Com Os Braços Bem Abertos escrita por FreudDepre


Capítulo 7
Come On Baby! Let's Eat Some Pizza!




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Mais um dia começa. Takeshi parece ser imune ao despertador, precisando sempre do meu brutal incentivo para levantar. Hoje escolhi jogar alguns travesseiros nele até despertar.

Vi que não estava funcionando e então resolvi adiantar o meu banho, me prevenindo, assim, de ficar dependendo dele terminar sua ducha para iniciar a minha. Enquanto era lentamente despertado pela água do chuveiro, fiquei repassando a última noite na minha cabeça.

"Acho que estou afim do Seo"

Fui pego de surpresa. Nada contra, apenas não imaginei que Takeshi seria gay, ou bi. Só espero que minha reação ou a falta dela, já que permaneci calado, não tenha ofendido meu novo irmão. Eu apenas não fazia ideia do responder.

"tá"

Acho que era o máximo que eu conseguiria. Então, foi melhor ficar calado.

A informação de que o Seo já havia saído com o Hisoda poderia ser útil, mas eu não sabia se poderia compartilhar. Também não sabia se poderia falar sobre Takeshi para o Seo. Então, resolvi apenas me manter neutro nisso tudo.

Saio do banho e, enfim, consigo acordá-lo.

Já bem em cima do horário, saímos de casa. A caminhada matinal mais uma vez estava sendo bem agradável, e apesar de a realizarmos em silêncio, como ontem, sinto que havia um certo desconforto no ar.

– Sua opinião sobre mim não muda, certo? - pergunta Takeshi.

– N-não. Eu apenas fui pego de surpresa. Eu continuo gostando da relação que estamos construindo como irmãos. - respondo.

– Eu vou ser bem sincero com você. Eu não achava até então que era possível para mim gostar de outro cara. Mas quando vi Seo pela primeira vez senti algo que tentei evitar ao máximo, mas a cada novo encontro com ele se intensificava. Ele é o tipo rebelde sonhador que vemos na maioria das bandas, que canta com a alma pois é uma forma de mostrar seus desejos ao mundo. E ao mesmo tempo tenho a chance de conhecer o lado não artista dele, que é igualmente tão interessante.

Eu então fico um pouco pensativo e só posso concordar com ele. Mesmo conhecendo há tão pouco tempo, Seo parecia ser uma pessoa incrível. Mas algo ainda me dizia para ficar fora dessa. Por alguns instantes realmente pensei em intermediar um contato mais direto entre os dois, mas me senti um grande cafetão, e então desisti.

Chegamos ao Kurosaki e mais uma vez Takeshi ficou babando pela nossa amável professora, e então pensei que ele realmente poderia ser bi.

– Agora que conhecemos as principais linguagens de programação, conheceremos as principais ferramentas de programação. Alguém arrisca um palpite?

Olho ao redor da classe e todos permanecem mudos, até que um menino mais ao fundo resolve interagir.

– Unity? - responde ele com uma voz bem pálida.

– Certo! Bravo! Alguém arrisca outro palpite? - insiste ela.

E eu então resolvo interagir.

– Visual Studio? Android Studio? Eclipse? Game Maker?

– Bravo, bravíssimo Rino! - elogia ela, enquanto fico vermelho.

– Mas devemos tomar cuidado e fazer distinção entre softwares que são usados para programar e softwares onde na verdade não programamos, mas sim montamos jogos através de Orientação de Objetos.

– Orientação de Objetos? - pergunta Takeshi.

– Sim. Orientação de Objetos é quando ao invés de botar a mão na passa com código, uma ferramenta nos permite criar novos aplicativos ou jogos simplesmente encaixando funções pre-determinadas, e em uma riqueza tão grande dessas funções que realmente podemos criar projetos realmente complexos. - explica Kasumini.

– Se estiver difícil para vocês fazerem a distinção, procurem softwares como o próprio Game Maker ou o Scratch. - completa.

O sinal então toca, encerrando mais uma manhã de diversão em meio aos códigos.

– Eu não duro até o final desse curso - reclama Takeshi.

– Calma, quando você estiver caindo, eu estarei lá pra te segurar. Ou te passar cola - brinco.

– E quando você acha que está finalmente livre, a didática da terra do tio Sam te chama. Ah como eu queria ter feito inglês mais jovem...

– Of course! But... (Claro! Porém...) - debocho dele.

– As vezes eu acho que você nasceu sabendo de tudo, Rino. Você me parece ter uma facilidade natural para entender as coisas ao seu redor. - diz Takeshi.

