Ethereal escrita por Ninsa Stringfield


Capítulo 11
Décimo




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ANTES

A primeira coisa que sentiu foi a ânsia, e então a dor insuportável de cabeça, seguida do ardor em algum ponto na lateral de seu rosto. Ela quis gritar, ou ao menos reclamar de dor, mas sua garganta ardia como se algo a corroesse aos poucos e sua língua se enrolava sozinha. Sua cabeça girava, febril e cansada, reclamando por ter ficado consciente tão cedo, e ela não teve coragem de abrir os olhos, prevendo o quão pior se sentiria se o fizesse.

Por isso continuou parada - mais por não conseguir se mexer do que outra coisa -, e calada. A respiração saindo pesada e com dificuldade enquanto tentava identificar onde se encontrava apenas com a ajuda de poucos de seus sentidos. O cheiro não lhe era estranho, e presumiu que ainda estava onde sempre se encontrava: na estalagem de Bev, deitada em alguma cama talvez. E ela sentia frio, muito frio, se arrepiando toda e tremendo como se nunca tivesse sentido calor na vida.

E foi por meio da própria ânsia e aflição que a lembrança do ocorrido ficou nítida por trás de seus olhos, como se tudo ainda acontecesse ali na sua frente toda vez que se via pestanejar. Não acreditava que poderia um dia esquecer aquela sensação. A de impotência misturada com o desespero. O terror que sentia nos próprios gritos que eram barrados pelos socos que levava no rosto, e todo o desgosto e nojo que sentia das mãos que a tocaram tanto.

E não só sentia nojo daquelas mãos como também sentia nojo do próprio corpo, da própria alma que quase havia sido corrompida. Ou melhor, da própria existência que deixava a acreditar que ela merecia ser corrompida. Como se fosse tão inferior ao resto da humanidade que a perda de sua dignidade não deveria ser preocupante. Como se a realidade que enfrentava, por ser quem era, não era um assunto a ser discutido ou até mesmo impedido.

Então por isso sentia nojo. Nojo das partes de seu corpo que haviam sido tocadas. Nojo da dor que sentia e das roupas que vestia. Ela queria chorar. Quis se arranhar até estar em carne viva. Mas do que adiantaria? Suas lágrimas seriam apenas mais um lembrete do que passara, assim como aquela dor que arrancava suas forças e todos os hematomas que provavelmente possuía.

Não conseguiu se controlar e abriu os olhos, mais pelo terror do que por outra coisa - como se pudesse ser atacada novamente a qualquer momento, e sentiu a ânsia em seu ponto máximo. Sabia que qualquer movimento brusco poderia ser fatal, então se contentou em permanecer com a cabeça parada, os olhos se movendo para todos os lados. E demorou alguns segundos até conseguir focar o olhar, que antes se via turvo, e relaxou ao perceber que estava mesmo na estalagem.

Percebeu que seu coração batia rápido demais, com medo do que ela encontraria ao abrir os olhos, e demorou mais alguns minutos apenas para controlar a respiração. Só então se viu por satisfeita e virou a cabeça, observando exatamente onde estava. Ficou um pouco surpresa quando descobriu que não estava sozinha. E só um pouco aterrorizada quando constatou que era um homem. Mas logo foi reconhecendo a pessoa, primeiro seu cabelo e depois seu contorno, lentamente, enquanto via seu semblante relaxar.

Era Dorian. E sua imagem parecia estranha demais ali, daquele jeito que se encontrava. Dormindo sentado com a cabeça levemente tombada para a frente, os fios de seu cabelo impossivelmente prateados encobrindo seus olhos fechados. Seu peito subia e descia devagar, e os braços estavam cruzados frouxamente ao redor do corpo, como um escudo que havia sido deixado de lado. E simplesmente não parecia... certo. Como se vê-lo dormindo fosse um crime que ela estivesse prestes a ser pega cometendo. Porque ele não parecia certo ali, humano demais. Ela sempre o associara à algo inalcançável. Como um anjo vingador que caiu dos céus, ou um pedido feito as estrelas. E enquanto ela o observava dormindo, ele era apenas humano. Um homem como qualquer outro.

