Ethereal escrita por Ninsa Stringfield


Capítulo 12
Décimo Primeiro




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Era inebriante. A sensação de controle, de poder. Mas acima de tudo, aquele era o gosto da tentação.

Quinn Griffith nunca pensou em ser poderosa, nunca foi ambiciosa o suficiente. Mas quando o destino lhe ofereceu a chance de sua vida - a chance que acabaria por arruiná-la -, ela não foi capaz de negar. Todos tinham um preço, ela agora tinha certeza disso.

Enquanto a multidão corria desesperada de um lado para o outro, ela se viu parada em meio ao caos assim como todos os Ilegítimos, desinteressada na confusão. Mas não demorou muito a ser notada. Os olhos que vinham a encarando desde que chegara na festa com Diane voltando a golpeá-la acusatórios, tão imperturbados quanto ela própria.

Dakota Ning não sabia o que estava esperando. Tinha sentido a estranheza dos convidados no momento que pisaram em sua casa, mas sabia que não poderia agir sem ter certeza. E concluiu que a atual situação, desde de os gritos para os corpos que caiam no chão, era a confirmação que tanto esperara.

Quando ela perdera a garota de olhos de fogo em meio a multidão, que sumiu assim que se afastou de seu filho, Dakota teve certeza de que havia algo errado. Ela não pôde acionar a segurança na hora, então se contentou em observar os convidados que chegaram junto com a garota misteriosa. Não demorou muito até que a verdadeira confusão começasse, e um súbito odor agridoce no ar chegou aos seus sentidos como um catalizador do caos. O primeiro corpo caindo desacordado no chão.

Inicialmente, todos apenas se viraram chocados para o corpo, o silêncio reinando assim que os músicos pararam de tocar. Dakota foi a primeira a se aproximar, seguida de perto por um grupo da guarda. Ela parou ao lado do corpo e franziu o cenho, tentando entender o que acontecia. Então veio o segundo corpo, e o terceiro, e o quarto...

E não havia mais paz. Todos começaram a gritar e a correr na direção da saída, com medo de serem atingidos por seja lá o que os atingia, mas se viram bloqueados assim que chegavam nas portas, que eram guardadas por homens e mulheres com sorrisos bordados em sangue.

Dakota foi rapidamente empurrada junto ao seu marido para longe da confusão, para uma das saídas de emergência provavelmente, mas não antes de se virar e procurar pelo rosto familiar e sombrio que desconfiou tanto. Mas o que encontrou no lugar foi outro rosto, outro que também vinha encarando desconfiada, e um dos cantos da boca da garota loira se levantou. Ela pareceu jogar um desafio, um que Dakota aceitou de bom grado. Então um segurança se pôs em frente ao seu campo de visão, e a mulher permitiu ser levada embora.

Quinn observou o casal Ning partir antes de voltar a encarar o resto do salão. Ela, assim como todos os Ilegítimos presentes, havia ajudado a manter os convidados do lado de dentro da casa, enquanto segurava um pedaço de pano na frente da boca para não ser atingida pelo gás.

Assistiu indiferente enquanto o que sobrou dos convidados tossiam desesperados antes de caírem no chão. Quinn não entendia porque reclamavam tanto, nem ao menos estavam mortos, apenas desacordados para não atrapalharem. Eles permaneceram parados mais alguns minutos com o pano no rosto para ter certeza de que o gás não mais os atingiria, abrindo portas e janelas.

Quando finalmente se deram por satisfeitos, começaram a pegar as armas escondidas em meio as roupas que vestiam. Quinn levantou a saia do vestido e pegou as pistolas artesanalmente feitas para ela, então arrancou bela parte da calda do vestido por raiva, jogando o tecido longe.

— Alguém parece irritado - constatou uma voz ao lado dela.

Quinn ergueu a cabeça.

— No dia que você for obrigado a esconder duas pistolas dentro de um vestido justo, eu tenho essa conversa com você - vociferou ela em resposta.

Sebastian apenas soltou um riso antes de se concentrar no dispositivo em seu ouvido que acionara.

— O salão principal está limpo - relatou ele.

Entendido - respondeu a voz de Evans para que todos os Ilegítimos pudessem ouvir no canal de comunicação - Corvo, está na posição?

Silêncio.

