Com Os Braços Bem Abertos escrita por FreudDepre


Capítulo 4
Ano Novo e Triple B


Notas iniciais do capítulo

Rino e Takeshi são surpreendidos com um convite para um evento de ano novo onde a banda juvenil Triple B se apresentará. Sem conhecer nada sobre os integrantes, os dois passarão por apuros na última noite do ano.



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Véspera de ano novo. Takeshi enfim tem sua própria cama, que fica no meu quarto, porém. Meu pai comentou no início sobre obras para abrir novos cômodos na casa, mas há um certo tempo não o escuto mais reafirmar essa promessa.

Não me incomoda dividir o quarto com o meu novo irmão, pelo contrário. Eu, aos poucos, estou deixando os games online de lado e jogando mais em multiplayer local com ele. Para a minha sorte, Takeshi é viciado em jogar como eu.

Passamos os dois últimos dias maratonando a franquia The King of Fighters. O meu favorito é o KoF 97'; o de Takeshi o 2001. Muito dessas preferências tem a ver com a versão onde cada um é bom. Eu dei surras sem perder nada da minha barra de HP nele no 97. No 2001 eu mal entendi o sistema de combos e especiais, enquanto ele tirou de letra.

Tem sido dias ótimos, mas o ano novo enfim tava batendo na porta, e avisando que poucos dias depois disso as férias acabariam. Sim, durante a semana entre o natal e o último dia do ano conversamos com nossos pais e nos inscrevemos no curso de programação. Ah, Takeshi também fará um de inglês. Eu não me interessei. Fora que seriam dois compromissos ao dia. Puxado.

– Acorda, Rino! - diz Takeshi, me trazendo de volta para a realidade.

– Se você nem ao menos prestar atenção, eu terei ganhado em vão. - completa tirando sarro de mim em The King of Fighters 2001.

Ele novamente ganha, como era esperado. Eu observo pela janela que o carro do meu pai chegou, e a senhora Nakamura está tirando bolsas do supermercado de lá. Desço então para ajudar.

– Rino, temos uma ótima notícia! - diz ela enquanto me passa as sacolas mais pesadas.

– Seu pai conseguiu ingressos para um grande show de fim de ano. - completa.

– Não ficaremos em casa? - questiono.

– Não mais. Um cliente do escritório é agente de uma das bandas que se apresentarão nesse grande show, e quando fechou negócio, nos deixou alguns mimos, como esse.

– É um grande evento, na verdade. Dentre as bandas que se apresentarão, estará a desse cliente. - diz meu pai.

– Ah, interessante. Fui pego de surpresa, mas pode ser bom. - falo.

– Eles se chamam Triple B, será que você nunca escutou nada deles por aí, filho?

– Acho que não, pai. Vou descarregar as compras na cozinha e contar para o Takeshi.

A resposta naquele momento não deveria ter sido um "acho que não". Definitivamente eu nunca havia escutado não só o Triple B como 99% das outras bandas aqui do Japão. Eu não gosto da música local, com exceção do AAA (Attack All Around), Larc~En~Ciel, e Nana Mizuki.

Não sei, me parece tudo muito pasteurizado. Desde o surgimento dos grupos idols, então, tenho me afastado cada vez mais dessa indústria, e por isso a ideia de virar o ano em um evento promovido por ela não me deixava muito confortável. Fora que já tínhamos até colocado um kadomatsu* em casa.

Subi e compartilhei com Takeshi a novidade.

– Nossa, o Triple B vai tocar lá? Você tá falando sério, Rino?

– Sim, pai disse com todas as letras. Triple B. Você conhece?

– Nunca. Ouvi. Falar. - completa Takeshi, agora rindo.

– Bobo.

– Bem, mas acredito que não tenhamos opção. Na última semana conseguimos não só oficialmente ficar um ano sem estudar para o vestibular como também um curso de programação nada barato...

– É, você tem razão. Devemos essa a eles. Mas eu vou levar um videogame, não sei você. - digo.

– Bobo. - agora diz Takeshi pra mim.

– Agora deixa eu começar os preparativos para a grande apresentação do Triple B. Preciso fazer minha plaquinha com a hashtag do fandom. - completa.

A cada dia que passava Takeshi se mostrava mais e mais extrovertido. Acho que a intimidade que estávamos desenvolvendo o deixava à vontade para ser quem ele realmente sempre foi. Eu também me acostumei muito rápido a ele, mas acho que não tenha nenhum lado que ele já não conheça.

Isso me incomodava. Sempre me considerei uma pessoa sem graça. Cresci sem muitos amigos, sem um ambiente familiar muito acolhedor. Minhas habilidades sociais são péssimas. Será que eu não o cansaria com isso tudo em algum momento?

– Rino... - fala Takeshi diretamente do banheiro.

– Oi! - Respondo, novamente sendo puxado para a realidade.