– Não é nada disso... eu não podia fazer mais nada da minha vida além de ler e estudar até pouco tempo atrás. Aliás, era minha única forma de fazer minha vida ser proveitosa. Hoje eu consigo achar outros prazeres, mas esse conhecimento acumulado que você acredita que eu possuo me custou um preço alto.

– Que triste. Não queria te deixar assim, desculpe.

– Não se preocupe. Eu realmente não vejo isso como algo negativo, afinal. Hoje as coisas estão mudando, e pelo menos não preciso passar a tarde estudando inglês... - brinco com ele.

– Mas você é um metido, ein - retruca Takeshi.

– Bem, vou lá pois o tempo não para. Até mais tarde, meu pequeno sequelado.

Eu rio e retruco.

–See you later, brother! (Vejo você mais tarde, irmão!).

Ele então sai do Kurosaki e eu percebo que é minha hora de ir embora também. Já começando a acostumar com o ritmo das aulas, não me sinto tão indisposto e resolvo explorar o colégio.

Mas logo no começo da minha aventura do dia sou surpreendido por Seo.

– Oi Rino! Fazendo o que de bom?

– Nada demais, dando uma volta para conhecer a escola.

– Vejo que você está com tempo livre, então. Ótimo! Vamos lá para a minha casa.

– Assim? Sem nem oferecer um cafezinho antes? - brinco surpreendido pelo convite repentino.

– A gente providencia seu cafezinho quando chegarmos lá. E então, você topa? Você disse que me ajudaria quando eu tivesse dúvidas com a matéria, promessa é promessa!

– Ok, só preciso avisar ao meu pai - respondo enquanto pego o telefone para dar o aviso, sem me lembrar exatamente quando prometi isso a ele...

– Alô, pai? Então, estou indo pra casa do Seo agora. Estou ligando pra te avisar.

– O Seo? Ah, claro. O Seo. Estou indo para casa almoçar, avisarei Nakamura. Não se preocupe. - responde ele.

– Não volte tarde, ein? Não quero os pais de Seo pensem que você não tem casa. - brinca.

Desligo então o telefone e confirmo o aceite ao convite repentino do popstar.

– Ah, Rino... sinto que estamos nos tornando grandes amigos!

Mei então chega e buzina esperando que Seo reconheça o sinal. Ele então me pega pelo braço e me faz correr até o carro.

– Oi, Rino! Quanto tempo! - brinca ela.

– Olá dona Mei! Já devem fazer incríveis 12 horas que não nos vemos, certo? - resolvo entrar na onda.

– Meninos, eu tenho um compromisso logo mais e por isso vocês terão que pedir comida em algum delivery para almoçar. Tudo bem? É só escolherem um deles nos ímãs na porta da geladeira, não tem mistério.

– Mãe, fazer o cabelo não é compromisso. É vaidade. - fala Seo em tom de implicância.

– Mas agora veja. O menino que vai ao salão de 15 em 15 dias querendo criticar a mãe... - responde Mei, deixando Seo levemente ruborizado.

– Alguém pediu por essa. - comento.

Chegamos à casa de Seo. A mãe dele nos deixa na porta e sem ao menos alguma pausa segue ao seu destino.

Seo e eu entramos e o imóvel está escuro, com tudo fechado. Cortinas pesadas impediam o sol de bater na sala, e eram poucas as frestas que permitiam pálidos raios de sol iluminarem o ambiente, deixando tudo com um alaranjado escuro.

De certo modo aquilo era relaxante.

Momentos depois de chegar e ao lembrar que na noite anterior havia sido a mãe de Seo a preparar nossos quitutes, notei que eles não possuíam empregados. Algo estranho para uma família de classe média alta como a dele, que podia até investir no sonho do filho de ter uma banda.

– Rino, eu vou tomar uma ducha e já volto. Pode explorar a geladeira enquanto não pedimos algo para comer.

– Ok, capitão.

Eu realmente estava com fome, e por isso não hesitei quando ele me deu o aval de desbravar o eletrodoméstico e tudo que ele poderia me oferecer.

Haviam tantas opções. Geleias importadas, chocolates com rótulos em línguas que pensei que nem ao menos existiam, bebidas de todas as cores, e tantos outros alimentos não identificados que se avistados de um ângulo um pouco mais distante, eu poderia dizer que formavam um quadro de arte dadaísta.

Acabei simplesmente comendo alguns mochi* que estavam na porta da geladeira.

Seo então desce dizendo que pouco antes de entrar no chuveiro, havia ligado para Hisoda, pedindo a ele para trazer uma pizza.

Depois de comer mochis que acabei descrevendo como alguns, mas na verdade foram dez, me joguei em um dos sofás da sala apenas para refletir quão terrível foi a decisão de encher o cu de comida dessa forma.

Seo, então, me olha com uma cara estranha.

– O que foi? - Pergunto.