Quinn parou de conferir a munição de sua arma.

Corvo, está na escuta? - voltou a perguntar Evans. Ele xingou alto - Merda. Ela não responde, acho que perdi contato.

Quinn acionou o próprio dispositivo.

— Como assim perdeu contato? Cadê ela? - gritou.

Não sei, o localizador não está funcionando - ela podia ouvir Evans digitando desesperadamente no outro lado, algum membro de sua equipe gritando ordens ao fundo - Ela estava nos dutos de ar então puft, sumiu.

Como ela pode ter sumido? Não foi ela quem armou a bomba? - perguntou Sebastian, a voz levemente alterada.

Eu não sei! - gritou o garoto no outro lado da linha - Quer dizer, sim..., ela armou a bomba, mas eu perdi o sinal dela. E a linha está em silêncio.

— Não podemos esperar por mais tempo, o casal perfeição já deve estar saindo pela saída de emergência - falou uma voz atrás deles. Era Julian, um dos garotos do esquadrão do Sebastian - Temos que abordá-los antes que cheguem no helicóptero.

Não era como se eles não soubessem disso. Quinn lançou outro olhar para Sebastian, como se o desafiasse a dar a ordem. O que era ridículo, porque ele obviamente daria a ordem. Ele desviou o olhar primeiro, e ela poderia tê-lo socado ali mesmo.

— Sigam com o plano - gritou Sebastian - O casal Ning não pode chegar naquele helicóptero. Já fizemos nossa boa ação do dia e agora estão liberados para matar qualquer um que se puser no caminho. Estamos entendidos?

Os Ilegítimos concordaram, e uma série de clicks foram ouvidos assim que cada um deles destravava a trava de segurança de suas armas.

Sebastian jogava ordens para a equipe com tamanha facilidade que parecia que o plano havia sido dele o tempo todo. O modo como seu rosto endurecia enquanto ele gritava, sério demais para um rosto tão jovem, conseguia milagrosamente deixá-lo mais belo, e consequentemente, menos humano.

Quinn tinha aprendido a ignorar a irrevogável beleza dos Ilegítimos, mas quando ela olhava para Sebastian, negava a própria sanidade. Sua beleza não era simplesmente exagerada, era desumana, a ponto de não parecer real. Mas ela gostava disso, gostava de olhar para ele e descobrir cada vez uma coisa nova. Ele era o mais mutável de todos eles, e apesar disso era sempre o mesmo. Não importava o quanto ele mudava exteriormente, Sebastian era sempre o mesmo garoto que ela vira chorando muitos anos atrás.

E por isso mesmo, Quinn realizou a proeza de fazer o som de sua arma destravando soar mais alto e intimidante do que dos outros. Questionando uma ordem exatamente como foi treinada para não fazer.

— Qual é o seu problema? - gritou ela para Sebastian - Diane está desaparecida e você vai deixar por isso mesmo?

Ele passou a mão no rosto e destravou a própria arma, colocando-a de volta no coldre e pegando um rifle da mão de Julian bruscamente como que para se sentir melhor.

— Não, eu não vou deixar por isso mesmo - negou ele para a surpresa dela. Ela conseguia ver o desespero em seus olhos, e se perguntou como ele conseguia parecer tão controlado mesmo em uma situação como aquela - Porque você vai atrás dela.

O quê?

Sim, Lobo, eu cuido do seu posto. Agora vá.

Quinn apontou o indicador para o rosto dele.

— Você está brincando comigo?

Ele levantou o rifle e ergueu uma sobrancelha.

— Eu pareço estar brincando?

Quinn sorriu, mas Sebastian não conseguiu ver a reação dela pois tão logo deu a ordem como já foi se afastando, preparando as armas enquanto dividia o grupo - parte dele, parte dela -, e seguiam em ordem pelo corredor onde o casal havia desaparecido. Ela se virou na direção oposta, ligando o dispositivo no ouvido.

— Evans, me dê a última localização de Diane.

Como assim?

A localização - repetiu impaciente - Eu quero saber onde você perdeu o contato com ela.

Você não pode ir atrás dela, vai te desviar da verdadeira missão!

Ela soltou uma exclamação, indignada e incrédulo.

— É claro que posso, por que eu não poderia?

É do infame Mu Ning que estamos falando aqui - lembrou Evans - O mafioso com a melhor segurança do planeta...

