisa!— gritava a Chanceler pelo microfone.

Infelizmente não, senhora - respondeu outra voz - Tudo que me lembro é de ver o Corvo vagando pelos corredores e abordá-la, então acordei horas depois numa maca da enfermaria.

Era Polvo, reconheceu Diane tarde demais.

— Como uma garota qualquer poderia sozinha ter derrubado dois de vocês e ainda apagar suas memórias sem ao menos ser vista? - a raiva era palpável em sua voz - Eu criei soldados tão ruins a esse ponto?

— Me perdoe, Chanceler - pediu o Polvo sem jeito, a voz perceptivelmente mais baixa - Mas ela não é um garota qualquer, é uma das melhores agentes dessa Instituição.

— Uma das melhores agentes dessa Instituição? - repetiu Cora, rindo - Ela é uma Ilegítima tanto quanto qualquer um de vocês, por que diabos continuam agindo como se essa garota tivesse algo de especial?

Um silêncio incômodo se seguiu. Diane quase podia ver a garganta do Polvo se mexer conforme ela engolia em seco.

— Chanceler - chamou uma voz masculina ao fundo. Os olhos de Evans e Michael se voltaram para ela. Zane - Acredito que o Polvo ainda esteja se recuperando do encontro com o Corvo, talvez devêssemos continuar essa conversa mais tarde...

Outra pausa, dessa vez mais longa. Até que o barulho de uma porta se abrindo e fechando deslizando foi ouvido.

— Acha que ela está mentindo? — perguntou Cora.

Zane soltou uma risada debochada. O estômago de Diane se revirou.

— Para proteger Diane? - questionou ele - Elas se odeiam, o Polvo nunca faria isso.

— Talvez ela esteja com medo de dizer alguma coisa.

— Ela até poderia estar com medo mas, me perdoe Chanceler, nós Ilegítimos temos mais medo de você.

— Respeito - corrigiu Cora - Os Ilegítimos têm mais respeito pela sua Chanceler, não por uma garota qualquer que acha que é invencível.

— Sim - concordou Zane se contradizendo - Foi isso que quis dizer, Chanceler. Ninguém ousaria desrespeitá-la por temer o Corvo.

Cora fez um barulho com a garganta para demonstrar seu desprezo.

— Só me pergunto por que razão o Corvo se incomodaria tanto com seu ex-mensageiro - continuou Zane num tom cauteloso - Ela não é de fazer algo sem um propósito. 

Cora riu. Sua cadeira rangeu quando ela se mexeu, provavelmente se virando para encará-lo.

— Você saberia dizer, não saberia, Zane querido? - ela respondeu num tom provocativo, Diane conseguia sentir o sorriso em sua voz como se estivesse naquela sala com eles - Ouvi dizer que você e ela tem algum tipo de... Como posso chamar? - seus dedos tamborilavam no topo da mesa - Relação.

— Não sei o que quer dizer com isso, senhora.

— Quero dizer que se eu souber que sua lealdade está em qualquer lugar que não for o exigido pelo seu cargo político, sua relação com ela vai ser a última de minhas preocupações - Diane nãos gostou nada de ouvir sua vida sendo barganhada - Afinal... - continuou Cora - Se eu souber que você está me traindo, a cabeça de Diane Tulles será a primeira a rolar.

Então ela arrastou sua cadeira no chão novamente provavelmente para se levantar.

— Tenho uma reunião agora, esteja com a planilha dos gastos do último mês pronta em cima de minha mesa quando eu voltar.

— Considere feito, senhora.

Houve o barulho da porta de metal deslizando novamente para abrir e fechando segundos depois. A escuta caiu no silêncio. Diane esperou alguns minutos a mais para ter certeza que nenhum dos dois voltaria antes de conseguir finalmente soltar a respiração.

— O que faremos agora? - perguntou Evans para quebrar o silêncio.

— Continuamos com o plano - replicou Diane.

— Mas e Zane? - insistiu ele - Ele vai perceber que estou envolvido nisso. Ele pode me parar se quiser.

— Como acabamos de ouvir, nem mesmo Cora confia nele, se ele também perder nossa confiança ficará sozinho nesse Forte.

— Sozinho? - riu Evans - Todos o adoram, ele é intocável.

— Isso porque ninguém o conhece. Ele sabe melhor do que tentar cruzar com o meu caminho.

Michael deu uma risada em deboche.

— Sabe - começou Evans - Um dia eu realmente espero ter tanta confiança quanto você.

Diane revirou os olhos.

— Ok - concordou Evans, empurrando Michael que estalara os dedos para voltar a atenção deles no problema em questão.

— Então se Seth estiver certo e Cora estiver envolvida com alguma espécie de arma, temos que checar suas últimas transações no computador e talvez falar com nossos fornecedores.

— Se ela realmente estiver fazendo alguma coisa, vai desconfiar se principalmente você entre todas as pessoas pedir permissão para visitar nossos fornecedores - contestou ele - Principalmente porque recebemos uma nova remessa semana passada.

Diane sorriu e tanto Evans quanto Michael fizeram uma careta enquanto se afastavam para longe dela. Eles conheciam muito bem aquele sorriso. Michael fez sarcasticamente o sinal da cruz.

— A não ser, é claro - proferiu ela, para o terror deles - Que tal remessa não chegue do jeito que se espera.


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