Com Os Braços Bem Abertos escrita por FreudDepre


Capítulo 5
Funny Bunny


Notas iniciais do capítulo

É o primeiro dia de Rino e Takeshi no curso, e eles não perdem por esperar as surpresas que o Colégio Kurosagi os reserva!



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E o começo do ano passou voando. Tanto tempo indo dormir a hora que eu bem entendia desregulou completamente o meu relógio biológico para funcionar de acordo com o mundo lá fora. Era o nosso primeiro dia no curso. Eu estava ansioso, ao mesmo tempo que desejava continuar na minha cama.

Ainda são 6h, e mesmo que dê para ir andando para o Colégio Kurosaki, não queria correr o risco de me atrasar.

Eu diria que Takeshi se encontra morto. Com um travesseiro na cabeça e outro entre as pernas (o que é um hábito que venho percebendo nele ultimamente) baba toda a cama, enquanto sua respiração só pode ser observada se você estiver bem perto e fazer um grande esforço.

Com muita pena, o acordo.

– Takeshi, vamos lá - e completo jogando um travesseiro nele.

Ele então levanta em um pulo, e logo volta a se deitar. Agora acordado e já imaginando o porquê de não poder voltar ao mundo dos sonhos.

– Acaba 14h né? - pergunta ele.

– Para mim, sim. Não sei se você lembra, mas resolveu pegar um curso de inglês também.

– Eu quero morrer, Rino.

Malandramente me aproximo da porta do quarto, e quando estou a uma distância segura de Takeshi, aviso que serei o primeiro a tomar banho. Assim, se a donzela demorasse demais, eu poderia partir sem ele.

– Não se preocupa. Já tomei banho antes de dormir.

– Porco - brinco.

Rapidamente me arrumo, e então ele vai para o chuveiro. Quando o relógio marca 6h36, o vejo descer as escadas já arrumado.

– Aleluia, ele não passou a vida no banho!

– Mas poderia passá-la na cama. - brinca

Meu pai então desce também e nos cumprimenta.

– Bom dia, meninos. Tem certeza que não querem uma carona para o colégio?

– Não precisa, pai. É um caminho totalmente oposto ao seu, fora que caminhando chegaremos lá em no máximo 20 minutos.

– Minha mãe ainda está dormindo? - pergunta Takeshi.

– Sim. Ela não irá hoje, então qualquer problema que tiverem, podem entrar em contato com ela, tudo bem?

– Ok. - respondemos.

– Agora, Rino, vamos logo. Assim vamos nos atrasar.

Eu só havia me esquecido de um detalhe: não havia comido nada! Meu dia não começa se eu não tomar café da manhã.

– Takeshi...

– O que foi?

– Eu ainda não comi...

– Fala sério, Rino. Te dou cinco minutos. Depois, vou na frente.

Corro para a cozinha e percebo que qualquer refeição me tomaria bem mais que cinco minutos. Procuro, então, na dispensa, pelo menos leite. Depois de muito revirar o local, acho o bendito.

Engulo um copo enquanto coloco uma fatia de pão na torradeira. O prazo de Takeshi já estava no limite, eu sabia que se ele cumprisse sua promessa, eu teria que correr para alcançá-lo. Sou interrompido, então, com o som do aparelho indicando que meu café da manhã estava pronto.

Pego, e então disparo rumo a ele, que já estava caminhando para o colégio, e corro um pouco para alcançá-lo, enquanto percebo que estou vivendo uma das cenas mais clichês e ridículas da minha vida: a famosa corridinha da estudante atrasada com torrada na boca.

– Eu deveria ter filmado isso, Rino. - tenta falar Takeshi enquanto ri de mim.

– Eu sou kawaii-desu demais, não é mesmo?

Caminhamos mais um pouco até chegarmos ao Kurosaki, um grande colégio técnico que oferecia os mais variados cursos: Programação de Jogos, Programação Visual, Jornalismo Para Novas Mídias... era algo que eu nunca havia visto parecido em qualquer outro lugar. Eu até cogito fazer o técnico em uma dessas outras áreas quando o de programação acabar. Afinal, tenho um ano livre, e cada técnico dura apenas seis meses.