Evans, foco. Onde ela está?

Isso é informação confidencial, Quinn. Me desculpe— disse ele, então completou rapidamente: - Se a Cora souber que eu estou participando disso ela vai me matar lentamente.

— Se você não me falar agora, eu vou te esfolar vivo.

Ele suspirou exasperado. Quinn podia jurar que ele despenteava o cabelo com raiva.

Corredor leste, dá em uma das saídas de emergência que eu mostrei— informou ele - Na que os Ning não usaram para fugir.

Conveniente - resmungou Quinn - Obrigada.

Então desligou o microfone e saiu correndo na direção das escadas. Pulou os corpos caídos ao seu redor e então por portas abertas. Alguns convidados tentaram encontrar refúgio por trás das portas, mas foram atingidos pelo gás antes que isso pudesse acontecer. Ela sentia pena. Pena de cada um deles por ter a infelicidade de cruzar o caminho com eles.

Ela podia ser uma Ilegítima, mas isso não a impedia de odiar cada fibra de seu corpo por ser uma.

Ela passou por uma única porta fechada no andar superior, mas não se prendeu ao fato, passando reto por ela e seguindo para o fim do corredor, onde ela sabia que havia uma porta escondida. Ela tocou uma falha na tapeçaria da parede e um display de reconhecimento digital se revelou. Não precisou se preocupar com siso também, porque Evans, que acompanhava tudo pelas câmeras de segurança que havia hackeado, abriu a porta, e ela se viu de frente a uma passagem escura.

Assim que a porta terminou de se abrir lentamente, luzes foram acesas no corredor longo e totalmente pintado de branco, estreito e que acabava em duas escadarias que seguiam para caminhos opostos. Ela seguiu a escada da direita, e se viu no térreo de novo. Acima de sua cabeça, a única cor que destocava do branco era o prateado dos canos de tubulação, que reluziam por todo o caminho do corredor.

Não demorou muito para achar o ponto onde Diane desaparecera, já que um pedaço de metal do tubo estava caído toscamente no chão juntamente com duas esferas que Quinn sabia que eram as responsáveis pelo sonífero que desacordara os convidados lá no salão.

Segurou firmemente o cabo de sua pistola enquanto ia até as esferas, percebendo manchas de sangue violentamente jogadas na tinta branca. Viu a marca de uma mão, feita com sangue, e definitivamente pertencente a Diane. Ela olhou para o fim do corredor, que terminava em uma porta que não deveria estar aberta. Quinn chutou uma das esferas para longe e correu para a saída, sendo atingida em cheio com uma rajada de frio da noite assim que pisou no lado de fora.

Tudo ali era tão diferente. A floresta era fechada demais para abrigar uma casa como aquela dentro de si, e era estranhamente silenciosa. Quinn se perguntou onde estariam os Ilegítimos, e se tinham encontrado o casal a tempo.

Ela deveria estar com eles. Sabia que pagaria caro por ter se separado mesmo com a permissão de Sebastian. O que a fizera sair correndo daquele jeito?

Pensou em Diane, no dia em que a conhecera, tantos anos atrás, quando a garota não passava de um pequeno animal assustado. Quinn ajudara Sebastian a transformá-la no que ela era hoje, inconsequente e perigosa. Letal demais até para o mundo em que viviam.

Quinn nunca questionara seu propósito como sendo uma Ilegítima até treinar aquela garota para deixar sua humanidade de lado. Foi como se, ao ensiná-la a se transformar num monstro, percebesse pela primeira vez a existência da fera dentro dela mesma.

Ela deixou os ombros caírem para a frente enquanto dava alguns passos para longe da saída. Sabia que teria que dar a volta na casa caso fosse se encontrar com Sebastian. Mas ela desistiria tão fácil de Diane assim? Por que ao menos se importava?

Ela era uma Ilegítima, pelo amor de Deus, nada no mundo deveria abalá-la.

Mas mesmo assim ela se via arranhando a palma das mãos indecisa sobre o que deveria fazer.

E foi parada daquele jeito, observando o mundo sem realmente reparar na floresta ao seu redor, que sentiu algo frio tocando sua nuca, e ouviu a voz que era carregada pelo vento até seus ouvidos:

— Onde está Wei Ning?