Diane ficou tanto tempo o observando que quando finalmente reparou algo de estranho em sua postura - uma espécie de desconforto, no caso -, foi que notou o que havia de errado nele. Ela se levantou de um pulo, se erguendo sobre os cotovelos doloridos e viu pontos negros aparecendo em sua visão quando deu um grito e caiu de costas na cama novamente com tudo.

O rangido da madeira e seu próprio grito foram suficientes para acordá-lo. E Dorian abriu os olhos já alarmado,correndo-os pelo quarto enquanto se levantava tão rápido que ela mal pôde acompanhar. Quando o olhar dele finalmente se encontrou com o dela, Diane se viu corando, e fechou os olhos com força, virando a cabeça para o outro lado. Seu estômago gritava em protesto, enquanto ela segurava no corpete que a sufocava e a vontade de vomitar já parecia fora de seu alcance, incontrolável.

Ela tentou falar alguma coisa, abrindo os olhos novamente, mas não conseguia encontrar a própria voz, por isso segurou a garganta enquanto fazia um careta e permanecia com outra mão agarrada ao corpete apertado. Ela não sabia o que esperava que ele fizesse, já que ele parecia tão confuso e aterrorizado quanto ela própria, mas não precisou imaginar o que aconteceria porque naquele mesmo instante a porta foi aberta, e Bev entrou no quarto sem pedir licença.

Ela não olhou para Dorian, ou a menos dirigiu uma palavra a ele. Apenas passando reto e indo direto ao encontro dela, se ajoelhando ao seu lado.

– Como está se sentindo, querida?

Mas Diane não conseguia responder. E fazia mais caretas com os olhos arregalados esperando que Bev percebesse.

– Está tudo bem. Tudo bem - Bev tentou acalmá-la - Você está em choque, mas vai ficar tudo bem. Abra a boca.

Ela passava uma mão gentil em seu braço, tentando realmente fazê-la melhorar. Diane viu o ritmo de seu coração desacelerando, e soltou o próprio pescoço, abrindo a boca como a mulher ordenara. Bev a analisou por alguns segundos, virando sua cabeça de um lado para o outro e então a encarou sorrindo. Bondosa demais.

– Não há nada ali. Você está ótima. Felizmente o pior não aconteceu.

E foi então que lembrou. Dos últimos segundos de sua consciência e os associou a própria presença de Dorian naquele quarto, percebendo que não a havia questionado ou até mesmo estranhado até aquele segundo. Ela levantou o olhar, procurando pelo dele novamente, mas ele estava com a cabeça virada para o outro lado. Os braços cruzados no peito.

– V-você... - ela pigarreou, tentando melhorar a voz rouca - Você está sangrando - e então olhou para o joelho dele, donde sangue jorrava impiedosamente, se perguntando como ele não se contorcia de dor.

Ele olhou para ela, o semblante tão impassivo que ela não podia imaginar o que passava em sua cabeça, e então olhou para a própria perna, como se não tivesse notado o machucado que definitivamente deveria tê-lo paralisado.

– Não foi nada - respondeu ele - Você deveria olhar o seu estado.

Ela pensou em sorrir. Mas naquele momento não sabia como, então apenas assentiu, voltando a encarar Bev, que fitava os lençóis da cama como se nunca tivesse visto algo tão interessante.

– O que foi? - perguntou Diane, tentando animá-la - Até parece que não passou por coisas piores na vida.

– É - riu ela - De fato passei - ela voltou a acariciá-la, agora se preocupando em tirar os fios da testa da garota - Mas isso não quer dizer que sou obrigada a conviver com um sorriso no rosto.

Ela finalmente foi capaz de dar um sorriso, que foi tão fraco e forçado que possivelmente mais se parecia com uma careta, mas Bev aceitou o gesto e sorriu de volta.