Em meio ao silêncio que predomina entre eu e meu novo irmão devido ao não costume de acordar cedo, toma conta do espaço o agradável barulho do vento alcançando as folhas das árvores que eram tantas, mas tantas, que proporcionavam apenas passagem parcial do sol na rua. Em meio a galhos mexendo para lá e para cá, ele fazia o possível para penetrar a quase intransponível barreira natural para iluminar o local.

Por alguma razão, me veio uma sensação de extrema paz. Tudo tão calmo, eu finalmente fazendo algo da minha vida, com uma família maior para cuidar de mim. Eu não poderia estar mais satisfeito. Misteriosamente me veio uma música do Triple B à mente. Uma que eles tocaram no finalzinho do show de ano novo, a mais calma delas. Era um cover de Funny Bunny, de uma tal The Sketchbook.

Como eu descobri? Depois daquele show, Takeshi parecia realmente entusiasmado com a banda. Fui obrigado a ouvi-la durante alguns dias, até que ele esqueceu dela.

– Chegamos.

Takeshi interrompe meu momento Marte me traz de volta para a Terra. Ficamos ali, na frente da escola, olhando o quão gigante ela era. Possuía três andares, mas sua extensão para os lados era algo incrível. Talvez não tivesse reparado antes de chegarmos por estar muito distraído.

– Acho que para o dia ficar completo você deveria ser na verdade uma colegial transferida, com direito a apresentação na frente da classe e tudo mais, Rino.

– Claro. E você o senpai que me apresenta a escola e me defende das gangues de adolescentes rebeldes que se escondem nos becos de cada corredor. - Completo entrando na brincadeira.

Chegamos bem na hora. O sinal interrompe nossa conversa, e então cruzamos o portão principal. Do lado de dentro, muitos alunos. O Kurosagi parecia até ser um colégio de ensino regular pela quantidade de gente para áreas tão específicas.

O lugar era muito bem sinalizado. Novatos como eu e o Takeshi conseguimos achar a sala rapidamente. Diferente do que estávamos acostumados nas escolas, as carteiras aqui eram substituídas por fileiras de balcões brancos que ocupavam toda a extensão da sala, e eram entrecortados por pequenas divisórias. Em cada espaço reservado que esse desenho criava, estava um computador, teclado e mouse.

Nos acomodados, ainda um pouco surpresos. Antes mesmo que pudéssemos terminar de analisar o ambiente, entra alguém que julgamos ser o professor.

– Bom dia. É um prazer estar com vocês hoje. Meu nome é Tadoshi Kawa, e eu serei seu professor a partir de hoje.

– Pregando peças na turma nova, senhor Tadoshi? - diz uma mulher de aproximadamente 1,80, magra, com um batom vermelho forte, loira e de cabelos compridos, porém presos com um coque.

– Uau. - Ouço Takeshi falar.

– Me desculpem, crianças. Essa é apenas minha forma de dar as boas vindas. Vocês não terão um professor tão clichê como eu. Terão aula com a belíssima professora Kasumini Kusama.

– Bom dia, crianças. - se apresenta Kasumini.

– Criança, não. Eu já tenho até pelos, sensei. - comenta Takeshi baixinho, quase como se estivesse em uma dimensão onde a Kasumini dá alguma importância a ele.

– Se precisarem de alguma coisa, estarei na direção. Pois bem. Kasumini pode ser a mais bela, mas eu sou o chefe. - brinca Tadoshi.

– Agora, turma. Que tal nos apresentarmos? Claro, sem muitas formalidades. Eu quero saber seus nomes e o por quê de estarem aqui.

Me deu um frio na barriga quando Kasumini resolveu propor esse jogo de exposição à turma. Acho meu motivo muito bobo para comentar assim logo no primeiro dia. Mas minha sorte era que a turma deveria ter por volta de 12 ou 14 alunos. Se ela começasse pela outra ponta, teria tempo de pensar em algo.

– Vamos começar por aqui. Seu nome?