O homem falava em chinês, e Quinn não precisou se virar para saber que ele era um dos seguranças que Dakota Ning, que a havia fitado a noite toda, provavelmente mandou atrás dela.

— Eu não sei - disse ela se virando. As mãos para cima como se estivesse se rendendo.

O homem que apontava o cano de uma arma para seu rosto não era realmente um homem, e sim um garoto de no máximo dezoito anos. Não tão mais velho do que ela própria havia sido quando fora apresentado a esse mundo.

Sua mão não tremia enquanto segurava a pistola. Quinn sabia que poderia desarmá-lo tão fácil quanto respirava, mas então se viu perguntando o que aconteceria se ela o deixasse puxar o gatilho. Sentiria a dor, e então o quê? A morte? Ela não achava que merecia a morte. Não era humana o suficiente para isso.

Mas ela a deseja. Ah, como a desejava. O toque suave do mundo que a libertaria daquela vida. Que acabaria de uma vez por todas com a fera não tão mais enjaulada em sua cabeça.

O jovem chinês não estava satisfeito com a resposta. E em seus olhos Quinn pôde ver que ele atiraria. Nem ao menos hesitaria. Ele já tinha feito isso antes, talvez mais vezes do que ela podia imaginar. E ela se veria livre. Livre. Livre de tudo.

Tudo o que tinha que fazer era esperar.

Mas então provavelmente Diane seria morta - não tão misericordiosamente como ela estava prestes a ser -, e ela nunca poderia dizer a Sebastian o que se via incapaz de dizer. E além de tudo havia o segredo. O segredo que poderia destruir Diane. O segredo que ela tinha que revelar mas não podia. A única questão de sua vida.

E havia o garoto. Apontando a arma para sua cabeça numa distância perigosa demais. Ela teria que ser rápida, bem rápida caso desejasse...

— Tire o dedo do gatilho caso queira manter sua cabeça grudada ao seu pescoço - veio a voz que Quinn menos esperava, seguida da lâmina da foice tentadoramente pressionada contra o pescoço do jovem chinês.

O garoto engoliu em seco. Seu rosto se contorceu parecendo exprimir dezenas de sentimentos diferentes. Mas ele largou a arma, jogando no chão aos pés de Quinn.

— Bom garoto - disse Diane, então fez um longo corte em sua jugular, observando enquanto o garoto caía ainda horrorizado no chão.

Quinn ergueu o olhar, uma sobrancelha levantada. Ela sorria, mas sua cabeça doía, gritando internamente ordens que ela seguiria se tivesse bom senso.

Ela tinha bom senso. Só não na medida certa.

— Você demorou - foi tudo o que disse, tentando soar divertida.

Diane deu de ombros. Ela tinha um corte no braço que já estava praticamente curado, próximo de onde o traje de proteção acabava.

— É - confirmou ela, sorrindo - Matar chineses é mais trabalhoso do que eu pensava.

Quinn engoliu em seco involuntariamente. Esperou que sua companheira não houvesse percebido.

Culpada, culpada, culpada.

Eu lembro muito bem da parte "não haverá derramamento de sangue" do plano que você se empenhou tanto em repetir diversas vezes.

— Infelizmente - começou ela, limpando a lâmina de sua foice no terno do garoto caído aos seus pés - Sou uma agente do caos. Eu não poderia deixar de me divertir.

Então ela sorriu. Um sorriso que parecia um corte em seu rosto perfeitamente moldado para agradar a qualquer um. Um sorriso cruel que não pertencia a garota que Quinn um dia conheceu.

Culpada, culpada, culpada.

Era inebriante. A sensação de controle, de poder. Mas acima de tudo, aquele era o gosto da tentação.


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Notas finais do capítulo

EU CONSEGUI!! Ai cara qnto tempo eu demorei pra escrever esse mísero capítulo kkkkkk. Sério foi horrível, além da falta de tempo eu tb não tava conseguindo escrever!
Serio, doeu até kkkkk
Mas okay to de volta então tamo bem. Oq importa eh que maio eh o UNICO (um belo de um realce em "unico") mes sem prova até as férias, e bom vou tentar aproveitar ele ao maximo. No sentido de escrever no caso.
bjs, ninsa
(nao desistam de mim que eu sempre volto, seis sabem kkkkk)



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