Então o silêncio reinou na sala, tão desconfortável quanto construtor de barreiras, que tudo que Diane se viu capaz de fazer foi observar aqueles dois seres tão diferentes notando o longo espaço que se encontravam um do outro, os olhares tão distantes quanto.

– O que aconteceu com vocês dois? - ela finalmente reuniu coragem para perguntar.

Dorian riu, ainda sem encarar nenhuma das duas, mas não parecia achar graça.

– Acho melhor você descansar antes de saber a grande notícia.

– Não - respondeu Bev por cima - Você não vai adiar isso. Você vai contar a verdade agora mesmo.

– Quem você acha que é para mandar em mim?

– Essa garota já sofreu o suficiente, e eu estou farta dos seus joguinhos.

Ele não respondeu. Os dois se encarando enquanto travavam um batalha silenciosa, um olhar mais mortífero que o outro. Por fim, Bev desviou o olhar primeiro, então se virou para ir embora.

– Me chame quando acabar.

E saiu batendo a porta sem dizer mais nada. Diane estava sem palavras, e havia conseguido erguer seu tronco e se esgueirar toscamente na parede enquanto observava a briga. Dorian continuava a encarar o ponto onde Bev acabara de desaparecer, de costas para ela, impossibilitando que ela enxergasse seu rosto enquanto permanecia de braços cruzados.

– O que foi isso tudo?

E ele não respondeu de imediato. Soltando o ar diversas vezes antes de responder num tom um pouco mais alto que um sussurro.

– Os caras que te atacaram, eles estavam atrás de mim.

Diane sentou mais ereta, já se preparando para levantar da cama.

O que foi que disse?

– Eu disse - repetiu ele, se virando pela primeira vez para encará-la intensamente - Que os homens que te atacaram estavam atrás de mim.

Ela franziu as sobrancelhas, analisando o rosto dele como se pudesse encontrar qualquer traço da graça de sua piada ali. Mas não. Ela não encontrou nada. Ele parecia mais sério do que nunca.

– E o que eles poderia querer comigo?

– Eles vieram me buscar, e eu recusei. Você foi apenas um incentivo. Uma peça no jogo deles para me fazer voltar para casa.

Ele enfatizou a palavra casa como se esta tivesse um gosto ruim em sua boca. Com uma amargura tão grande que ela pôde sentir na própria pele, se arrepiando.

– Buscar para onde? Para onde querem te levar?

Ela não podia mais se controlar. Mesmo com as dores e com a ânsia que continuava a retirar suas forças ela se levantou, sentindo que precisava encará-lo de frente para aquilo. Olho por olho.

A confusão era grande demais, e ela se via imaginando se tudo aquilo não era parte de um sonho. Como se tudo aquilo - inclusive os eventos da noite passada -, não passassem de um pesadelo sem fim. Apenas uma noite de tormenta que acabaria assim que ela abrisse os olhos. Mas Dorian era real demais. Apesar de sua própria existência que já parecia um pouco fruto da imaginação, sua presença era intensa. E ela sentia cada centímetro que se encontrava de distância dele como uma nova pontada em seu corpo.

Ele pareceu ter que se esforçar para continuar a encará-la, e seus cílios impossivelmente grandes piscavam também intensamente, como uma cortina de escuridão sobre aqueles olhos azuis esverdeados. Típico, pensou ela. Ao perceber o quão constrangida se sentia perto dele só pelo fato dele ser atraente.

– Para o lugar onde cresci.

– Pera deixa eu ver se eu entendi - começou ela, se esforçando para permanecer de pé - Sua família quer que você volte para casa - ela fez questão de utilizar o mesmo tom que ele - E querem me matar para ter certeza de que você faça isso?

Ele inclinou a cabeça para o lado, nem negando nem afirmando nada. Ela estava começando a ficar irritada.

– Eles não são exatamente minha família. Mas sim, querem que eu volte para o lugar onde cresci. Ou pelo menos onde aprendi a ser quem sou.