E, claro, ela resolve começar pela ponta de onde não só estou mais próximo, como sou o segundo, atrás apenas do Takeshi.

– Olá. Eu me chamo Takeshi, e estou aqui porque acho da hora fazer joguinho.

A sucinta e direta apresentação dele fez o clima de tensão inicial da turma ser quebrado. Consegui ouvir alguns risos, inclusive.

– Sim, realmente é da hora, Takeshi. Principalmente quando você compila o código e não dá nenhum bug. - brinca Kasumini.

– E o seu?

– M-meu nome é Rino. Eu estou aqui pois convivo muito com jogos, e quero aprofundar meu conhecimento sobre eles e desenvolver os meus próprios.

– Ótimo, Rino. E quer saber de um segredo? Depois que a gente descobre como eles funcionam por dentro, nunca mais os vê da mesma forma. - Comenta a sensei.

Ufa. Não fui tão mal quanto achei que iria. Enquanto o restante da turma se apresentava, eu ia me acalmando.

– Bem, acho que terminamos as apresenta-

– Desculpe-me pelo atraso, professora! - comenta uma voz que não me era estranha.

– Ah, claro... por favor, entre e se acomode.

Eu viro e então vejo Seo. O mesmo Seo da Triple B. Mas o que ele estava fazendo aqui???

Takeshi então levanta a mão e sinaliza que tem um computador vago logo atrás de nós.

– Ei, eu lembro de vocês dois! Foram vocês que invadiram o camarim no show de ano novo!

– Sim! - responde Takeshi de uma forma como se tivéssemos feito algo positivo ao invadir o camarim deles.

– Não imaginava que vocês eram nerdzinhos também.

– Estamos experimentando alguns cursos enquanto adiamos a fase do vestibular. - comento.

– Então seremos parceiros. Não sou muito bom nisso, então me ajudem, ok? Vamos fingir que vocês criaram uma dívida comigo naquele dia! - brinca Seo.

– Então, qual o seu nome e por que está fazendo esse curso? - interrompe a professora.

Seo então coça a cabeça e responde:

– Meu nome é Seo, e eu estou aqui porque meu sonho é ser hokage!

Toda a turma então ri, e nem a sensei resistiu, mas disfarçou escondendo a boca com um livro, fixando o olhar em Seo.

– Brincadeira... é que eu não tenho um motivo próprio para estar aqui. Meus pais acham que música não me dará um futuro, e como não quero passar pelos vestibulares agora, estão me obrigando a fazer alguns cursos.

A turma, então, fica em silêncio. Kasumini parece um pouco surpresa, mas ao notar que suas palavras eram sérias, tenta confortar Seo.

– Espero que o curso te surpreenda e você possa se divertir enquanto aprende conosco, Seo.

– Não se preocupe, sensei. Estou acostumado a esse tipo de coisa, e a diversão ao menos estará garantida, disso eu sei. - fala o vocalista do Triple B enquanto dá tapinhas nas minhas costas e na de Takeshi.

A aula então começa com alguns conceitos que eu considerava muito básicos para a programação: as linguagens mais usadas e suas aplicações. Seo e Takeshi pareciam um pouco perdidos nisso, mas pareciam pegar o jeito com alguns exercícios no final da aula.

O sinal então soa, e eu sinto um grande alívio ao saber que poderia ir para casa e dormir todo o sono acumulado.

– Eu quero morrer, Rino. - comenta Takeshi.

– Ah, você ainda tem o curso de inglês, né? - falo em um tom risonho, como quem está numa situação melhor.- A gente se vê mais tarde, Takeshi.

Enquanto vejo ele saindo pelo portão principal, lembro de quando chegamos e vimos como o colégio Kurosaki era enorme. Resolvo, então, adiar o sono, e gastar alguns minutos explorando o lugar.

Além de possuir muitas salas, haviam áreas abertas com muitas árvores. Provavelmente uma herança da rua onde o colégio ficava, que é muito bem agraciada de verde.

Caminho, então, para dentro do Kurosaki novamente, quando avisto alguém embaixo de uma árvore acenando para mim.