– ... você pode me trazer uma toalha? Eu esqueci.

É, parece que além de extrovertido, Takeshi também é bem esquecido das coisas.

Quando olho o relógio, já é quase noite. O banheiro, para variar, ainda estava sendo ocupado por ele, o novo recordista de banho da casa.

– Não sei se te falaram, mas eu também tomo banho - falo enquanto bato na porta.

– A julgar pela aparência do seu quarto antes da minha chegada, eu duvido bastante, Rino.

– Já estou terminando, relaxa - completa.

Quando ele finalmente saiu, tive uns 15 minutos para tomar o meu antes do meu pai começar a berrar que iríamos nos atrasar.

– Quem foi a donzela que demorou mais de uma hora no chuveiro? - pergunta Kapa, quando já estamos na porta, esperando a senhora Namakura descer.

– Foi o fãzinho do Triple B, pai. Tá levando até plaquinha para levantar durante o show - brinco.

– Pois é, senhor Kapa... precisei me certificar que estava limpinho para o caso de conseguirmos acessar o camarim da banda. - diz Takeshi, que entrou na onda.

– Brincadeira vocês dois - diz meu pai rindo.

Nakamura enfim desce e entramos no carro. Durante o caminho pegamos pouquíssimo trânsito, enquanto ouvíamos de minuto em minuto alguém soltando fogos para comemorar que o ano vigente estava, enfim, terminando.

Chegamos ao evento, que estava lotado. Na porta, uma pequena reunião de garotas com plaquinhas para o tal Triple B.

"Seo Tadahoshi te amamos", "Konishi me possua" e outras plaquinhas piores infestavam o portão de acesso principal. Ninguém sabia se a banda já havia chegado ou se ainda estava a caminho, mas o benefício da dúvida foi o suficiente para que o fã clube ficasse ali na porta. Afinal, se não os pegasse entrando, os pegaria saindo, certo?

Entramos e descobrimos que não só direito a assistir os shows, os ingressos nos davam direito a um camarote bem privilegiado. Nem mesmo meu pai entendia o motivo de tantas regalias, mas ficou - assim como todos nós - animado com o espaço exclusivo.

A noite de shows então começa, e eu percebo que se estamos só nós quatro ali, não conseguiria jogar discretamente. Me resta, então, assistir os shows com eles.

A primeira banda da noite é uma banda de enka**, que previsivelmente meu pai conhecia e curtir. Não a toa, era um estilo popular na época em que ele era um jovem que vivia altas aventuras pelo mundo.

– Ei, Rino. - susurra Takeshi, abrindo a porta do local onde estávamos.

– Olha lá.

E então observei. Era a porta do camarim do tal Triple B. Além de termos um camarote exclusivo, estávamos no mesmo corredor que a banda que gerou nosso convite para o evento de hoje.

– Takeshi...

– O que foi?

– O que você acha de irmos lá confirmar para aquelas garotas histéricas lá fora se eles já chegaram? - sugiro um pouco empolgado.

– Eu acho ótimo!

Então aproveitamos a distração de Nakamura e Kapa e saímos bem devagar para o corredor. Não se ouvia, ali, nenhum som. Era um corredor bem isolado dos ruídos provocados pelo evento.

Andamos cuidadosamente até a porta do camarim. O feixe de luz vazando pela fresta inferior dela indicava que havia sim gente lá dentro.

– Pronto, confirmamos. - digo, agora um pouco acuado com ir em frente com essa ideia.

– Calma, Rino. Precisamos ter uma confirmação oficial!

– Acho que poderíamos ser expulsos daqui se nos flagrarem, Takeshi!

– Que nada, confie em mim.

E então ele me convence a avançar um pouco mais. Quando ele tenta por a mão na maçaneta para empurrá-la milimetricamente e nos permitir alguma visão do cômodo, alguém a abre a porta por dentro.

– Posso ajudá-los? - diz um rapaz que aparenta ser um pouco mais velho que Rino, e mais alto também! Bem vestido, com cabelos lisos e um pouco acastanhados, de olhar marcante.

– A-a gente est-estava só procurando o banheiro. - resolvo dizer, já que Takeshi havia ficado pálido e sem reação.

– E acharam mesmo que em uma porta escrito "camarim" achariam um? - diz ele rindo.

– N-nos desculpe. - diz Takeshi.

– Sem problema, rapazes. Eu sou o Seo Takahoshi. Como vocês se chamam?

Era o vocalista da banda falando conosco ali, e ainda por cima sendo simpático após invadirmos o camarim dele.

– Ri-rino.

– Takeshi.

– Prazer, rapazes. Agora me digam o que vocês pretendiam invadindo o camarim. Tirar uma selfie comigo? Roubar algum objeto para revender no mercado dos fãs?

Na verdade a gente nem tinha um motivo para ir ao camarim da Triple B. Acho que, assim como eu, Takeshi estava entediado com o show enka.