Ela pensou em pressionar sobre esse assunto da família dele - que não era exatamente sua família -, expondo o fato de seu discurso não ter sentido nenhum, mas decidiu que seria melhor não ao ver a expressão em seu rosto.

– E o que você quer que eu faça? O que diabos eu tenho a ver com isso?

– Como eu não posso voltar para lá, eles vão continuar vindo aqui, e vão continuar a persegui-la porque acham que isso vai me afetar de alguma forma - ela tentou não pensar nada a respeito disso - Você não está segura aqui. Eu conheço um lugar seguro, o único lugar onde eles não poderão te seguir.

Diane piscou. Ele não estava brincando. Estava realmente propondo que ela largasse sua vida toda, a vida que ela batalhara para conseguir com o próprio suor, e viajasse com ele até um lugar que ela desconhecia e que na teoria ficaria segura dos maníacos que a perseguiam (e que quase a estupraram) simplesmente porque fora vista no mesmo ambiente que Dorian, e assim marcada como uma vítima de seus atos. Como um objeto que serviria apenas como um incentivo para que o garoto voltasse para casa.

– Isso é ridículo - foi tudo que foi capaz de dizer.

Ele suspirou exasperado, como se já previsse uma reação daquelas e não tinha paciência para enfrentá-la.

– Sim, é ridículo. Tudo é ridículo. A vida é uma bosta, olha que engraçado. E a melhor parte de tudo é que você não tem opção.

Hump - exclamou ela, indignada o suficiente para cruzar os braços apesar da dor - Eu não vou a lugar nenhum com você.

– É claro que não - riu ele - Você está tão ansiosa assim para conhecer seu criador?

– Um bando de homens, que aparentemente são familiares seus, tentaram me matar, e você acha mesmo que eu vou para algum lugar que você considere seguro? Deixando todos e toda minha vida para trás?

– É, eles quase te mataram porque eu salvei sua vida - apontou ele - Se não fosse por mim você estaria morta, e é assim que me agradece.

– Ótimo, Dorian. Obrigado por salvar minha vida, muito obrigado mesmo. Agora me dê licença se eu quero te impedir de tentar destruí-la!

Mas antes que ele pudesse responder, a porta foi aberta violentamente outra vez e Bev deu um passo para dentro do quarto, segurando a própria cabeça como se esta estivesse prestes a explodir.

– Chega, vocês dois - berrou ela, interrompendo Dorian no meio de sua fala - Você vai, Diane. E ponto final.

Silêncio. Não na mesma intensidade que naquela primeira vez em que os três se encontravam no quarto, mas com um leve ardor no ar. Somando a incredulidade de Daine que parecia fluir de dentro dela junto com o desconforto dos outros dois presentes.

– O quê?

– Escute - pediu Bev, que um uns belos centímetros mais baixa do que ela, segurando os ombros da menina como se tivesse medo de que ela fosse sucumbir - Homens como esses que estão atrás do Dorian não desistem. Eu conheço eles, essa não é a primeira vez que isso acontece - ela engoliu em seco.

– Como assim não é a primeira vez que...?

– Me ouça, por favor - interrompeu ela, segurando-a com mais urgência. Diane recuou um passo, sentindo realmente como se fosse cair a qualquer segundo - Eles não vão te deixar em paz. No momento que te escolherem eles decidiram seu futuro. Você não pode lutar com isso, é mais forte que você.

– Eu não quero... - ela nem conseguiu terminar suas palavras, o pânico roubando-lhe a voz. Sentia-se diminuída, ainda muito mais do que quando acordara. Como se algo muito importante tivesse sendo roubado dela, algo que ela não podia viver sem.

Então permitiu que as lágrimas escorressem pelo seu rosto. Por todos os momentos ruins de sua vida, com destaque especial nos que ocorreram nas últimas vinte e quatro horas; e então pelo futuro. Que pelo que Bev dizia também já tinha sido determinado.