Era Seo. Parecia estar me chamando.

– Você já está indo embora? - pergunta.

– Sim. Você vai ficar aqui?

– Estou esperando minha mãe vir me buscar. Então, só me resta esperar.

– Você mora longe? Não sabe voltar sozinho? - questiono.

– Até sei, mas tenho pais meio super protetores. Até quando o assunto é a banda, eu só posso sair e fazer meus shows porque o nosso agente é amigo de confiança do meu pai.

Dou um pequeno riso.

– Do que está rindo?

– É que as aparências realmente enganam. Pelo seu jeito, eu realmente achava que você era um daqueles caras rebeldes que faziam o que bem entendiam da vida.

– Acredite, Rino. Se dependesse de mim, eu seria. - brinca Seo.

– Aliás, todo badboy é burro, você sabe né? Você entendeu a matéria de hoje?

– Entendi, sim. Você quer ajuda com isso?

– Nossa, eu ficaria bastante grato.

– Bem, já que você precisa esperar alguém chegar para te levar, e a matéria de hoje não foi muito extensa, creio que consigo te explicar nesse tempo.

– Ok, senhor crânio. - brinca novamente Seo.

Eu então resolvo perder mais alguns minutos ali numa das áreas verdes do Kurosaki explicando a matéria para o vocalista de uma das boybands do momento. É, minha vida havia dado uma virada radical, mesmo.

– PHP é uma linguagem voltada para web, para configuração de websites. Temos Java, em geral, para aplicações domésticas e até para aplicativos de smartphones. Até aqui está conseguindo entender as diferenças?

– Sim, de verdade. Nossa, você explica de uma maneira tão mais fácil.

– É que estou um pouco familiarizado. Eu gasto a minha vida no computador. - brinco.

A expressão no rosto de Seo muda.

– Que triste, Rino.

– Ah, mas não me incomodo.

– Você tem amigos?

– Tenho, claro...

– Não vale o Takeshi...

Meio encurralado, tento fazer mais uma brincadeira.

– Serve você?

Ele então sorri, dá um tapinha nas minhas costa e diz:

– Claro.

Foi um claro que eu pude sentir que era sincero. Eu o conhecia pouco, mas pude sentir que Seo se importava comigo, e que eu poderia confiar nele. Fiquei um pouco constrangido.

– Vamos fazer o seguinte: hoje à noite eu vou fazer uma reuniãozinha com uns amigos lá em casa. Gente boa. Você está convidado. Você e o Takeshi.

– Não acho que seja uma boa ideia...

– Por quê? Estou falando, são todos gente boa.

– Takeshi chegará cansado, não terá disposição para ir.

– Então façamos o seguinte: eu passo na casa de vocês às 19h e levo de volta não muito tarde para seus pais não reclamarem. Combinado? Não aceito "não" como resposta!

Seo falava com uma empolgação que ficaria muito chato cortar o barato dele. Então, concordei.

– Combinado. Nos vemos às 19h.

O telefone dele toca. O toque era o cover da Triple B de Funny Bunny, revelando que o rapaz tinha também seu lado narcisista.

– Minha mãe tá me esperando no portão. Quer uma carona até sua casa?

– Não, obrigado. É perto, e percebi que adoro caminhar por essa rua.

Nos despedimos, e então volto para casa, pronto para tirar um merecido cochilo até que Takeshi chegasse e eu o informasse que seu curso de inglês não seria a última atividade do dia.

– Chegou, querido? Como foi o primeiro dia? - pergunta Nakamura, assim que entro em casa.

– Ainda estou digerindo, mas acho que foi bom. Foi bom. - falo rindo, enquanto caminho para alcançar as escadas e chegar ao quarto.

– Ah, a senhora pode pedir para o Takeshi me acordar quando chegar?

– Claro.

Subo as escadas, me jogo na cama, mas não consigo apagar com a facilidade que imaginei que apagaria. Acho que ainda estava ansioso com tudo o que aconteceu durante o dia, e o que ainda estava por vir. E por algum motivo o cover da Triple B de Funny Bunny continuava na minha cabeça.


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