– Espera. - diz ele enquanto vai para a cozinha.

Alguns instantes depois ele retorna.

– Você comeu os mochi da geladeira?

– ...comi. - respondo com um certo receio.

Ele então parece querer rir, mas prende.

– Eles estavam vencidos, Rino.

Faço então uma cara de enjoo profundo, recebendo a informação que me ajuda a entender um mal-estar tão repentino.

– Você acha que se os mochi estivessem bons, haveria necessidade de pedir comida?

– Aliás, foi um erro dizer pra você mordiscar algo enquanto esperava. A maioria das coisas que estão na geladeira estão vencidas, porque aqui raramente alguém come em casa. - completa.

Ele então rapidamente me oferece um remédio para a azia que eu estava sentindo.

– Aqui, toma - diz ele enquanto senta ao meu lado.

– Obrigado.

– Acho que nossa tarde de estudos terá que ficar pra outro dia, né? - brinca.

– Ah, não acho que isso será um grande problema. Que dúvidas surgiram depois da aula de hoje?

Ele então me olha por alguns instantes e sobe as escadas. Fico sem saber o que esperar, ate que ele desce novamente.

– Aqui. - diz ele abrindo um caderno que presumi ser seu caderno para as aulas.

Olho mais atentamente e vejo que diversos rascunhos, até que com o virar de mais páginas, vejo letras menos rasuradas.

– É aí que você anota suas ideias musicais? - pergunto.

Ele ri.

– Na verdade, não. Entre nós, mais um segredo, nem sou eu quem escreve boa parte das músicas da Triple B. Nossos assessores possuem todo um plano de marketing que vai da divulgação dos nossos shows até letras bem planejadas para que uma parcela enorme do público se identifique.

– Nossa, sério? - pergunto, abismado.

– Claro, Rino. Eu consigo convencê-los a me deixar tocar algumas composições mais autorais, mas a maioria de nossas músicas são planejadas para que o público se sinta nelas, e por isso desenvolva um afeto tão grande.

– O mundo do show business não é só glamour, pelo visto... - comento.

– Não mesmo.

– Mas então, sobre o que são essas anotações?

– São poesias. Eu quero mostrá-las a você. - diz Seo.

" Choro com os dias

em que passo sem você

mas de longe, observo

esse amor que não pode acontecer

de alguma forma, me conforta

que você nem ao menos suspeite

que um cara, como eu

possa ter esse deleite

que mesmo imaginário

mas tão vivo

faça com que os meus dias

façam algum sentido

"

Eu não consigo explicar minha reação após ler a poesia do Seo. Takeshi tinha toda razão em estar caidinho por ele. De alguma forma o cantor-poeta conseguia tocar em nossas almas.

– É lindo, Seo.

– Eu usaria em uma de minhas canções. Mas essa poesia, especialmente, foi descartada pela equipe de marketing por deixar uma ambiguidade muito forte sobre minha orientação sexual. Dizem que é algo que mexeria com o fandom. - explica ele.

– É um mundo realmente cruel. Troca-se a arte simplesmente pelo espetáculo... vazio de significado. Vazio da representatividade do artista. - reclamo.

– É exatamente isso.

– Mas quem sabe você não possa fazer uma apresentação exclusiva pra mim algum dia? - tento descontrair.

– Aliás, o Takeshi também adoraria. - completo.

– Eu gosto muito de vocês dois, viu? - diz ele, me deixando vermelho.

– E eu posso fazer mais que uma performance exclusiva para você, Rino.

De alguma forma eu entendi imediatamente o que ele estava propondo. Ou achei que sabia. Eu estava bem confuso e nervoso.

Ele então, sentado ao meu lado no sofá, se aproxima um pouco mais, e vem com o seu rosto em direção ao meu, chegando perto e mais perto, e eu sentindo cada vez mais forte sua respiração em mim.

E então a campainha toca. Algo dentro de mim comemorou aquilo para evitar qualquer situação que viesse a seguir.

– Hisoda com a pizza. Pelo menos vamos matar quem está nos matando, a fome! - diz ele um pouco envergonhado, tentando desconversar.

Ele então vai abrir a porta.

– E aí, irmãozinho?

– O que você faz aqui? - diz Seo com um tom de voz bem sério a quem está na porta.

A pessoa então se convida para entrar e me vê no sofá.

– Vejo que está com visitas. Não queria atrapalhar...

– Então, Rino. Esse é o irmão que comentei outro dia. - diz Seo, aparentemente frustrado e preocupado.


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Notas finais do capítulo

*Na culinária japonesa, mochi ou mais comumente no Brasil, moti, é um bolinho feito de arroz glutinoso moído em pasta e depois moldado.



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