– Eu sei que não quer, criança - ela segurou seu rosto. Com suas mãos bondosas e carinhosas, as veias que a compunham cheia de histórias para contar - Mas é o único jeito. Isso não é um medida definitiva, é temporária - sua voz parecia falhar agora, como se ela não conseguisse acreditar nas próprias palavras - É o único jeito. O único jeito de impedir de uma vez por todas que isso aconteça novamente. O único jeito de fortalece-la para que ninguém jamais pense que possa controlá-la.

Então Bev lhe abraçou. E Diane se perguntou quantos abraços recebera como aquele, as lágrimas caindo com mais intensidade enquanto constatava que nunca mais chegaria tão próxima do amor que aquela mulher que a agarrava em seus braços transmitia.

E então ela encarou Dorian, por cima do ombro trêmulo de Bev, e viu o vazio em seu olhar. Como se nada pudesse abalá-lo. Mas então uma sombra pareceu dançar pelo seu rosto (ou talvez fosse apenas as chamas das velas dando-lhe aquela impressão), e ela pôde jurar que seu semblante endurecia numa espécie de preocupação misturada com uma raiva tão vívida e gloriosa que tudo que ela pode pensar do lugar que estava prestes a ser guiada foram as últimas que pensara antes de ter certeza de que fugiria de casa.

Terrível terrível e terrível.

***

Até a choradeira passar, e mais alguns olhares de advertência do lado de Bev para Dorian, eles permaneceram os três naquele quarto pequeno e iluminado pelas chamas das velas sem ter exatamente o que dizer para o outro.

Dorian se recusava a dizer para onde estavam indo, declarando que mesmo que dissesse ela não saberia onde ficava. E Bev tentava dar um aula de primeiros socorros no curto período de tempo que possuía.

No final, Diane acabou ignorando os dois (não era como se falassem muito de qualquer jeito), e se retirou para o próprio quarto que dividia com Brielle. Já que aparentemente todo aquele tempo estavam no alugado por Dorian. Ela tentou não pensar que se deitara sobre a mesma cama que ele enquanto pensava noq ue poderia levar para a viagem.

Não é como se tivesse muitas coisas suas. Não pôde trazer praticamente nada consigo quando fugira de casa além das roupas do corpo e um pequeno saco de moedas. Já que saiu com pressa e não tinha quase nada que pudesse considerar seu. Aquela situação não se via muito diferente.

Dorian disse que ela tinha meia hora para arrumar suas coisas e se despedir de todo mundo.

O quanto antes partissem melhor, dissera ele mais cedo.

Grande merda, respondera ela mentalmente, desejando que ele realmente pudesse ouvi-la, mas não tendo coragem de expressar suas opiniões em voz alta.

Era estranho imaginar que há poucas horas ela estava deitada numa cama (a cama de Dorian. O que não vinha ao caso), e impossibilitada de se mexer ou até mesmo falar. E agora estava prestes a embarcar numa viagem cujo rumo ela desconhecia, e que tinha os propósitos mais egoístas do mundo. Novamente se via na posição de ter que sacrificar sua vida pelo benefício de outra, e agora não tinha tanta certeza de que se recuperaria do percurso.

Alguém bateu na porta e ela deu um pulo, segurando sua capa rapidamente junto ao corpo. O cabelo prateado foi a primeira coisa que viu.

– Pronta?

Ela assentiu, e ele assentiu de volta. Mas segurou na maçaneta e se apoiou na porta como se estivesse indeciso do que faria em seguida.

– Hum... Eu... - começou ele - Quer dizer... - ele engoliu em seco, impaciente - Me desculpe.

Diane o encarou. Observando o quão desconfortável ele parecia se sentir ali. Então deu um passo para frente, decidida, e passou por ele seguindo pelo corredor sem dizer uma só palavra.

Ela desceu as escadas, e mesmo que imaginasse que demoraria muito tempo a entrar naquela estalagem novamente, ela não tinha ideia do quanto. De fato, enquanto descia aquelas escadas, e observava com atenção todo a agitação que parecera tão convidativa dois anos atrás, ela nem ao menos se sentiu triste. O mundo que ela conhecia ainda parecia certo, e o que entendia como verdade ainda não poderia ser considerado uma grande mentira. Em resumo, ela ainda era humana, e mesma com as inúmeras falhas, sua vida era perfeita. Perfeitamente normal.