– A culpa é do show enka. - digo.

– Não aguentávamos mais assistir, e então resolvemos fazer qualquer coisa. - completo.

– Espero que não fiquem entediados com o meu show daqui a pouco e resolvam perturbar o camarim dos camaradas do enka. - brinca Seo.

– Vocês pelo menos conhecem a Triple B? Possuem algum disco?

– Eu tenho um cd! - diz Takeshi, querendo fazer média.

– Sério? Estranho, pois ainda não lançamos nenhum!

Eu então dou uma risada.

– Estamos começando ainda. Temos fã clube e estamos hoje fazendo nosso primeiro grande show. Depois disso acredito que seria viável produzir um disco oficial.

– Mas não grilem com essa pequena invasão, rapazes. Querem me ver ensaiando antes da apresentação?

– Precisamos voltar. Nossos pais não podem dar nossa falta - diz Takeshi roxo de vergonha pela gafe cometida.

– Ah, uma pena. Mas daqui a pouco entraremos no palco. Ao menos eu espero, pois não sei em que ponto do Japão os outros membros foram fazer o tal lanche que disseram que iam fazer.

– Tchau, Seo. - digo.

– Até o palco, Rino.

Voltamos, então para o camarote.

– Onde estavam? - pergunta a senhora Nakamura.

– Banheiro - fala Takeshi, agora sem gaguejar.

– Mas quanta demora...

– Nos perdemos. É um corredor bem extenso. - completo.

O show de enka tinha acabado e o palco estava sendo preparado para a próxima atração, que seria ninguém menos que o Triple B.

– Nós vamos sair para comer algo. Comportem-se. - diz meu pai em uma óbvia tentativa de escapar de um show direcionado a um público da minha idade.

A banda enfim entra, com Seo e mais três integrantes.

– Apesar de ser alto daquele jeito, o Seo tem a minha idade, sabia? - diz Takeshi.

– E como você sabe?

– Wikipedia.

Eles enfim estão prontos e começam a tocar. Seo tem uma presença de palco impressionante e toma toda a cena. Canta de uma forma que faz parecer que tem voz infinita. Eu fico impressionado com o que vejo, quando sou surpreendido com ele olhando para a direção do nosso camarote, por mais imperceptível que possamos ser ali, acenando.

Eu aceno de volta, com a pretensão dele enxergar.

Nakamura e meu pai voltam, e me sinto um pouco envergonhado por ter feito o gesto para Seo.

– Acho que eu deveria realmente ter feito uma plaquinha. E dado para você - fala Takeshi, tirando sarro de mim.

Nos agradecimentos finais da banda meu pai resolve que é hora de irmos. Como ninguém pestaneja, vamos todos para o carro antes que eles retornassem ao camarim ali no nosso corredor.

Já no caminho de volta - e já é ano novo! - todos parecem cansados, e não parecem muito dispostos a conversar. Até que Kapa reúne forças para fazer uma pergunta.

– Curtiram o show, meninos?

– Sim - respondemos eu e Takeshi quase simultaneamente.

Que bom. Como o agente deles é meu cliente, acho que posso conseguir ingressos sempre que quiserem. - brinca meu pai.

Chegamos então em casa e corro para usar o banheiro antes do meu novo irmão.

– Quanta pressa, Rino!

– Nem vem! Se você entra aqui primeiro, só consigo tomar banho pela manhã - falo rindo.

Quando saio, o porco já está na cama dele aparentemente desmaiado. Fico com pena de acordá-lo para lembrar que ele não tomou banho. Sorte minha nunca ter topado a ideia de dividir a cama com ele.

Apago as luzes e deito para dormir.

– Rino, o que você achou do Seo? - pergunta Takeshi, que estava acordado.

– Como assim?

– Ele foi bem simpático e solícito, não? O achei gente boa. - completa

– Ah, eu também. Talvez eu vá em outro show deles, qualquer dia desses.

– Ah é? Não achei isso tudo para repetir a dose. - diz Takeshi

– É... talvez eles não sejam isso tudo, mas estão começando, ainda. Podem ter um potencial que ainda não descobrimos.

– Takeshi. Deixa eu aproveitar que você ainda está acordado para te dizer uma coisa...

– O que?

– Vai tomar banho, seu porco.


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Notas finais do capítulo

*kadomatsu
Kadomatsu é um símbolo do Ano Novo no Japão. Apesar de parecer uma árvore de natal, o ornamento vai em um vaso, geralmente com algumas flores na base, e os enfeites podem ser mais diversificados e coloridos.

*enka
Enka é um estilo musical que a apesar de ter surgido na Era Meiji como forma de protesto, se popularizou bastante entre os anos de 1950 e 1990, e mesclava a música ocidental popular, geralmente norte-americana, com tipicidades rítmicas do país.



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