Diane passou pela multidão enquanto vestia sua capa. Tentando passar despercebida tanto pelos clientes quanto por aquelas garotas que ela conhecera como colegas de trabalho. Viu Brielle atendendo uma mesa de meia dúzia de homens que exigiam cerveja com uma careta, e imaginou o falatório que jogaria para cima dela se soubesse com quem Diane estava fugindo dessa vez. Apesar de tudo ela foi capaz de sorrir por debaixo do capuz da capa, percebendo que sentiria falta da garota. E desejou do fundo do seu coração para voltasse logo.

Aquela estalagem era sua casa. Um casa que ela escolhera, sim, mas mesmo assim o único lugar que ela poderia ter chamado de lar.

Ela chegou na porta e a empurrou com força, o vento da noite atingindo seu rosto mesmo por debaixo da proteção. No momento que a porta se fechou atrás dela, ela respirou fundo, olhando para a imensidão do branco da neve misturado com a escuridão da noite. E sentiu medo, cogitando a ideia de voltar atrás. Mas então a porta se abriu novamente e Dorian saiu acompanhado de Bev, que ainda tinha as lágrimas nos olhos, e ela percebeu que não podia voltar atrás.

Bev a abraçou uma última vez, e Dorian se afastou um pouco, para dar espaço às duas. Apesar de tudo, a mulher de pele escura e lisa como a noite sorria, as linhas de expressão do seu rosto mais acentuados do que nunca.

– Você vai ficar bem - garantiu-lhe ela - Lembre-se disso, mesmo que tudo dê errado, você vai ficar bem.

Diane sorriu.

– Eu não enxergo a lógica disso.

– Mas um dia vai ver - Bev acariciou o rosto dela como fizera mais cedo - E quando enxergar isso vai entender porque fizemos isso.

– Vocês estão escondendo algo de mim, não estão? - questionou ela, mesmo já sabendo a resposta.

– Algumas verdades não são feitas para serem ditas. São feitas para serem vividas.

– E se algo de ruim acontecer no caminho?

– Confie nele - ela indicou Dorian com a cabeça, não parando de fitá-la - Pode não parecer mas ele é tão humano quanto nós, e mesmo que faça questão de esquecer isso as vezes, é o mais atingido de todos - Diane assentiu, mesmo que agora não tinha mais certeza no que acreditar - Cuide dele por mim, tudo bem? Existem muitas formas de machucar uma pessoa, e ele também gosta de esquecer de que nem todas as cicatrizes escorrem sangue.

– É... Considerando o que estamos prestes a fazer, acho que eu é que vou precisar de mais proteção.

– Cuidem um do outro, e ficaram bem.

Ela deu um beijo na testa da garota e soltou sua mão.

– Agora vão - disse, secando as lágrimas - O sol já vai nascer. Vocês precisam estar longe daqui quando isso acontecer.

Diane não fazia ideia de como se despedir, então apenas assentiu, se virou e não olhou para trás.

Em alguns anos, ela consideraria tudo que poderia ter dito. Ou até mesmo tudo que poderia ter feito de diferente em sua vida enquanto se via presa nos próprios pensamentos enjaulada em uma cela no subterrâneo.

Mas naquele momento, o sol estava prestes a nascer, e eles simplesmente não tinham tempo.


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Notas finais do capítulo

Ohho. Demorei um tiquinho, né? hehe. Mas nem vou dar minahs desculpas habituais pq vcs com certeza já decoraram tds (acreditem é td a mesma merda - no caso essa escola infernal atrapalhando minha vida)
Mas to aq, batalhando em meio a provas e listas de livros imensas que tenho que ler (além das minhas séries td fora de dia - meu pesadelo) para escrever capítulo grandes e lindos pra vcs :D
(grandes ctz, mas não taõ lindo talvez kkkk)
bjs, ninsa



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